Vida longa e ativa
Com o aumento da expectativa de vida, brasileiros descobrem novas formas de encarar a longevidade. Conheça os desafios e as alegrias de quem tem mais de 60 anos
Roberto Thiers Watanabe tinha (foto abaixo) 12 anos quando falou pela primeira vez ao microfone. Na época, ele trabalhava como locutor de alto-falante em Araçatuba, no interior de São Paulo. Hoje, após 60 anos, ele continua nos microfones, mas como mestre de cerimônias. Formado em Letras, Roberto é jornalista, radialista e representa uma parcela de brasileiros cada vez mais longeva e ativa.
Uma pesquisa do SPC Brasil mostra que uma em cada três pessoas com mais de 60 anos de idade continua trabalhando no Brasil: 17% são autônomos,10% são trabalhadores informais e fazem bicos, 2,1% são profissionais liberais e 1,7% são funcionários da iniciativa privada.
No último dia 6, Roberto atuou como anfitrião durante um evento em um dos hotéis mais tradicionais da capital paulista. “Muitos sindicatos e federações me contratam como mestre de cerimônias para seus eventos. É uma clientela boa, cativa. Estou muito feliz e acho que a recíproca é verdadeira”, comemora.
Ele começou a trabalhar como mestre de cerimônias antes mesmo da aposentadoria. “Ainda estou na ativa, mas sem horário fixo. Trabalho como freelancer e emito nota fiscal”, esclarece ele, que tem 72 anos.
Vida ativa
Roberto gosta de preparar o próprio café da manhã e as demais refeições. “Mantenho uma vida sem exageros. Não como açúcar, só como coisas integrais, não tomo refrigerante, não fumo e não bebo. Cortei o pastelzinho de feira porque precisava diminuir a barriga, perdi 8 kg e estou no meu peso ideal”, detalha.
Ele frequenta uma academia de ginástica às segundas e quartas-feiras, além de fazer caminhadas diárias e passar por consultas médicas regularmente. “Ando muito de ônibus, metrô, deixo o carro na garagem. Anualmente, faço check-up geral, do fio de cabelo à unha do pé.” O cuidado com a saúde permitiu que ele fizesse o controle da pressão alta, além de ter descoberto e tratado um câncer de próstata.
Roberto faz questão de passar bons momentos com os filhos e os netos e não dispensa almoços e viagens em família. Além de atuar em comunicação, ele já foi vereador, serviu o Exército na juventude e teve uma farmácia de manipulação. E qual é o segredo para se manter ativo? Ele responde rápido: “nós precisamos do nosso momento de paz, de oração. Não adianta se alimentar bem e viver uma vida com preocupações, isso provoca doenças. Faço minhas orações e agradeço todos os dias pela saúde e pela vida que Deus
me deu.”
Aposentadoria distante
A presença de profissionais com mais de 60 anos no mercado de trabalho será cada vez mais comum no Brasil. Isso está relacionado à mudança de perfil da população, como aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2030, o número de pessoas com 60 anos ou mais de idade será maior do que o número de crianças de 0 a 14 anos: serão 41,5 milhões de idosos e 39,2 milhões de crianças. Hoje, a expectativa de vida do brasileiro é de 75,2 anos. Essas transformações levaram o governo federal a discutir mudanças nas regras de concessão de aposentadoria. Segundo o governo, se a aposentadoria não for adiada, não haverá dinheiro para honrar os benefícios no médio prazo.
Nesse cenário, empresas e profissionais precisam se adaptar. É o que explica Mórris Litvak, fundador da MaturiJobs, um negócio social que ajuda pessoas acima de 50 anos de idade a encontrar oportunidades e alternativas de trabalho. Ele avalia que o preconceito em relação à idade ainda existe, mas isso precisa mudar. “Não tem outro caminho, as empresas terão que se adaptar porque vamos ter cada vez pessoas mais velhas e menos jovens no mercado. É o que chamamos de revolução da longevidade.”
As mudanças da economia são outro desafio. “O número de empregos formais é cada vez menor. É preciso entender as novas tendências da economia, a economia colaborativa, o trabalho remoto e usar a tecnologia como aliada. Virar consultor, microempreendedor e dar aulas podem ser alternativas. Nós aconselhamos nosso público a se atualizar, fazer networking, participar de eventos e fazer parcerias.”
Mórris destaca que a presença de pessoas com mais de 60 anos no ambiente profissional é positiva para todos. “Ter equipes intergeracionais ajuda a manter times diversos, que pensam fora da caixa. Mas é fundamental integrar a equipe. Esses profissionais trazem mais experiência, têm mais responsabilidade e
comprometimento.”
Sociedade precisa se adaptar
O crescimento do número de idosos traz desafios maiores do que as mudanças na previdência e no mercado de trabalho. O alerta é de José Rubens Rebelatto, professor doutor do departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coordenador do Laboratório de Pesquisa em Saúde do
Idoso (LaPeSi).
“Daqui a algum tempo, teremos famílias compostas por pessoas idosas, mas não temos residências adequadas e confortáveis para esses indivíduos. Também não temos cidades, calçadas e políticas públicas para idosos. Não estamos pensando em nossa própria situação.”
Saúde em dia
O avanço da idade traz novas necessidades. Rebelatto lembra que fatores genéticos e hábitos de vida influenciam no envelhecimento mais saudável. “Com alimentação saudável, dietas menos calóricas e o hábito de se movimentar, a longevidade é mais significativa”, explica Rebelatto.
