Isolamento de copo cheio

Se a pandemia da Covid-19 fechou portas, por outro lado, parece ter escancarado as da casa de muitos brasileiros para o aumento do consumo de bebidas alcoólicas. Seria uma espécie de fuga e de insegurança em meio ao “novo normal”? Com ou sem pandemia, muitos já se viram nessa situação , mas encontraram socorro. Entenda

Imagem de capa - Isolamento de copo cheio

Em tempos de reclusão social para contenção do novo coronavírus, estar em casa se tornou uma necessidade e um refúgio. Por causa do fechamento de serviços e empresas não essenciais, o consumo de bebidas alcoólicas em bares, restaurantes e casas de shows diminuiu ao longo do tempo, contudo não desapareceu: apenas migrou para dentro de casa. Isso é o que apontam as pesquisas, como a da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), realizada em 33 países. De acordo com ela, no Brasil, 42% dos entrevistados relataram alto consumo de álcool durante a pandemia.

Outro estudo também confirmou esse aumento. Dados do Instituto Paraná Pesquisa indicaram que um em cada quatro brasileiros afirma que intensificou o consumo de bebidas alcoólicas. O maior percentual está na faixa etária de 16 a 24 anos (24,5%), seguido dos que têm de 25 a 34 anos (22,4%).

Outra pesquisa, desta vez da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), reforça as estatísticas. Segundo o levantamento, houve crescimento de 38% nas vendas de bebidas alcoólicas no País desde o início do isolamento social: só nos mercados o aumento foi de 27%.

Afinal, o consumo de álcool reflete uma tentativa de aliviar o estresse ou simplesmente de afogar na bebida o tédio, as angústias e as incertezas da pandemia? Será que o incentivo ao “fique em casa” também estaria devastando a saúde de muita gente no conforto do próprio lar?

CONSEQUÊNCIAS
Enquanto as respostas são formuladas, o que se sabe é que o consumo de álcool pode trazer riscos agudos e crônicos à saúde, além de estar associado à supressão do sistema imunológico tornando-o vulnerável e suscetível a doenças como a própria Covid-19. De acordo com a Opas, o uso nocivo de álcool é um fator causal para mais de 200 doenças e lesões e o consumo precoce estaria relacionado à incapacidade e à morte. Em todo o mundo, ocorrem cerca de 3 milhões de óbitos por ano por causa do uso nocivo do álcool.

Os desdobramentos da dependência também são um problema, como desarranjos familiares, perdas financeiras e agressões. Além disso, a dependência da bebida também abre portas para outros vícios, como as drogas ilícitas.

ANÁLISE
Para o Pastor Adriano Moraes, coordenador do Tratamento para a Cura dos Vícios realizado na Catedral de Belo Horizonte, em Minas Gerais, a dependência de álcool, muitas vezes, surge sem que se perceba. “O vício começa em um final de semana ou com a atitude de beber socialmente. No entanto algumas pessoas se tornam agressivas quando não têm a bebida por perto, se isolam da família e bebem escondido”, avalia.

O Pastor Aldo Guimarães, que realiza o maior Tratamento para a Cura dos Vícios em São Paulo, na Catedral da João Dias, zona sul da cidade, acrescenta que toda substância química leva a uma satisfação provisória. “Muitos, ao enfrentar um problema ou mesmo por curiosidade, provam daquela sensação e, à medida que se faz o uso da substância, se desenvolve na cabeça do dependente que ela é apenas uma fonte de satisfação e não uma dependência. Com isso, o consumo vai se tornando cada vez mais frequente até se tornar uma adicção, um vício”, diz.

Ele salienta que no caso de dependência, mesmo em situações cotidianas, como trabalhar e dormir, o desejo de consumo da substância está presente e que, para se livrar dele, é preciso colocar em prática a Fé que é ensinada durante o Tratamento para a Cura dos Vícios.
Guimarães fala com propriedade do assunto. Ele um dia também precisou do Tratamento. “Conheci os vícios na escola. Eu estava com 13, 14 anos. Comecei com cigarro, álcool e depois fui para o baseado, o clorofórmio (lança-perfume), a cola e a cocaína. Me apaixonei pela cocaína”, declara. Ele acrescenta que “tudo o que dava ‘brisa’ eu estava dentro. Como os vícios progrediram, cheguei a roubar coisas de casa, a fazer assaltos e roubo de cargas”.

A família dele, que já participava dos encontros na Universal, o convidou para uma reunião. Na época, ele tinha 19 anos. “Antes, se eu não fizesse uso de alguma substância, não tinha um momento de paz. Porém, naquele mesmo dia que fui à reunião, recebi uma tranquilidade que nunca havia tido na vida”, recorda. Ele destaca que a Fé é essencial: “especialistas afirmam que os vícios são uma doença crônica e, consequentemente, progressiva e fatal, mas para a Fé não é”.

