Supere seus limites

A diferença entre atingir uma meta ou desistir no meio do caminho pode estar na forma como você encara as limitações. Conheça histórias de quem venceu barreiras

Imagem de capa - Supere seus limites

Quais são os limites do ser humano? Para Philippe Croizon (foto ao lado) não existem limitações. Em janeiro, o francês de 48 anos se tornou o primeiro piloto sem braços e sem pernas a participar da mais longa prova motorizada do mundo, o Rali Dakar.

Ele atravessou 10 mil quilômetros entre Paraguai, Bolívia e Argentina. Durante o trajeto, Philippe enfrentou alguns dos terrenos mais inóspitos da terra, tempestades, altas temperaturas e grandes altitudes. Cerca de 60% dos participantes desistem por causa de falha mecânica ou exaustão. “Você vê, tudo é possível! A imagem da deficiência tem que mudar!”, comemorou o piloto, após cruzar a linha de chegada. “Este era o meu sonho e eu fiz de tudo para alcançá-lo” completou, em entrevista ao jornal The Connexion.

Philippe perdeu os membros em um grave acidente, aos 26 anos, em 1994. Ele recebeu descargas elétricas de 20 mil volts enquanto arrumava a antena de TV de sua casa. A vontade de superar limites começou ainda no hospital, quando ele viu na TV a notícia de uma francesa que cruzara o Canal da Mancha a nado. “Por que não faço isso?”, perguntou-se. Depois de 14 anos, ele começou a treinar natação intensivamente e, em 2010, finalmente cumpriu o desafio. Ele também já saltou de paraquedas e uniu os cinco continentes nadando durante 100 dias.

Superação

Para realizar façanhas que pareciam impossíveis, Philippe não deixou que sua condição física o impedisse de sonhar. Em outras palavras, ele não se limitou. Ou melhor: ele traçou limites ousados.

Afinal, o que é limite? Dentre as definições apresentadas pelo dicionário Houaiss, uma delas chama a atenção: limite é o que não pode ou não deve ser ultrapassado. O psicólogo clínico Akim Neto, de Curitiba, no Paraná, diz que os limites são importantes para viver em sociedade. Aí entram as leis, as regras de convívio, as normas de empresas. Mas, além dos limites externos, ele lembra que cada pessoa também cria as suas próprias limitações. “A questão é escolher o limite certo.

Às vezes, as limitações que colocamos a nós mesmos vão contra o que gostaríamos de ser. Esse tipo de limite é inadequado, pois impede a pessoa de realizar o que ela quer. Se uma pessoa deseja ter uma carreira bem-sucedida, mas pensa que isso não é possível, que não é para ela, ela está se limitando”, afirma.

No caso de pessoas que adquirem uma condição física por causa de um acidente ou doença, não se trata simplesmente de ignorar a questão. “O primeiro passo é reconhecer o limite. Se a pessoa perdeu uma perna e quer continuar correndo, ela deve pensar no que fazer para atingir o o objetivo a partir disso, se não ela sucumbe ao que os outros dizem que ela pode fazer”, acrescenta Akim Neto.

Qual é o seu limite?

Quantas vezes você considerou impossível atingir um objetivo? E quantas vezes você justificou isso com frases do tipo “não tenho tempo”, “não tenho dinheiro”, “meu chefe não quer”, “não consigo companhia”, “não tenho oportunidade”? Akim Neto alerta que pessoas que têm muitas desculpas para não realizar seus sonhos ou que se colocam como vítimas das situações podem estar se limitando sem perceber.

Segundo ele, o excesso de limitações pode esconder questões mais profundas. “As coisas não são isoladas, um limite inadequado pode estar relacionado à falta de autoestima, problemas de autoimagem, medo, traumas. Nesses casos, é importante buscar ajuda especializada.”

Como atingir objetivos

O psiquiatra clínico e terapeuta cognitivo Alexandre Cintra, de São Paulo, acrescenta que as limitações exageradas podem estar relacionadas a crenças construídas ao longo da vida. “Elas vêm das nossas experiências e da interpretação de cada fato, da forma como enxergamos as coisas.”

Para mudar de atitude, ele sugere encarar a vida com uma postura mais positiva. “Procure enxergar as coisas de uma forma melhor. Pergunte-se: será que estou exagerando? Do que estou com medo? Como posso mudar isso? Quando pensamos em nossas capacidades para superar cenários difíceis, nós conseguimos corrigir essa forma distorcida de enxergar a realidade”, diz.

