Especialista fala em golpe sobre proibição da hidroxicloroquina

Empresa que causou proibição é golpista, de acordo com reportagem do The Guardian

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O jornal inglês The Guardian, um dos mais respeitados do mundo, publicou no dia 3 de junho último uma reportagem especial sobre a proibição dos testes com hidroxicloroquina contra a COVID-19. Após a reportagem, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que voltará aos testes com o remédio.

Por que a reportagem foi feita?

A matéria do The Guardian trouxe a publico uma grande investigação sobre a empresa que afirmou que a hidroxicloroquina era perigosa e como isso ocorreu.

Conforme relata a matéria, a empresa de dados científicos Surgisphere foi quem publicou estudos em duas importantes publicações científicas, a The Lancet e o New England Journal of Medicine.

Nessas publicações, a Surgisphere afirmava ter recolhido os dados de 96 mil enfermos de COVID-19 tratados com hidroxicloroquina (exclusivamente ou não). Esses pacientes estariam espalhados por 671 hospitais do mundo inteiro.

Esses dados foram revelados no momento em que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, divulgava os benefícios da droga no combate à pandemia. Após a publicação, a OMS suspendeu todos os estudos com hidroxicloroquina.

Entretanto, existiam pontos não explicados. Por exemplo: como Surgisphere conseguiu recolher tantos dados tão rapidamente? Todos esses hospitais violaram o anonimato de seus pacientes? Quem é a Surgisphere, até então irrelevante para o mundo científico?

Mais importante: por que alguns dados estavam equivocados?

Um dos números que chamou atenção foi o de 73 mortos na Austrália. Essas pessoas teriam falecido em decorrência do uso da hidroxicloroquina até o dia 21 de abril.

Porém, nesta data, apenas 67 mortes haviam sido registrados pelo país.

O The Guardian procurou a Surgisphere, que não explicou a inconsistência. O jornal também procurou os sete principais hospitais australianos que lutam contra a pandemia. Nenhum deles havia fornecido dado algum para a Surgisphere.

Um dos principais especialistas em estudos com hidroxicloroquina no mundo, o doutor James Todaro, afirmou:

“Surgisphere apareceu do nada para conduzir, talvez, o mais influente estudo mundial durante a pandemia. Isso em questão de semanas. Não faz sentido algum”.

E de onde surgiu a Surgisphere?

A Surgisphere é uma empresa que afirma possuir um dos maiores e mais rápidos bancos de dados hospitalares do mundo. Todavia, seu site, até segunda-feira (1º), redirecionava o internauta para uma página de criptomoedas, famoso meio de espalhar vírus.

A única rede social aberta ao público da empresa é o Twitter. Entre outubro de 2017 e março de 2020, nenhuma publicação havia sido feita na conta.

Semanas atrás a empresa afirmava, no Linkedin, que possuía 11 funcionários. Um deles era um escritor de ficção científica. Outra, uma modelo de sites adultos. Hoje são apenas três.

Para Peter Ellis, cientista chefe de dados de uma das empresas de análises mais importantes do mundo, o banco de dados da Surgisphere era “quase certamente um golpe”:

“Isso não é algo que qualquer hospital realmente poderia fazer. Identificar não apenas a forma de morte dos pacientes, como também os nomes, é uma grande dificuldade. Eu duvido que hospitais tenham até mesmo a capacidade de fazer isso adequadamente. Esse é o tipo de dado que necessita de empresas especializadas trabalhando por anos para conseguir”.

Em edição especial do Entrelinhas, o virologista Paolo Zanotto, do Departamento de Microbiologia da Universidade de São Paulo (USP), expressou sua preocupação em relação a esses estudos:

cloroquina

“É muito interessante você perceber jornais de alto prestígio incorrendo repetidamente neste problema seríssimo, que é o de apresentar trabalhos que são feitos de forma equivocada.”

O programa foi transmitido em 24 de maio último. Assista à íntegra clicando aqui.

E quem é o dono da Surgisphere?

O chefe executivo da empresa é Sapan Desai. Ele responde a três processos nos Estados Unidos por negligência médica (nenhum sobre COVID-19). Ao The Guardian, ele afirmou que são processos “infundados”.

Profissionalmente, Desai trabalhou, desde 2016, em um hospital americano. Em 10 de fevereiro de 2020 – semanas antes de publicar seu artigo – ele se demitiu “por motivos pessoais”.

Desai foi procurado pelos jornalistas, mas não ofereceu respostas satisfatórias.

Portanto, o The Guardian entrou em contato com The Lancet e New England Journal of Medicine, que emitiram notas de “preocupação a respeito dos dados publicados por Desai”.

No dia seguinte, a OMS afirmou que está retomando os estudos com hidroxicloroquina no mundo inteiro. São 3.500 pacientes com COVID-19 recebendo o remédio em 35 países e sendo monitorados.

Saiba mais sobre os estudos, clicando aqui.

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Colaborador

Andre Batista / Foto: Getty Images