Imposto Sobre o Pecado?

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Está se aproximando o carnaval, um período de consumo excessivo de álcool e cigarro, dentre outras drogas. Do ponto de vista antropológico, o carnaval é um ritual de reversão, no qual os papéis sociais são invertidos e as normas de comportamento são suspensas.

Período em que os desejos da pessoas são atendidos sem pudor e de forma extravagante. Isso traz consequências não somente para o corpo, pois pode atingir também o bolso do cidadão. O imposto sobre o pecado ganhou repercussão na fala do Ministro da Economia, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Esse imposto é a classificação dos produtos que são atraentes para uma parte da sociedade, mas que causam riscos à saúde.

Aparentemente se trataria de uma tributação decorrente de um conceito religioso, por causa do uso da palavra “pecado”. No entanto não é exatamente isso. Ele tem a ver com a arrecadação de tributos sobre atividades que são consideradas danosas à sociedade, como a utilização excessiva de álcool, fumo e bebidas açucaradas. Além de perfumes e carros de luxo, associados ao pecado da luxúria.

São também chamados de impostos seletivos. Se a pessoa fuma muito, fatalmente terá problemas pulmonares e posteriormente vai sobrecarregar o sistema de saúde em decorrência do tratamento de doenças como câncer de pulmão, tuberculose ou enfisema, comprometendo o orçamento público da saúde que é financiado pelos cidadãos.

A ideia do governo revelada pelo ministro é aproveitar as propostas de reforma tributária e propor modificações para reagrupar, em uma mesma categoria, os produtos que são prejudiciais à saúde, incluindo aqueles com excesso de açúcar, considerado fator de risco para a obesidade, principalmente a infantil, que eleva a chance de desenvolvimento de doenças graves como diabetes.

A tributação sobre doces é uma tendência global. O Reino Unido implantou o imposto sobre bebidas com açúcar em 2018 e contou com amplo apoio da comunidade médica britânica.

As propostas de reforma que estão no Congresso Nacional preveem a criação do Imposto sobre Bens e Serviços, uma espécie de imposto único sobre o consumo, e também um imposto seletivo, para desestimular a compra de produtos prejudiciais à saúde. Na proposta da Câmara dos Deputados, a definição da lista dos produtos será feita por legislação ordinária, mas o alvo é tributar, além do cigarro e do álcool, as armas de fogo.

No entanto, na proposta do Senado, a PEC n.º 110, o novo imposto seletivo alcança, além dos produtos já mencionados, os combustíveis, produtos não alcoólicos, energia elétrica, serviços de telecomunicações, veículos terrestres, aquáticos e aéreos. Refrigerantes, sucos e até água mineral também podem ser alvos no novo tributo.

Aí reside mais uma grande e perigosa armadilha das propostas da reforma tributária: pior do que aumentar a tributação sobre o consumo, o novo imposto pode incidir sobre qualquer produto, do arroz ao avião; do detergente ao caminhão. Nisso, a propalada reforma tributária em trâmite no Congresso Nacional demonstra que não será de fato uma reforma tributária, mas sim um confisco que vai aumentar o abismo social entre ricos e pobres. O pobre vai pagar mais e o rico vai pagar menos.

Não podemos aceitar mais impostos. Pagamos excessiva carga tributária. Para se ter uma ideia, 49,7% da tributação brasileira está concentrada sobre o consumo, enquanto os impostos sobre a renda correspondem a 21%, os sobre o patrimônio a 4,4% e 24,9% sobre outras incidências. O imposto sobre o consumo é o mais injusto e cruel porque penaliza quem ganha menos e transfere, indiretamente, renda para quem está no topo da pirâmide social.

Denis Farias é advogado e Presidente da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB).

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Redação / Foto: Getty Images