Futuro em risco: o impacto das escolas fechadas na vida de crianças e adolescentes

Com tantos meses sem aulas, o Brasil deve enfrentar retrocesso educacional e até uma geração com dependência tecnológica

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“À medida que entramos no segundo ano da pandemia de Covid-19 e os casos da doença continuam a aumentar em todo o mundo, nenhum esforço deve ser poupado para manter as escolas abertas ou priorizá-las nos planos de reabertura.” É dessa forma que o Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef) inicia uma nota divulgada no começo deste ano. O motivo do posicionamento é preocupante: a instituição estima que 90% dos estudantes em todo o mundo foram afetados em algum momento pelas restrições governamentais e que um terço das crianças e adolescentes em idade escolar ficou sem acesso à educação a distância.

No Brasil, um estudo do Unicef em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec Educação) revelou que, em novembro de 2020, cerca de 5 milhões de brasileiros ficaram sem aulas. A maior parcela (41%) é de crianças de 6 a 10 anos; a segunda faixa etária mais afetada (31,2%) corresponde aos jovens de 15 a 17 anos e a terceira (27,8%) equivale aos adolescentes de 11 a 14 anos. Com isso, o País pode retroceder duas décadas no acesso à educação.

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a interrupção das atividades escolares poderá ter reflexos até o final do século, levando a uma perda ao longo do período de 1,5% na economia global.

Impactos negativos
A consequência imediata do fechamento das escolas é o atraso no aprendizado. Além das lacunas em português, matemática, história, geografia e outras matérias básicas, a alfabetização foi comprometida. De um lado estão as crianças com dificuldade de aprender e de outro os professores, que muitas vezes improvisam o ensino remoto. Há ainda os pais que tentam equilibrar o trabalho e o apoio aos filhos que estão em casa.

A pedagoga Natália Fernandes de Assis afirma que as crianças nas fases de berçário e educação infantil precisam das experiências concretas e da socialização, que não são possíveis por meio da aula on-line. “Nos exercícios e atividades presenciais as crianças criam hipóteses, interpretações, lidam com as emoções, aprendem a conversar e a compartilhar”, diz.

As crianças que deixaram de ir às aulas por tempo prolongado apresentaram agitação, ficaram mais dispersas e até regrediram em algumas habilidades já adquiridas. “Minha filha, por exemplo, que já estava se alimentando sozinha, voltou à aula presencial sem fazer isso. As professoras ensinam as crianças e estimulam a independência delas para que comam, usem o banheiro, encham sua garrafa de água, tirem ou coloquem roupas e sapatos, organizem seus pertences, etc.”, explica Natália.

Contudo os problemas não se restringem ao aprendizado: “as crianças e adolescentes que não estão na escola e que têm pais que trabalham fora frequentemente são deixadas sozinhas em casa ou sob os cuidados de terceiros, o que tem aumentado o risco de acidentes domésticos e comportamentos de risco, como violência física, sexual, uso de drogas e álcool”, afirma em nota o movimento Escolas Abertas, uma associação civil, de pais e mães voluntários, de escolas públicas e privadas em todo o Brasil, que luta pelos direitos à educação e à saúde das crianças e adolescentes.

A mudança de rotina, o isolamento e o excesso de telas também trazem impactos emocionais, lembra a psicóloga Rose Rocha: “as crianças e os adolescentes estão mais ansiosos, depressivos e com ganho de peso, porque acabam comendo mais em casa, e com algumas dificuldades que chegamos a pensar que podem repercutir numa certa fobia social, com dificuldade de se expor”.

Segundo a psicóloga, para contornar esse estado de comprometimento da saúde mental, é necessário que os pais, dentro do possível, criem situações em que eles possam voltar a conviver com outras crianças e jovens da mesma idade. “Nas escolas que voltaram a funcionar, é indicado que os alunos retornem”, comenta.

Com a falta de contato com outras pessoas e o maior tempo dentro de casa, há uma tendência do adolescente e da criança mergulharem no mundo digital. “Acredito que futuramente podemos ter um boom de dependência tecnológica, porque tem sido a única forma deles terem contato com o mundo externo”, diz.

O Pastor Walber Barboza, responsável pela palestra Namoro Blindado nas Escolas, aponta para a perda de perspectiva dos jovens. “Tanto tempo ausente vai diminuindo os projetos do jovem, aumentando a fobia social, a ansiedade, a depressão, enfim, o jovem se distancia dos sonhos e se aproxima dos conflitos”, relata.

O projeto, que leva aos estudantes orientações sobre a vida amorosa, foi interrompido em março de 2020, com o fechamento das escolas. “Fala-se no retorno às aulas depois que todos os profissionais da educação forem vacinados e esperamos que seja ainda neste ano”, afirma.

Crianças e Covid-19
Uma pesquisa feita em parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade da Califórnia e a Escola de Medicina Tropical e Higiene de Londres revelou que as crianças têm baixa taxa de transmissão da Covid-19 a adultos. A publicação conclui: “nossas descobertas sugerem que, em ambientes como o nosso, escolas e creches podem ser reabertas com segurança se medidas adequadas de mitigação de Covid-19 estiverem em vigor e os funcionários devidamente imunizados”.

O uso de máscara continua sendo obrigatório, assim como outros cuidados. Entretanto eles não podem ser desculpa para o descaso com a educação.

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Colaborador

Cinthia Cardoso / Foto: getty images