O Brasil falha no dever de casa?
Apesar dos avanços nas últimas décadas, o analfabetismo continua a ser um problema no País. Ao todo, são mais de 11 milhões de não alfabetizados
Dados do Censo Demográfico de 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que, dos 163 milhões de pessoas com 15 anos ou mais, 11,4 milhões não sabem ler nem escrever um bilhete simples. Ou seja, essa parcela de brasileiros não é alfabetizada e ela equivale à população da cidade de São Paulo ou até de um país inteiro, como a Bélgica. Apesar de a taxa nacional de analfabetismo ter caído de 9,6%, em 2010, para 7%, em 2022, ele continua sendo um sério problema estrutural, uma vez que cerceia a dignidade daqueles que não sabem ler e escrever. Os piores índices foram registrados na Região Nordeste (14,2%), com o dobro da média nacional. Na Região Sul, porém, 96,6% da população é alfabetizada.
O analfabetismo atinge a população brasileira de forma desigual: a porcentagem entre as pessoas acima de 65 anos é de 20,3%, enquanto o grupo de 15 a 19 anos tem a menor taxa, de 1,5%. Na edição 2014-2024, uma das metas traçadas pelo Plano Nacional de Educação incluía, até o final da sua vigência, erradicar “o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional”, mas esse objetivo não foi cumprido.
DESAFIOS
O acesso ao conhecimento e à educação gera a oportunidade de inserção no mercado de trabalho, assegura a participação ativa na sociedade e viabiliza o exercício dos direitos civis. A professora e psicopedagoga Erica Silva, de São Paulo, aponta os impactos econômicos e sociais do analfabetismo: “Pessoas com baixo nível de escolaridade e habilidades de leitura restrita têm menos oportunidades e, além disso, o analfabetismo contribui para reforçar a vulnerabilidade de grupos já excluídos por outros fatores”, diz. Ela lembra que quem sabe ler, mas não entende o que lê, também enfrenta problemas: “Quanto ao analfabetismo funcional, indivíduos que não conseguem interpretar textos ou realizar cálculos básicos têm dificuldades em conquistar empregos que exigem essas habilidades”.
Erica acredita que os números expressivos se devem ao acesso limitado à educação, à educação de baixa qualidade e a outras condições socioeconômicas inadequadas, além de “evasão escolar e desinteresse pela leitura e escrita”. Ela enumera o que é necessário para reverter esse quadro: “O investimento na qualidade do ensino, a ampliação do acesso à educação, o fortalecimento da formação docente, o engajamento da família e da comunidade e o acesso a recursos e materiais didáticos”.
NOVA CHANCE
Uma iniciativa que atua pela erradicação do analfabetismo é o Projeto Ler e Escrever, que transforma vidas por meio da oferta de aulas gratuitas para adultos sem escolaridade, além de oferecer cursos profissionalizantes e a inserção dos alunos no mercado de trabalho. “Procuramos levar às pessoas não só a alfabetização básica, mas dignidade para exercer seus direitos como cidadãs”, diz Luiz Antônio Dobroca, coordenador da parte pedagógica do Projeto no Brasil e em outros cinco países. Ele destaca que mais de 100 mil alunos foram alfabetizados ao longo de mais de 30 anos. “Hoje estamos com mais de 7 mil alunos em classes de aula administradas por mais de 1,1 mil educadores voluntários. São mais de 1,1 mil unidades de ensino localizadas em todos os Estados brasileiros e no Distrito Federal. Nossos alunos têmde 25 anos a 80 anos.”
O Projeto está inserido como programa social do Grupo Calebe Universal, que acolhe a melhor idade. “Os maiores índices de pessoas que não são alfabetizadas estão na terceira idade. Como cuidamos dessa faixa etária e damos valor ao lado espiritual e social, estendemos a mão quando boa parte da sociedade fecha os olhos”, diz o Bispo Valter Pereira, que está à frente do grupo. Ele evidencia que os projetos se somam. “São ações completamente ligadas, pois a mensagem do Grupo Calebe é força, é estar ativo e ultrapassar barreiras. Já parou para imaginar o que é para uma pessoa, que até então não sabia ler, começar a escrever com as próprias mãos a lista de compras ou ler o endereço de um lugar sem depender de outros? Temos casos de pessoas que continuaram os estudos e completaram o ensino médio e de outras que até fizeram faculdade.”
Foi graças a uma voluntária do Calebe que a aposentada Maria Barbosa de Souza recebeu um convite para conhecer o Projeto. “Na hora não li, botei na bolsa, mas, quando vi, fiquei bem animada”, afirma. Segundo Maria, seu problema era não saber fazer contas de matemática. “Eu queria trabalhar em uma cozinha industrial”, diz. Para realizar esse sonho, ela voltou a estudar. “Na prova, acertei todas as contas”, comemora Maria, que conseguiu a vaga de trabalho e agora estuda computação. “Aos 70 anos, gostei de voltar para a escola”, finaliza.
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