Brasil, país dos feriados

O impacto negativo dos dias sem trabalho na economia nacional é bem maior do que muitos pensam – e políticos ainda querem criar mais datas assim sem nenhuma justificativa legal

Imagem de capa - Brasil, país dos feriados

O senador Ângelo Coronel (PSD-BA) encaminhou um projeto para criar um feriado nacional todo dia 13 de março para Santa Dulce dos Pobres, baiana conhecida em vida como Irmã Dulce (1914-1992), canonizada pelo papa Francisco em 2019. A proposta chegou a ser aprovada pelo Senado, mas gerou muitas críticas por parte da opinião pública: em um País já com tantos feriados, o que impacta muito negativamente a economia, por que criar mais um?

A pressão funcionou e Coronel voltou atrás, sugerindo que seja criado somente um dia nacional, mudando a data de 13 de março (morte de Dulce) para 13 de agosto, dia de sua ordenação, já utilizado para homenagens não oficiais à freira na Bahia.

No Brasil já há quatro feriados nacionais oficiais de origem católica: Paixão de Cristo (a sexta-feira da Semana Santa), Nossa Senhora Aparecida (12 de outubro), Finados (2 de novembro) e Natal (25 de dezembro), além de Corpus Christi, (um ponto facultativo estadual no começo de junho). Além desses, há os feriados estaduais e municipais em homenagem a “santos padroeiros” locais e o carnaval (também de origem católica, com pontos facultativos na segunda-feira e na terça-feira, bem como em metade da chamada Quarta-Feira de Cinzas, considerados extraoficialmente como feriados). E nem estamos citando as chamadas “datas cívicas”, como Independência (7 de setembro) e Proclamação da República (15 de novembro), entre outras.

Enfraquecimento econômico
O quanto todos esses e outros dias sem expediente de trabalho para a maioria dos cidadãos causam de prejuízo para empresas e para o País? O último cálculo do tipo foi feito em 2019 pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), utilizando o Produto Interno Bruto (PIB) industrial diário como base. Os dias de indústrias paradas significaram a perda de R$ 54,6 bilhões em faturamento, quase 4% do PIB anual. Esses dias parados, por sua vez, deixam de gerar impostos para a União. A perda em 2017 foi estimada pela Firjan em R$ 27,6 bilhões, o equivalente a R$ 2,5 bilhões a cada feriado nacional, considerando os tributos federais, estaduais e municipais.

Vale lembrar que os números da Firjan incluem só as perdas da indústria. E as dos outros setores? Só no comércio e na prestação de serviços, por exemplo, foi feito um estudo pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio SP) em 2019 que revelou perdas de R$ 7,6 bilhões em um dia com a maioria das lojas paulistas fechadas. A Fecomercio do Estado do Rio de Janeiro calculou um prejuízo de R$ 3 bilhões no mesmo período. Além disso tudo, temos que pensar que funcionários devidamente registrados também recebem pelos dias de folga, o que onera os empregadores.

Por que só os católicos?
Em um passado recente, era ensinado nas escolas que o catolicismo era a “religião oficial” do Brasil, o que agredia alunos e pais de outras crenças, pois alega-se que a maioria da população podia até ser considerada católica (o que incluía os não praticantes) sem que aderir à Igreja Romana fosse obrigatório por lei. Há várias outras crenças no País.

Por que, então, não há feriados para elas? O judaísmo, por exemplo, tem datas bem significativas sem que o governo dê respaldo para que sejam feriados. Mas judeus não deixam de ter seus costumes relativos a essas datas (Purim, Hanuká e outros) por elas não serem feriados. Protestantes também poderiam requerer datas para folgas, mas não é uma prática comum deles. Há ainda muitas outras crenças que poderiam pleitear feriados. Toda crença tem alguma data especial, que segue sendo assim para ela mesmo sem paralisar o País para isso. Vale lembrar: nossa Constituição Federal diz que o Brasil é um Estado laico, ou seja, religiões não devem pautar a administração pública, apesar de deverem ser respeitadas imparcialmente. Por essas e outras, se não há justificativa plausível para tantos feriados (católicos ou não), por que continuam a propor novos?

Os feriados católicos são reflexo de uma época em que a Igreja Romana era conivente com os governos locais para ganhar prestígio e poder, submetendo tanto seus adeptos quanto os não adeptos à religiosidade imposta por lei, mesmo que isso signifique dias parados que, literalmente, custam muito à população em geral – que pode até gostar das folgas, mas sofre as consequências das perdas financeiras privadas e públicas.

imagem do author
Colaborador

Marcelo Rangel / Foto: getty images