Medo, violência, drogas e impunidade: a realidade dos professores brasileiros

Sistema Educacional está doente. Como curá-lo?

Imagem de capa - Medo, violência, drogas e impunidade: a realidade dos professores brasileiros

Mais de oito mil profissionais da educação foram vítimas de tentativas de homicídios por alunos. Mais de 36 mil foram ameaçados. Ademais, quase 11 mil casos de alunos com armas brancas foram relatados. Mais de 1.600 alunos levaram armas de fogo para dentro da instituição de ensino.

Esses são alguns números do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, organizado pelo FBSP. O documento ainda registra que mais de 11 mil alunos foram às aulas sob efeito de bebidas alcoólicas. Pior: 15.670 foram para a escola sob efeito de drogas ilícitas.

Além disso, 48,9% dos diretores relataram agressões físicas ou verbais de alunos a professores ou funcionários da escola. E 69,9% relataram agressões de alunos a outros alunos.

Tanta violência dentro das escolas tem um resultado claro: os professores estão adoecendo.

Vivendo no inferno

Uma pesquisa realizada pela Associação Nova Escola mostrou que 66% dos docentes já precisaram se afastar do trabalho por questões de saúde. Isto sendo que 87% deles acreditam que o problema foi ocasionado ou agravado pela profissão.

Confira no gráfico abaixo os principais problemas apresentados:

professores

A professora Luísa Pinheiro, que trabalha em escolas públicas do estado de São Paulo, relata que “os professores estão vivendo em um inferno. As condições de trabalho dos professores fazem com que nós estejamos adoecendo cada vez mais. Saindo cada vez mais de licença, sendo afastados. É um caos”.

Já diretora Bárbara Molina, que também atua no Ensino Público paulista, explica que o “professor não está bem tanto por problemas pessoais quanto por ser tão afetado pela indisciplina na sala de aula. Pela desorganização que o aluno traz, por essa vulnerabilidade. Tudo cai nas costas do professor ou do profissional da educação”.

O medo que adoece

O Portal Universal.org teve acesso a um grupo de WhatsApp formado por professores. Logo após o ataque armado de um aluno a um professor, mensagens como estas foram enviadas:

professores

A professora que foi derrubada pelo aluno tem 60 anos de idade. Nessa mesma escola outra professora, gestante, foi ameaçada por um aluno. Ele disse que mataria o bebê ou “faria macumba para ele morrer”.

Como pode ser lido, apesar de toda essa violência, os alunos não são responsabilizados por seus atos. Isso porque a legislação brasileira não permite que alunos percam aulas. Ou seja: suspensões ou expulsões estão fora de cogitação, independentemente da gravidade do ato cometido.

professores

Os educadores precisariam, portanto, aplicar “responsabilizações educativas”, como trabalhos complementares. Mas, sabendo que, na prática, não são obrigados a cumprirem as tarefas, os alunos não fazem os trabalhos.

“O maior problema que nós temos no sistema, creio eu, é que o aluno não pode ser responsabilizado. É falta de apoio da gestão. É falta de sanções. É falta de limites”, explica Luísa. “Como se toma medidas educativas em uma escola em que ninguém te respeita? Quais projetos você pode fazer para levar esse aluno a ter consciência se você não é respeitada, se você não é escutada?”.

professores

A professora conta que já presenciou agressões, xingamentos e até aluno expulsando a diretora da sala de aula: “Eu vejo alunos explodindo, chutando porta, quebrando vidro… Como sabemos, escola é uma microssociedade. Estamos ali com pessoas diferentes, com costumes diferentes. A gente tem que saber que existem regras e, se essas regras são quebradas, a gente sofre consequências. E na escola a gente não pode fazer isso. Estamos preparando o aluno para perceber que ele pode fazer o que quiser. Eu acho que estou em um campo de guerra naquela escola”.

Ninguém está saudável

Evidentemente, alunos que se comportam desta maneira não estão bem emocionalmente. Infelizmente, eles encontram profissionais que também estão enfrentando dificuldades emocionais, justamente devido à profissão. Mesmo assim, os professores acabam se tornando responsáveis não apenas pelas matérias escolares, como também pela saúde psicológica dos alunos.

“Então, esse aluno vem para a escola adoecido. É um aluno que sofreu abuso em casa, seja verbal, seja físico. É um aluno que sai de uma dinâmica desorganizada de família e vem para a escola a ponto de explodir”, explica Bárbara. “E a maioria dos jovens que estão na escola não tem objetivo. Você pergunta o que eles querem da vida e a maioria não sabe responder”.

