Todos são responsáveis pela ressocialização

Quem trabalha no sistema carcerário brasileiro se esforça, mas é preciso que a sociedade e o Estado também assumam a responsabilidade neste objetivo

Imagem de capa - Todos são responsáveis pela ressocialização

As pessoas dizem que desejam um mundo melhor, mais justo e seguro, mas poucas fazem algo efetivo para que isso se concretize, pois a inclinação humana é se preocupar apenas consigo e ignorar quem vive à margem da sociedade – e, se for alguém com status de “vilão”, os braços se cruzam  com determinação.

Dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) relativos ao segundo semestre de 2022 mostram que a população prisional do Brasil bateu outro recorde ao atingir a marca de 832.295 presos, sendo que 183.603 estão em prisão domiciliar e 648.692 se espremem em 1.405 estabelecimentos prisionais, que disponibilizam apenas 478.096 vagas divididas entre penitenciárias estaduais e federais. É a terceira maior população carcerária do mundo (atrás dos Estados Unidos e da China), com uma nítida superlotação. Infelizmente, esse não é o único desafio.

Para Euro Bento Maciel Filho, advogado criminalista e mestre em direito penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o Brasil prende de forma atabalhoada, mas a criminalidade não se resolve com prisão, e sim com investimentos em educação: “a mera construção de presídios não resolverá o problema, já que, a cada dia, mais e mais pessoas são encarceradas de forma desnecessária”.

A sociedade também é responsável
Você sabe quanto dos seus impostos são destinados ao sistema carcerário, com pagamentos como alimentação, vestuário e higiene pessoal dos que estão privados de liberdade? Relatórios da Senappen de julho de 2020 a abril de 2023 revelam que R$ 49.118.106.162,78 saíram dos cofres públicos para isso. O valor médio por preso em 2023 é de R$ 1.950, – mais do que um salário mínimo.

Todos os meses bilhões de reais são destinados a um sistema que, apesar do empenho, ainda luta para suprir toda a demanda de reeducação e ressocialização. O mês com o custo mais elevado foi março de 2022, cujo valor chegou a R$ 3.188.295.752,93, sendo que 10% foram destinados a alimentação e higiene pessoal e 0,66% a atividades laborais e educacionais.

Mesmo com recursos escassos, os profissionais se esforçam para auxiliar na reeducação e na ressocialização dos detentos. Prova disso é que entre julho e dezembro de 2022 foram disponibilizadas cerca de 850 mil atividades educacionais, incluindo alfabetização, conclusão dos estudos, ensino superior ou capacitação profissional e atividades complementares.

Então, qual a dificuldade em consumar a reintegração social? Para começar, “o que precisa ser repensado não é só o sistema prisional brasileiro, mas as políticas públicas de enfrentamento da pobreza, fome e analfabetismo”, diz Maciel Filho. Além disso, a sociedade também precisa assumir sua responsabilidade na ressocialização de quem cumpre ou cumpriu pena. Quase sempre existe preconceito e negação em acolher no mercado de trabalho e na comunidade, em geral, quem está tentando reconstruir sua vida.

Esse preconceito contribui para o alto indíce de “recaídas”. O relatório de Reincidência Criminal no Brasil, formulado pelo Departamento Penitenciário Nacional, mostra que 21% dos libertos voltam a cometer crimes ainda no primeiro ano de egressão, cometem a mesma infração ou maiores, e a taxa progride para 38,9% após cinco anos de liberdade. Isso evidencia que a sociedade precisa repensar a forma como recebe os egressos do sistema prisional.

“É óbvio que nosso sistema prisional precisa, e muito, de investimentos pesados”, diz Maciel Filho. Assim como também está claro que a falta de investimento no sistema educacional brasileiro influencia diretamente na grande população carcerária.

Uma nova chance
Diante de tantas frentes de trabalho que precisam atuar em conjunto para mudar os índices de criminalidade e a eficiência do sistema prisional, não há como esperar de braços cruzados que o Estado mude a situação. Por isso, há décadas a Universal nos Presídios (UNP) atua incansavelmente para ajudar voluntariamente com doações, capacitação e apoio clínico e espiritual em todas as unidades prisionais do Brasil e em outros 55 países. “A UNP atua com três linhas de trabalho: interno, nas unidades prisionais com a pessoa presa, levando a Palavra de Deus e oferecendo atendimento com médico, oftalmologista e dentista para ajudar na grande demanda das unidades, com doação de kits de higiene pessoal e com a disponibilização de profissionais para ajudar na capacitação profissional; outra frente é composta por ações voltadas aos funcionários, que muitas vezes não são lembrados por ninguém, e, por fim, o trabalho com as famílias”, explica o coordenador da UNP, Pastor Clodoaldo Rocha.

Somente no Brasil, atualmente, mais de 300 mil famílias são acompanhadas pela UNP com assistência humanitária e espiritual. Mas engana-se quem pensa que o trabalho para por aí. Mais de 20 mil ex-presidiários foram reintegrados à sociedade com apoio da UNP e construíram uma vida digna, a exemplo do Rodrigo Inácio, de 42 anos, que ficou preso por 16 anos e hoje é outro homem, empresário e um dos 47 mil voluntários da UNP no País. “Fiquei preso todos esses anos por ter escolhido o mau caminho. A criminalidade era minha vida. Dentro do presídio, continuava a ser criminoso como era na rua, mas o trabalho da UNP chamou minha atenção porque toda semana os voluntários estavam lá e, graças a Deus, esse trabalho transformou minha vida. Em liberdade, a UNP continuou me acompanhando, me orientando e me ajudou espiritualmente. Hoje, tenho o privilégio de voltar no presídio não como preso, mas como um homem de Deus para levar a mensagem da Salvação.”

Esse é um dos muitos frutos da cooperação entre os profissionais do sistema carcerário e a UNP. Outro é o acordo de cooperação técnica firmado, em fevereiro, entre a UNP e a Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo (saiba mais sobre ela a partir da página 27).

E é assim, com um trabalho sério, respeitoso e focado em oferecer dignidade e mostrar que todos são capazes de recomeçar, que chegamos mais perto do mundo idealizado. O sistema prisional é falho e políticas públicas eficientes precisam ser criadas para mudar esse cenário, mas, até lá, cada pessoa deve fazer sua parte cobrando os políticos eleitos e até patrocinando e se voluntariando em projetos sociais, como a UNP.

Laís Klaiber / Fotos: menonsstocks/getty images, Estradaanton/getty images, PeopleImages/getty images, AndreyPopov/getty images

imagem do author
Colaborador

Laís Klaiber / Fotos: menonsstocks/getty images, Estradaanton/getty images, PeopleImages/getty images, AndreyPopov/getty images