Para o psicólogo clínico Reinaldo Renzi, de São Paulo, o caminho para superar as limitações é o autoconhecimento. “A pessoa precisa se perceber nessas limitações e fazer uma reflexão profunda. É importante fazer um balanço no fim de cada dia, observar o que fez e como pode melhorar no dia seguinte. É verificar se o dia foi produtivo ou não em relação ao que se tem como meta e manter o foco nos objetivos”, indica.

Rótulos

Muitos limites também são impostos pela sociedade, como destaca o bispo Edson Costa em uma das palestras do Congresso para o Sucesso. “Você já notou como as pessoas vivem dizendo o que nós devemos ser ou deixar de ser, o que nós devemos nos tornar ou deixar de tornar, o que nós devemos fazer ou deixar de fazer. As pessoas vivem querendo ditar as regras nas nossas vidas, como se elas pudessem colocar um rótulo em cima de você.”

Ele recomenda cuidado para que esses rótulos não se transformem em bloqueios para o sucesso. “Você é maior do que você se enxerga. Você é mais profissional do que você imagina, você é mais competente do que possa imaginar.” Para ele, a superação de limites está na combinação entre fé e atitude para aproveitar as oportunidades no momento certo. “Nada substitui uma atitude. O seu passado está na sua mente, mas o seu futuro está nas suas mãos. Ou seja, depende de você o seu futuro, não depende de ninguém nem do que você foi ou deixou de ser.”

Corpo e mente

Um dos caminhos que muitos buscam para a realização pessoal e até como uma forma de superar os limites é o esporte.Objetivos distantes e aparentemente inalcançáveis são atingidos por meio dele. O nadador Daniel Dias (foto ao lado), de 28 anos, destaque na Paralimpíada Rio 2016, ao ganhar quatro medalhas de ouro, três de prata e duas de bronze na natação, pode ser considerado um exemplo de quem ultrapassou obstáculos ao se tornar atleta. Se somarmos todas as vezes em que ele subiu ao pódio, em competições como paralimpíadas, mundiais e pan-americanos, ele tem 81 medalhas.

Mas a grande vitória dele não está na quantidade de medalhas que ganhou ou que ainda possa conquistar. Daniel nasceu com má-formação dos membros superiores e da perna direita. Teve que passar por cirurgias para poder usar próteses, mas, segundo a mãe dele, Rosana de Faria Dias, de 47 anos, sempre foi tratado como uma criança normal. “Nunca o escondemos. Se tivesse que apanhar, ele apanhava. Eu pedia para arrumar a cama e ele assim o fazia, do seu jeito e demorado, mas fazia. Cresceu com os seus primos e colegas de escola e fazia de tudo”, conta.

A quem passa por situações semelhantes à dela, Rosana aconselha que veja os filhos como normais. “Não os tratem como coitadinhos. Nunca coloque limites de realização e capacitação na vida deles. Eles são capazes. Disciplina e respeito têm que existir sempre. A deficiência física é apenas uma característica do Daniel, mas não define quem ele é”, explica.

Reaprendendo a viver

E não é somente na área esportiva que é possível vencer. O jovem Thiago Helton Miranda Ribeiro (foto ao lado), de 28 anos, é um exemplo de que a condição física não é limitação para buscar seus sonhos. Em 2008, ele foi atropelado quando seguia para o trabalho, em Belo Horizonte, Minas Gerais.

O pescoço dele quebrou ao meio entre a quarta e a quinta vértebras. “Os médicos já tinham pedido à minha família para se despedir de mim, mas eu sobrevivi. Depois de mais de dois meses no leito do hospital, sendo 54 dias respirando por aparelhos, eu e minha família tivemos que nos adaptar à nova realidade. Eu fiquei com uma tetraplegia incompleta. Ando de cadeira de rodas e consigo mover os ombros e os punhos parcialmente”, conta.

Ele era funcionário público concursado e teve que ficar um ano fora do trabalho para poder se recuperar. “Queriam me aposentar por invalidez, mas eu fiz questão de trabalhar, mesmo com uma carga horária reduzida, pois o esforço era grande para o meu corpo. Meu pai me acompanhava e pegava o ônibus comigo para me levar ao trabalho”, lembra.

Invisível

Thiago compreendeu que passou a fazer parte de uma parcela que muitas vezes é invisível para a sociedade. Ele revela que teve que reaprender a viver. “O ser humano, no senso comum, não atenta para aquilo que não lhe interessa. Pode até ajudar uma ou outra pessoa dentro do ônibus, mas não imagina o que ela passa, pois não é a sua realidade. Não era a minha, mas quando você passa a vivê-la, querendo ou não, tem que mudar a sua vida. No hospital, reaprendi a fazer tudo novamente: comer, escovar dentes, desenvolveram adaptações para que eu conseguisse digitar no computador”, diz.