De acordo com a educadora, isso acontece porque eles vivem em uma realidade deturpada:

“É uma situação de vulnerabilidade, de grande miséria. Miséria tanto financeira quanto de valores. E aí fica nas costas da escola e do professor trabalhar a saúde emocional do aluno. Então o professor é cobrado dos conteúdos que ele tem que passar e dar conta e não consegue, cobrado pela saúde emocional e é cobrado pela família. Porque a família vem e joga a culpa toda no professor, na escola.”

professores

A chave da solução

Uma queixa recorrente entre os profissionais da educação é a falta de apoio das famílias dos alunos. Como foi dito acima, muitas famílias se eximem de responsabilidade na educação dos filhos, cobrando os professores por todos os aspectos da mesma.

“Como muitos outros profissionais, trabalho em uma comunidade que traz, no interior da família, grande violência doméstica. Jovens em estado de dependência química, depressão, automutilação. Uma dinâmica desorganizada de família”, explica Bárbara. “Uma família que não é parceira da escola. Trabalhamos tentando trazer essa família para a escola”.

Para Bárbara, esse é ponto fundamental na busca pela melhoria no ensino: a melhoria na estrutura familiar:

“Se esse aluno tivesse uma dinâmica familiar organizada, se ele viesse com valores, com certeza o desempenho escolar dele seria bem melhor. Porque ele viria até com a autoestima mais elevada. Porque a autoestima dele é muito baixa. Os alunos não têm perspectiva, acreditam que não servem para nada. Muitos se consideram até um lixo. Já ouvi eles falarem que a vida não vale nada. Com certeza é fator determinante ter uma família bem estruturada.”

Luísa Pinheiro concorda, ressaltando que os pais precisam ser mais conscientes:

“Nós percebemos a diferença nos alunos que têm mais apoio dos pais, que os pais estão mais presentes na vida educativa deles, que os pais estão cobrando, que os pais estão presentes ali em lição de casa, querendo ver o que aconteceu. Percebemos que, nestes casos, os alunos aprendem mais. Eles são mais presentes. Eles são mais empenhados, dedicados”.

E este é um problema existente desde a Educação Infantil. A professora Rosineide Rodrigues explica que “a maior dificuldade é a falta da presença dos pais. Porque não adianta só a escola fazer. Os pais têm que colaborar. E eles têm que participar também para que o trabalho seja bem desenvolvido e ter um retorno com o aprendizado da criança, com desenvolvimento”.

professores

As matérias ficam em segundo plano

Além de todas essas dificuldades, os profissionais da educação ainda lidam com a falta de estrutura nas escolas. Rosineide relata que as salas são superlotadas. Luísa explica que há limites até para xerox de atividades. Ademais, faltam, em muitas escolas, material didático, manutenção de estruturas, alimentação adequada, entre outros problemas.

E diante desse quadro, o ensino das matérias perde espaço.

“A gente não consegue trabalhar. A gente não consegue ter uma medida educativa porque a gente não é respeitado”, explica Luísa. “Não conseguimos levar os alunos a prestarem atenção minimamente no que estamos dizendo. Mais tempo se passa tentando fazer o aluno, pelo menos, parar de atrapalhar os seus colegas do que tentando ensinar. Porque a gente é ignorada. A gente não recebe mais respeito nem dos pais e nem dos alunos”.

Como descreve Bárbara, “a aprendizagem vira um pano de fundo. O aluno aprender, se apropriar dos conteúdos, sair daqui formado como cidadão integralmente acaba sendo o pano de fundo, não a prioridade. A prioridade acaba sendo sobreviver a cada dia. É como se você pensasse assim: hoje foi mais um dia. Está todo mundo vivo, todo mundo teve a integridade física preservada então está ótimo”.

Como começar a melhora?

Vários pontos são citados pelos professores como fundamentais para a melhora dessa situação. E a maioria cabe à própria sociedade:

– As famílias precisam estar conscientes da importância de oferecem estrutura familiar digna aos filhos;

– As famílias precisam estar dentro da escola, participando e acompanhando os alunos;

– Gestores das escolas e de recursos públicos e a sociedade precisam se unir e olhar para a saúde do professor.

Isto, aliás, é o que a Universal tem feito, de acordo com Bárbara.

“A forma de a sociedade ajudar é da mesma forma que a Universal está fazendo, apoiando projetos como o projeto EducaAção. São projetos sociais que trazem para a escola, tanto para alunos quanto para o profissional da educação, um referencial positivo, de trabalhar a saúde mental e emocional. No caso do jovem, trazer um referencial de família, que, às vezes, ele não tem. Um referencial do que é certo, de valores. E, no caso do profissional, trabalhar a saúde mental”.

A diretora explica que é necessário o profissional ter a oportunidade se equilibrar, conseguir estar saudável, para ajudar o jovem. Entendendo essa necessidade, a Universal realizará, no próximo dia 13 de outubro, a Consagração e Valorização dos Professores e Profissionais da Educação. Clique aqui e saiba mais.