CPI dos Valores às avessas

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Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) deve ter como propósito apurar fatos e buscar a verdade. A investigação e os componentes da comissão devem primar pela ética e pelos valores mais nobres de uma sociedade democrática. Se, em seu nascedouro, os objetivos forem corrompidos por interesses escusos e seus componentes tiverem sua reputação manchada por maus antecedentes criminais e morais, a CPI estará destinada a se tornar um espetáculo de horror, com valores republicanos tratados às avessas.

Que a pandemia provocada pelo novo coronavírus e suas variantes deixaram um rastro de morte, dor e sofrimento em muitas famílias no Brasil e no mundo é incontestável, tal como muitas autoridades ficaram sem saber o que fazer e inegavelmente houve erros e acertos na tomada de decisões.

Mas o pior de tudo foi a revelação de que muitos governantes estaduais e municipais aproveitaram a flexibilização de normas de contratação e a liberação de verbas públicas federais para desviar o dinheiro público em benefício próprio e de terceiros coligados em detrimento das vidas que foram ceifadas por falta de estrutura nos hospitais e postos de saúde.

O mais justo e correto não seria investigar os governantes estaduais e municipais que se envolveram em falcatruas com as verbas que deviam ser usadas no combate à pandemia? No entanto o motivo principal da abertura da CPI da Covid-19 foi apurar eventuais falhas do governo federal no enfrentamento da crise sanitária.

Apesar de o objetivo da CPI ter sido ampliado para investigar eventuais condutas ilícitas com verbas públicas bilionárias por parte de governadores e prefeitos, o alvo principal ainda é desgastar o governo federal. Estratégias políticas têm sido arquitetadas para constranger depoentes pró-governo no que tange ao combate da pandemia com medicamentos para uso off label (“extra bula”, em tradução livre, usado em situações em que um medicamento já é existente no mercado). Não está passando despercebido nessa CPI o fato de pessoas com extensa ficha de antecedentes criminais se vestindo da condição de julgadores acima do bem e do mal, para julgar e humilhar cidadãos de bem, que nunca tiveram – até onde se sabe – nada que desabonasse sua conduta.

A médica Nise Yamaguchi, especializada em imunologia e doutora em pneumologia, foi uma das vítimas dessa inversão de valores. Ela tem 40 anos de experiência na área clínica, é exímia cientista e possui inúmeros trabalhos publicados. No entanto escondendo-se por trás da imunidade parlamentar, alguns componentes da CPI a submeteram a um massacre moral durante seu depoimento. Um dos motivos foi porque ela é uma das defensoras dos medicamentos off label para tratamento inicial da Covid-19.

Por outro lado, a médica Luana Araújo, embora formada na Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em saúde pública pela Universidade Johns Hopkins (EUA), não tem a mesma experiência que Nise, não possui trabalhos publicados na área e não atendeu pacientes com Covid-19 e, ao ser interrogada, foi tratada com distinção porque defendeu a ineficácia desses mesmos medicamentos para tratar a doença.

Uma situação que escrachou os “dois pesos e duas medidas” da Comissão.

A contradição destes componentes da CPI foi exposta também durante os depoimentos dos médicos Francisco Cardoso e Ricardo Zimerman, que são favoráveis ao tratamento inicial da Covid-19 com base científica e na vivência médica que possuem. Enquanto eram interrogados, alguns senadores deixaram a sala, inclusive o relator da Comissão.

Enquanto isso, outras pessoas, como o ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, cassado após suspeitas de desvios nas verbas públicas destinadas à saúde, são tratadas na CPI como heróis, com honras de Estado. Esse comportamento tem sido, infelizmente, aplicado até aqui.

Quem em sã consciência daria crédito a uma CPI com esse tipo de conduta?

O povo nunca esteve tão atento. Um globo de notícias desvirtuadas não é mais capaz de influenciar a nação inteira, como em épocas em que notícias falaciosas eram uma eficiente ferramenta de manipulação de um único canal de televisão.

Com as redes sociais e os meios digitais de comunicação, as pessoas têm acesso a mais de uma versão dos fatos e podem discernir o que está por trás da cortina de fumaça criada por grupos políticos ávidos por voltar ao poder, para reassumir o protagonismo fundamentado na corrupção sistêmica vista recentemente em governos da esquerda, que tanto mal fizeram ao País e ao seu povo.

Denis Farias é advogado, professor e consultor jurídico.

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Colaborador

Redação / Foto: Getty images