Quais os limites para a negligência dos pais?
Saiba o que é parentalidade responsável e saiba por que se deve evitar pegadinhas e mentir para os filhos
Nas redes sociais, os conteúdos que se espalham rapidamente são chamados de trends (tendências, em português). Desafios, coreografias, dublagens e vídeos feitos para “viralizar” apelam para todo tipo de recurso, em um vale-tudo por visualizações que muitas vezes envolve crianças e adolescentes.
Uma trend recente que se espalhou na rede TikTok chama a atenção por envolver pais e filhos: trata-se de um vídeo de um adulto que está supostamente preparando uma receita com a ajuda de uma criança. Tudo parece correr bem até que, inesperadamente, o adulto quebra um ovo na cabeça ou na testa da criança.
As reações são variadas: os pais e responsáveis caem na gargalhada pelo susto das crianças, enquanto os pequenos demonstram desconforto ao tocarem a testa, alguns empurram os pais, outros choram e há aqueles que dão uma risada sem graça. Até 31 de outubro, a hashtag #eggcrackchallenge (desafio de quebrar o ovo, em português) acumulava 92,5 milhões de visualizações no TikTok. A maioria das crianças nos vídeos está em idade escolar.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, assegura proteção contra esse tipo de exposição. O artigo 18 dispõe que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Ao que parece, muitos genitores ignoram a lei que protege as crianças.
Responsabilidade
A criação dos filhos é uma responsabilidade que envolve mais do que prover abrigo, alimento e educação. Ela requer a construção de um relacionamento de segurança, respeito e empatia. Infelizmente, algumas práticas que parecem inofensivas, como pegadinhas, podem ter consequências graves no desenvolvimento psicológico e social das crianças.
Um dos efeitos mais evidentes de expor crianças a pegadinhas e mentiras é a quebra de confiança entre pais e filhos, explica Danilo Suassuna, doutor em psicologia e CEO-Founder do Instituto Suassuna. “Quando uma criança percebe que foi enganada por seus próprios pais, a base de confiança que deveria ser sólida começa a erodir. Isso pode resultar em um relacionamento tenso e de desconfiança no futuro, em que a criança se torna relutante em compartilhar seus sentimentos e pensamentos com os pais”, afirma.

Ansiedade, culpa e medo
A exposição contínua a esse tipo de brincadeiras também pode levar as crianças a desenvolverem ansiedade em suas interações diárias. Segundo Suassuna, elas podem ficar constantemente preocupadas com o que os adultos ao seu redor estão escondendo ou manipulando.
Dessa forma, essa ansiedade pode afetar negativamente seu bem-estar emocional e desenvolvimento social e tornar mais difícil estabelecer relacionamentos saudáveis e duradouros.
Suassuna acrescenta que, por serem alvo dessas armadilhas, “as crianças podem sentir uma profunda culpa por não terem percebido ou entendido a situação”. Além disso, elas podem desenvolver um medo de serem expostas ou ridicularizadas publicamente, o que pode prejudicar sua autoestima e autoconfiança. “Esse medo pode durar até a vida adulta e afetar suas decisões e relacionamentos futuros”, diz.
O mau exemplo de pais e responsáveis também leva os pequenos a acreditar que enganar os outros, mesmo que seja de forma aparentemente inocente, é aceitável. “Isso pode ter ramificações significativas na forma como elas interagem com os colegas e, eventualmente, com seus próprios filhos no futuro”, esclarece Suassuna.
Busca de aprovação
Quando os pais expõem seus filhos em redes sociais para ganhar curtidas e visibilidade, a criança também pode aprender a priorizar a busca por aprovação on-line em detrimento de seus desejos pessoais e valores. “Isso pode resultar em uma desconexão entre o que a criança realmente deseja e o que ela faz para se encaixar nas expectativas da sociedade virtual.”
Suassuna afirma que é fundamental que os pais estejam cientes dos impactos de suas palavras e ações sobre seus filhos. “Em vez de ridicularizar ou zombar, eles devem oferecer apoio, empatia e orientação. Isso ajuda a construir uma relação de confiança sólida e a fortalecer o desenvolvimento emocional saudável das crianças, permitindo que cresçam com autoestima, autoconfiança e habilidades sociais positivas”, salienta.
Mas como orientar crianças e adolescentes para o uso positivo do que existe no mundo virtual? Os desafios virais na internet podem ser uma fonte de diversão para muitos jovens, mas é importante que os pais estejam cientes dos limites dessas brincadeiras e ajudem seus filhos a entenderem o que é saudável ou não.
“Os pais devem manter uma comunicação aberta com seus filhos, perguntando a eles como se sentem em relação aos desafios virais e encorajando-os a compartilhar suas opiniões e preocupações. É essencial que os jovens aprendam a avaliar os riscos associados a diferentes desafios. Os pais podem ajudar a discutir as possíveis consequências físicas e emocionais de participar de determinadas brincadeiras, capacitando-os a tomar decisões baseadas em boas informações”, sugere.
Além disso, Suassuna ressalta que os pais precisam ensinar os filhos a respeitarem os próprios limites e os dos outros. Nesse sentido, os desafios não devem envolver atividades que possam causar dano físico ou angústia emocional. “Os jovens devem entender que não precisam seguir todas as tendências on-line para se sentirem valorizados ou aceitos”, ressalta.
Por fim, Suassuna diz que os pais desempenham um papel significativo como modelos de comportamento e podem demonstrar como fazer escolhas on-line e off-line saudáveis e autênticas e servir de exemplo para seus filhos. “Evitar pegadinhas e mentiras com os pequenos é fundamental para proteger a confiança, a autoestima e o desenvolvimento saudável das crianças. Os pais têm a responsabilidade de modelar um comportamento honesto e respeitoso, para que seus filhos possam crescer com valores sólidos e relacionamentos saudáveis”, finaliza.
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