“CASAL OPALA”
O garçom Antônio Wilson dos Santos Oliveira, (foto abaixo) de 28 anos, e a hostess Maria das Graças dos Santos Ferreira, conhecida como Gracie, de 33 anos, eram chamados de “casal Opala”. “Quando chegávamos nas festas, o pessoal comentava que a bebida acabaria porque o casal Opala, motor V8, tinha acabado de entrar”, recorda Gracie.

isolamento DE COPO CHEIOEla lembra que o consumo de bebidas era constante. “Eu bebia mais do que ele e não tinha controle. Inclusive, eu ficava com raiva do dono do bar: eu queria ficar até o dia amanhecer. Aí o dia amanhecia e, mesmo assim, eu não saía de lá contente.” Ela conta que tudo acontecia na companhia de Antônio. “Éramos expulsos do bar e levávamos bebida para casa ou bebíamos na porta mesmo.”
Gracie relata que deixava de comprar algo para casa e até para os filhos Iago, hoje com 17 anos, e Brenda, de 13 anos, para sustentar o vício. “Eu era dependente, mas não tinha consciência da dependência e achava que tudo estava sob controle. Para mim, eu bebia socialmente, mas não era o que acontecia. Eu sempre ficava ‘chapada’. Vivemos muitos anos assim.”

Ela conta que a pandemia intensificou o problema dela e do marido. “Com o início da pandemia, sem poder trabalhar, aí que a gente bebia mesmo. Comprávamos e bebíamos em casa e, então, passamos a beber mais e mais. Em casa, não tínhamos limite nem hora para parar: bebíamos, caíamos e dormíamos ali mesmo.”

A experiência de Gracie com bebidas vem de muitos anos. “Conheci o álcool quando tinha 7 anos. Minha mãe fez um aniversário em casa e eu peguei umas latinhas para beber escondido. Gostei. Só que, com medo da minha mãe, não dei continuidade, mas fiquei com aquela vontade dentro de mim. Aos 14 anos, comecei a beber de fato e, a partir dos 22 anos, passei a beber todos os dias. Eu não conseguia fazer nenhuma atividade doméstica ou ir a um almoço de família se não tivesse algo para beber. Eu era movida a álcool.”

INÍCIO, MEIO E FIM
Em 2020, eles se separaram e, quando decidiram se reconciliar, buscaram ajuda no Tratamento para a Cura dos Vícios. Antônio, naquela altura, tinha sido demitido justamente por conta do consumo de álcool. Gracie conta como a mudança dela aconteceu: “decidi me batizar nas águas e, um mês depois, recebi o Espírito Santo. A princípio resisti, mas depois me entreguei totalmente. Minha vida foi transformada e a saúde restaurada. Eu era nervosa, desmaiava e vivia com as pernas e os pés inchados de tanta bebida”.

Antônio também se libertou dos vícios e foi reintegrado à equipe com a qual trabalhava. Gracie comemora as mudanças: “se não fosse pelo Tratamento, provavelmente, não estaríamos aqui. Fomos acolhidos por pessoas que falavam a nossa língua, que nos entendiam, pois passaram exatamente pelo que passamos. É bom conversar com alguém que conhece seu problema, que não precisa decifrar algo porque já viveu o mesmo”, conclui.

“Eu buscava cocaína para que ele não saísse de casa”
A vendedora Aline de Luciana Santos da Silva, (foto abaixo) de 24 anos, frequenta a Universal há quatro anos. A vida dela foi marcada pelo alcoolismo desde os 17 anos, depois do término de um relacionamento. “Entrei em depressão e, para tentar fugir da realidade, ia a festas, baladas e bailes funk de sexta a domingo. No resto da semana eu ficava em casa chorando”, recorda.

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Em uma festa, Aline conheceu o marido, o autônomo Paulo Henrique Almeida da Silva, de 29 anos. “Naquela ocasião, ele já estava bêbado e eu nem desconfiava de que ele tinha outros vícios, como cigarro, maconha, cocaína e lança-perfume.” Ela diz que, por causa da dependência química dele, ele a abandonava: “ele sumia no meio do mundo e, quando aparecia, restavam brigas e confusão.”

Paulo já conhecia o trabalho da Universal e o Tratamento para a Cura dos Vícios. No entanto ele estava afastado da Presença de Deus e o vazio de antes voltou a ser maior. Ele conta que gastava o salário que recebia em um único dia com bebidas e drogas. “Os vícios me tiraram quatro carros, três motos, dignidade, respeito, emprego e família. Eu não tinha paz nem alegria ou expectativa de vida. Meu guarda-roupa estava cheio de ‘pino’. Esperava que a Aline dormisse para fugir e só voltava drogado quando o dia clareava.”

Ele admite que não se controlava. “O vício passou a me dominar. Tinha noites que ‘baforava’ meio litro de lança-perfume, tirava dez ‘pinos’ de cocaína, bebia cinco garrafas de vodca. Eu queria deitar a cabeça no travesseiro e poder descansar, mas usava drogas e bebia até passar mal. Eu via que aquilo não era normal e que a qualquer momento eu poderia ter um ataque cardíaco.”

