Sars-Cov-2: afinal, de onde veio o vírus?

Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) traça quatro possibilidades, mas classifica o tema como inconclusivo. Nesse cenário, os Estados Unidos pedem um esforço maior da inteligência americana para investigar o caso

Há pouco menos de dois anos seria inacreditável dizer que o mundo se tornaria refém de um vírus. Na ficção, o contágio coletivo já tinha sido retratado em filmes e séries, mas o que parecia distante ocorreu em todo o planeta e deixou a população em alerta. O primeiro caso suspeito de Covid-19 foi detectado no final de 2019 e em 18 meses o mundo caminha para 4 milhões de óbitos e 200 milhões de infectados pelo Sars-CoV-2. Mas, afinal, de onde veio o vírus?
Ainda não há uma resposta definitiva para essa pergunta, mas as pesquisas já encontraram pistas que podem levar à verdadeira origem do novo coronavírus. Nesta matéria mostraremos dados de tudo que a ciência já descobriu e como as autoridades mundiais veem o caso.

Relatório da OMS
A versão que vinha sendo aceita pela maior parte do mundo era que o vírus teria se originado em algum alimento contaminado que foi manuseado ou consumido em um mercado de animais silvestres em Wuhan, na China. Contudo as dúvidas que rondam o assunto exigiram pesquisas que trouxeram ainda mais questionamentos.

Em fevereiro de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) organizou um grupo com 34 pesquisadores de várias nacionalidades para investigar as possíveis origens do Sars-CoV-2. Os cientistas passaram cerca de duas semanas na China, para analisar a cidade de Wuhan, onde teriam surgido os primeiros casos em 2019, e locais próximos.

A investigação incluiu a análise de dados oficiais, a revisão de pesquisas de outros países e estudos de amostras de produtos comercializados nos mercados chineses. Entretanto, segundo a OMS, a China dificultou o acesso a dados brutos sobre os primeiros registros de pacientes infectados com o vírus e controlou toda a missão, situações que podem impedir uma definição exata da origem da doença.

No documento mais recente divulgado pela OMS, o diretor-geral da instituição, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou em comunicado: “este é um começo muito importante, mas não é o fim”. Sem uma resposta final para a origem do vírus, todas as possibilidades estariam abertas. “Não acredito que esta avaliação tenha sido extensa o suficiente. Mais dados e estudos são necessários para chegar a conclusões mais robustas”, disse.

Em resumo, o relatório chegou à conclusão de que o vírus foi transmitido de um animal para os humanos, mas não ficou definido como, já que os cientistas não encontraram o animal que seria a ponte entre o morcego e o homem. Outra questão que coloca em dúvida a possibilidade de o vírus ter vindo da natureza é a detecção de casos iniciais de Covid-19 sem ligação com o mercado de Wuhan. Mesmo assim, a OMS traçou algumas possibilidades para a origem do vírus.

As hipóteses
A primeira hipótese sobre a origem do vírus é de transmissão por um intermediário: o novo coronavírus teria se desenvolvido no morcego e contaminado um segundo animal, o que possibilitou a contaminação do ser humano. O segundo animal, no entanto, ainda é desconhecido.

A segunda hipótese é de transmissão direta do morcego. Essa possibilidade tem sido estudada e é considerada como “possível e provável”.
Já a terceira hipótese discute a contaminação por alimentos: o ser humano teria recebido o vírus no organismo ao consumir um alimento infectado.

Por fim, a quarta hipótese é a do vazamento de um laboratório: a teoria tem sido avaliada, como veremos a seguir, apesar de a OMS classificar a questão como “extremamente improvável”.

Teoria da conspiração?
Diante do relatório apresentado pela OMS, 18 cientistas renomados de diversos países assinaram uma carta publicada na revista Science em que afirmam que não existem provas suficientes para determinar se o Sars-CoV-2 teria se originado de um animal ou vazado de um laboratório e pedem que novos estudos independentes sejam realizados.

Os cientistas ressaltaram que toda a pesquisa desenvolvida pela OMS foi feita sob supervisão chinesa e que especialistas do próprio país ficaram encarregados de organizar os dados e as amostras que foram estudadas pelos cientistas da OMS. Essa situação alimenta a suspeita de que o país teria algo a esconder.

A carta gerou grande repercussão, pois, apesar de se manter imparcial, o documento levantou a possibilidade de o vírus ter vazado de um laboratório, questão que até então era considerada absurda e uma verdadeira “teoria da conspiração”.

A carta oficial dos cientistas foi publicada em 14 de junho, mas os burburinhos a respeito do assunto já vinham ganhando espaço pelo mundo, tanto que em 26 de maio o presidente norte-americano Joe Biden afirmou que as agências de inteligência dos Estados Unidos iriam colocar ainda mais intensidade na investigação sobre a origem do vírus.

A mudança repentina ocorreu depois da publicação de trechos de documentos da inteligência norte-americana no The Wall Street Journal que afirmavam que pelo menos três profissionais do Instituto de Virologia de Wuhan foram infectados por uma doença em novembro de 2019 e precisaram ser hospitalizados. Ainda não se sabe qual doença levou às internações. Outro fato que pode reforçar a hipótese de que o vírus tenha escapado de um laboratório foi a divulgação na internet de imagens que mostram morcegos vivos supostamente no interior do instituto. O vídeo foi encontrado em um site chinês por um grupo chamado Drastic, formado por pessoas comuns que investigam as origens do vírus, segundo a revista norte-americana Newsweek.

O Instituto de Virologia de Wuhan é um laboratório que atua com pesquisas de risco, estuda vírus que poderiam se tornar pandêmicos e também faz modificações em suas funções para estudá-los de forma mais ampla.

A China nega a possibilidade de o Sars-CoV-2 ter vazado de um de seus laboratórios e afirma que os Estados Unidos e outras nações tentam tirar a atenção quanto às suas dificuldades para conter a doença. O presidente Joe Biden deu 90 dias para que a equipe de inteligência norte-americana investigue o tema.

União Europeia e G7
A possível interferência indireta da China na condução da pesquisa realizada pela OMS também chamou a atenção de líderes da União Europeia, que pediram mais transparência a respeito da origem da pandemia. “Apoiamos todos os esforços para alcançar a transparência e conhecer a verdade”, afirmou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.

Já a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, destacou a importância das pesquisas para o futuro: “é extremamente importante que saibamos a origem da Covid-19 para garantir que isso não volte a acontecer”.

As declarações foram dadas em uma coletiva de imprensa antes do encontro do G7, grupo formado pelos líderes das sete maiores economias do mundo. Os questionamentos a respeito da doença também pautaram as discussões da cúpula que, em um comunicado final, solicitou “um estudo oportuno, transparente, conduzido por especialistas e com base científica de fase 2 pela OMS sobre as origens da Covid-19, incluindo, como recomenda o relatório dos especialistas, a China”.

Em resposta, a embaixada chinesa afirmou que o estudo sobre as origens da pandemia não deve ser politizado e que os especialistas têm conduzido a pesquisa de maneira independente.

E agora?
Descobrir a origem do vírus não é uma questão de acusar ou não um país, mas é de extrema importância para evitar casos semelhantes. A pandemia estabeleceu um antes e um depois na vida de milhões de pessoas que perderam familiares e amigos e viram sua saúde mental, seu trabalho, seus estudos e sua rotina serem afetados. Com tudo isso, o mínimo que o mundo espera é uma resposta para a origem desse caos.

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Colaborador

Cinthia Cardoso / Foto: Getty Images