Fazer exercícios é fundamental para manter a qualidade de vida. “A partir dos 45, 50 anos há uma diminuição da força muscular e do equilíbrio. Indivíduos idosos que não treinam o equilíbrio, a força e a flexibilidade têm mais riscos de quedas e a queda é um problema de saúde pública nessa faixa etária.”
O professor acrescenta que os idosos também precisam manter o convívio social. “Atividades sociais, lúdicas e a convivência com amigos e com familiares evitam que o idoso se isole e tenha seu mundo reduzido”, ensina.
Convivência
A aposentada Maria das Graças Almeida, de 62 anos, (foto ao lado) estava se sentindo sozinha quando procurou as atividades do Calebe, grupo da Universal que oferece atividades de lazer gratuitas e ações sociais para pessoas com mais de 55 anos. “Trabalhei como comerciária até 2010 e me aposentei. Depois, abri minha lanchonete, mas fechei em 2015. Mesmo com Deus em minha vida, tinha momentos em que eu sentia solidão. No Calebe eu converso, troco ideias e me sinto muito bem”, conta ela, que aprende e ensina crochê e tricô no Calebe do Brás, na zona leste de São Paulo (SP).
Além de cuidar da própria casa, Maria das Graças faz conserto de roupas para aumentar a renda. “Faço barra de calça e arrumo as roupas de vizinhos e conhecidos, acabo ganhando um dinheirinho.” Ela também gosta de visitar os quatro filhos e os seis netos. “Quando meus netos estão em minha casa, conto para eles um pouco da minha experiência de vida.”
Há 10 meses no Calebe, Maria Edith Domingues Nazário, de 73 anos, (foto ao lado) diz que reencontrou a alegria nas atividades do grupo. “Cheguei aqui muito triste. Trabalhei durante 25 anos na casa de uma família e me ap
osentei. Moro sozinha, minha família é do Rio Grande do Sul”, relata.
Maria Edith conta que gosta de dividir com as colegas seus conhecimentos de crochê, atividade manual que ela faz desde os 9 anos. “Aqui eu me distraio e me sinto muito feliz e abençoada.” Além de participar do grupo, ela conta que recebe encomendas de seus trabalhos. “As pessoas me procuram para fazer bordado, blusas de tricô e de crochê, panos de prato. Já tenho encomenda para o fim do ano”, comemora.
Apoio para idosos
O pastor Danilo Sgambatti, responsável pelo grupo Calebe, explica que a solidão e o sentimento de desprezo são comuns entre idosos. “A pessoa idosa tem muita necessidade de ser ouvida e muitos não querem ouvi-la. No Calebe, nós ouvimos e oferecemos atividades para estimular a interação. Temos artesanato, passeios, ginástica, aulas de informática, visitas a asilos e hospitais, chá da tarde. A pessoa idosa faz novas amizades, coloca a mente para funcionar e se sente acolhida espiritualmente”, detalha o pastor Danilo. O grupo tem mais de 113 mil inscritos em todo o País e registrou mais de 6.600 passeios em agosto.
No próximo dia 5 de novembro, o Calebe vai promover o 4º Congresso da Melhor Idade, na Catedral da Universal em Itaquera, na zona leste de São Paulo, das 10h às 15h. “Vamos ter massagem, nutricionista, assistente social, otorrinolaringologista, advogados, aferição de pressão arterial e glicemia, palestras sobre envelhecimento com saúde, será um grande evento. O espírito e a alma não envelhecem, a pessoa idosa não pode se entregar ao desânimo”, finaliza.
“Nunca tive medo da idade”
Eugênia Soares Corrêa (foto ao lado) nasceu em 1918, ano em que a Primeira Guerra Mundial chegava ao fim. Natural de Osório (RS), ela viveu um período em Porto Alegre até se mudar para São Paulo (SP) com o marido e os três filhos, em 1943. Na capital paulista, ela teve outros sete filhos e construiu uma família grande: são 10 filhos, 36 netos, 44 bisnetos e sete trinetos.
O mundo mudou bastante em quase um século, mas Eugênia não lamenta. Aos 98 anos, ela gosta de passar o café de manhã. “Tomo meu cafezinho amargo desde pequena, não gosto de doce. Às vezes tenho uma dorzinha, mas tomo um comprimido daqui e dali e vou embora, tem que ir em frente sem desanimar. Até aqui está tudo normal com a graça de Deus”, conta ela, que nunca foi hospitalizada.
Eugênia explica que sempre levou uma vida simples, nunca fumou e nunca bebeu. “Almoço ao meio-dia, como feijão, uma colher de arroz, um pedacinho de frango ou bife e uma saladinha. E gosto de dormir, durmo aquele sono gostoso.” Todos os dias, ela sai de casa para alimentar o cachorro Mimoso, que fica em um terreno a poucas quadras do apartamento em que mora com o filho caçula, Wilson, e a nora, Gladys.
Cada ano de vida é comemorado com uma grande festa em família, ocasião em que Eugênia aproveita para dançar valsa. “Gosto de aniversário, de festa, é só me chamar que eu vou. É importante ficar no meio das pessoas, conversar, é bom um churrasquinho, dá até vontade de comer agora!”, diverte-se.
Talvez Eugênia até se esqueça da idade que tem. “Um dia subi na árvore e cai de lá, mas não aconteceu nada”, esclarece. A disposição é mantida com pensamento positivo. “Nunca tive medo da idade. É segura na mão de Deus e vai. Nós temos que esquecer a reclamação e lembrar de ir para frente que é melhor”, ensina.
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