Desafios

Ele revela que o fato de ter fé em Deus também o ajudou muito para não entrar em depressão: “Eu já era convertido, tinha a certeza que Deus iria fazer algo muito forte em minha vida. O amadurecimento espiritual não me deixou cair. A solidez da minha fé é o que me manteve com a rodas no chão para dar a volta por cima”.

Thiago se formou em Direito. Antes mesmo de receber o diploma já havia passado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil e em outro concurso para o Tribunal de Justiça, em Minas Gerais. Depois de algum tempo trabalhando lá, ele decidiu sair e começar a defender pessoas com problemas similares aos seus em violações sofridas por causa dessa condição. “Ao fazer isso, acabei, sem querer, me tornando uma referência. As pessoas passaram a me procurar. Hoje tenho o programa Faça Parte, na Record TV, em Minas Gerais, que trata justamente do universo de pessoas com deficiência. Eu quero amadurecer profissionalmente e poder contribuir para que mais pessoas na minha condição tenham oportunidades e empoderamento”, projeta.Uma vida além das barreiras

Uma vida além das barreiras

O australiano Nick Vujicic (foto ao lado), de 35 anos, nasceu sem os braços e sem as pernas em decorrência de uma síndrome rara, a Tetra-amelia. Em seu site, ele conta que enfrentou dificuldades no início e teve que lutar contra a depressão e a solidão. Nick se perguntava por que era diferente das outras crianças. Aos poucos, ele aprendeu a usar a fé para superar as adversidades.

Após receber o conselho de um inspetor da escola em que estudava para ser palestrante, Nick começou a compartilhar sua história com outras pessoas e nunca mais parou. Ele criou uma organização sem fins lucrativos e hoje é um dos palestrantes mais conhecidos do mundo. Casado e com dois filhos, Nick também é escritor e viaja pelo mundo ministrando suas palestras.

Luta contra a violência

Em setembro de 2016, a indiana Reshma Qureshi (foto ao lado, à dir.), de 19 anos, ganhou destaque na imprensa ao desfilar na Semana de Moda de Nova York. Na passarela, a jovem exibiu um vestido da grife indiana Archana Kochhar e cicatrizes em seu rosto. Em 2014, ela foi vítima de um ataque com ácido que a levou a perder o olho esquerdo. “Essa passarela é importante para mim porque existem muitas meninas como eu, sobreviventes de um ataque com ácido. Isso lhes dará coragem”, disse à agência Associated Press. Após se recuperar de uma depressão, Reshma passou a lutar contra a venda de ácido nos mercados indianos. Hoje, ela participa de uma ONG e ajuda a combater a violência contra mulheres.

Referência na moda

A modelo canadense Winnie Harlow (foto ao lado), de 22 anos, teve a infância marcada pelo bullying por causa de sua pele. Aos quatro anos, a jovem foi diagnosticada com vitiligo, doença que provoca perda da pigmentação natural da pele. Winnie lutou contra o preconceito e não abandonou o sonho de trabalhar com moda. “Tem gente que tem a pele negra e tem gente que tem a pele branca. Eu simplesmente tenho as duas”, disse em entrevista.

Hoje, ela desfila para diversas grifes, participa de campanhas publicitárias e estampa reportagens de revistas como Elle e Vogue. Em uma postagem no Instagram, a modelo escreveu: “a vida é dez por cento o que você experimenta e noventa por cento como você responde a isso”.

Vá além

As conquistas de Philippe Croizon, Nick Vujicic, Reshma Qureshi, Winnie Harlow, Daniel Dias e Thiago Helton mostram que eles não deixaram que nada limitasse seus sonhos. Isso não significa, entretanto, que eles sejam heróis. Eles simplesmente reconheceram suas diferenças, sem se colocar no papel de vítima ou fazer disso uma desculpa para desistir. Essas pessoas aprenderam a se adaptar e traçaram metas para suas vidas.

As vitórias narradas nesta reportagem envolveram horas seguidas de dedicação, esforço, coragem e fé para seguir em frente. Elas indicam que os limites de cada pessoa não são definidos apenas por causas externas. Cabe a cada um de nós decidir se uma situação de vida é um obstáculo insuperável ou um desafio que requer novas ações. E aí, qual limite você quer superar? Quando vai começar a agir? O que falta para que seu objetivo deixe de ser apenas um sonho? Abandone seus medos e comece hoje. Você pode fazer mais e melhor com o que já tem.

imagem do author
Colaborador

Por Rebeka Figueiredo e Eduardo Prestes / Fotos: Reuters, Divulgação e Reprodução