O casal continuou comprometendo a situação financeira por conta dos vícios. Aline relata por que isso aconteceu: “trabalhávamos a semana toda e, no final de semana, o dinheiro da semana inteira, das compras, das contas e das dívidas era usado para suprir os vícios. Cheguei a buscar cocaína para que ele não saísse de casa. Eu sabia que, se ele fosse, não voltaria logo”, detalha.

Paulo, então, decidiu buscar ajuda no Tratamento para a Cura dos Vícios. “Determinei que nunca mais seria escravo de um ‘pino’. Deixei de investir nos vícios para investir totalmente na minha Fé e na minha cura. Eu quis, mais do que nunca, o Espírito Santo. Para mim, a Fé é algo sublime, glorioso, algo que vem de Deus. Ela é a certeza daquilo que a gente não vê e não espera e, por meio dela, a gente descobre um poder antes desconhecido, sobrenatural.”

Ele reconhece o poder da Fé: “a Fé me mostrou que posso todas as coisas, me fez conhecer a Deus e trouxe o Espírito Santo. Hoje, tenho certeza da minha Salvação, paz, alegria, força e coragem. Deito a cabeça no travesseiro e consigo dormir”, descreve.

Aline, por sua vez, recorreu ao Tratamento para a Cura dos Vícios para lutar pelo marido e acabou também livre do problema. “Comecei a ir por ele, pois achava que o vício estava nele, que era só ele quem precisava daquilo, até perceber que eu também precisava. Hoje, nossa vida está totalmente mudada. Deus nos deu a oportunidade de abrirmos nossa empresa de novo, temos paz no casamento e, o mais importante, o Espírito Santo”, encerra.

“EU ERA CONSIDERADO UM ‘PIOLHO DE CLÍNICAS’”
O eletropolidor Almir de Jesus, (foto abaioxo) de 39 anos, conta que sua vida pertencia às drogas. “Na adolescência, experimentei cigarro e comecei a beber escondido em festas de família. Trabalhando de dia e estudando à noite, me envolvi com outras coisas. Meu primeiro baseado foi oferecido pelo meu patrão”, recorda. Aos 14 anos, ele passou a usar lança-perfume, cocaína, skank, haxixe, crack e a consumir bebidas alcoólicas. “No início, era tudo prazeroso e me trazia uma satisfação. Eu só não sabia que daquele prazer viria o sofrimento. Tive uma overdose aos 17 anos”, diz.

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Ao todo, foram 20 anos nas drogas. “Dez anos consegui me manter assim e os outros dez foram um verdadeiro pesadelo. Casei, me separei e fui morar com a minha família, que não me aguentava. Comecei a ir para a rua, a fazer furtos, a roubar e parei na Cracolândia. Busquei auxílio em clínicas e ficava saindo e voltando de lá com o intuito de continuar consumindo drogas. Nem considero que tive recaídas, pois nunca conseguia parar. Eu era considerado um ‘piolho de clínicas’, pois tinha passado por várias. Fui perdendo a vontade de viver e tentei me suicidar três vezes.”

Nessas idas e vindas, uma moça afirmou para a irmã de Almir que existia cura para os vícios dele, o que confrontou seus pensamentos. “Aprendi nas instituições e nos 12 passos dos narcóticos anônimos que eu tinha uma doença progressiva e fatal e que deveria evitar lugares, hábitos e pessoas e anestesiar aquela ferida, aquela doença, pois não teria uma vida normal”, relembra. Contudo ele decidiu dar uma chance para si mesmo. Ele foi ao Tratamento para a Cura dos Vícios e, na terceira semana, saiu de lá curado. Hoje ele comemora a sua transformação de vida.

TRANSFORMAÇÃO
O Pastor Murilo Dorini, que realiza o Tratamento para a Cura dos Vícios no bairro do Brás, zona leste de São Paulo, recorda que, para ele, todo dia era considerado seu último dia nos vícios. “Eu dizia a mim mesmo que iria parar com as drogas, mas, no dia seguinte, estava usando novamente”, recorda. Ele usava maconha, crack e bebidas alcoólicas.

Da mesma forma como os exemplos anteriores, ele pediu socorro Divino e chegou ao Tratamento para a Cura dos Vícios. “Para os especialistas, o vício é uma doença que tem tratamento, mas não tem cura, ou seja, a palavra recebida é negativa e trata a doença como incurável, progressiva e cujo final é o caixão – o próprio viciado sabe disso porque viu histórias de outras pessoas. Aí entra a importância da Fé. O Tratamento para a Cura dos Vícios vai na contramão do que é dito e o poder de Deus tem recuperado vidas e reconstruído histórias e famílias”, finaliza.

Se você também tem problemas com vícios, procure o Tratamento para a Cura dos Vícios, realizado aos domingos, às 15h. Confira os locais onde os encontros acontecem em universal.org/localizar). Os familiares de dependentes também podem buscar a cura deles.

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Colaborador

Flavia Francellino / Fotos: Getty images, Cedidas, Arquivo pessoal e Demetrio Koch