A internet está com os dias contados?

Estudo aponta que essa ferramenta considerada indispensável está próxima da morte. Como você se sairia sem ela?

Criada nos Estados Unidos (EUA), na década de 1960, durante a Guerra Fria, a internet nasceu como estratégia para que as Forças Armadas norte-americanas mantivessem contato caso ataques inimigos prejudicassem os meios de comunicação tradicionais. Duas décadas depois, ela passou a ser usada no meio acadêmico, principalmente nos EUA, e, a partir de 1990, alcançou um público maior e diferentes segmentos sociais e o uso cresceu em ritmo acelerado. No Brasil, a popularização ocorreu a partir de 1996, quando o serviço de provedores entrou no mercado, e se fortaleceu, em 1998, por causa do aumento da infraestrutura e do crescimento do número de usuários. Logo, redes sociais como Orkut, MSN e MySpace conquistaram o público e abriram espaço para outras, como Facebook, Twitter, Instagram e TikTok. Sites de compras, de buscas, de vídeos, de músicas e uma gama gigante de aplicativos também se popularizaram na web desde então.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2021, a internet chegou a 90% dos domicílios brasileiros e o celular foi o meio mais usado para fazer a conexão com ela. Apesar de ser relativamente nova, a web está presente no cotidiano de usuários ao redor do mundo e hoje é quase impossível imaginar um dia em que fiquemos totalmente offline.

Buquês e coroas de flores
Amplo acesso à informação, conhecimento ao alcance com poucos cliques, comodidade para comprar, estudar e trabalhar, entretenimento incalculável, facilidade de comunicação… A internet oferece inúmeras vantagens, mas, mesmo assim, há quem defenda que os prejuízos que ela causa são mais impactantes do que os benefícios.

Conteúdos impróprios que atingem principalmente crianças e adolescentes são preocupantes. Crimes cibernéticos como fake news, ameaças, apologia ao crime, assédios de todos os tipos e roubo de informações pessoais, como dados bancários, também acontecem cada vez mais frequentemente.

Outro grande problema é a exposição prolongada dos usuários. Sites e aplicativos são desenvolvidos para que se tornem viciantes e quem fica dependente acaba se isolando do mundo e eliminando o tempo em família e as atividades offline, como leituras e exercícios físicos. Os prejuízos se estendem à vida profissional, acadêmica à saúde mental, física e até espiritual.

É comum que os viciados apresentem ansiedade, má postura, sedentarismo, problemas na visão ou doenças relacionadas à lesão por esforço repetitivo (LER). Até o maior benefício da internet, como o acesso fácil a informações, gera cansaço nos usuários. Por tudo isso, a cada dia, as pessoas estão ficando mais saturadas dela.

Será o fim da internet?
“Eventualmente, as desvantagens de compartilhar sua opinião on-line se tornarão tão grandes que as pessoas se afastarão da internet.” A afirmação é de Geert Lovink, teórico de mídia e professor da Universidade de Ciências Aplicadas de Amsterdã, em seu recente ensaio Extinction Internet (Extinção da Internet, em tradução livre). Na obra, ele compartilha conclusões obtidas em 30 anos de crítica à internet e em pesquisas de contracultura, além de trabalhos que realizou com historiadores de arte, pesquisadores e outros profissionais ligados à tecnologia.

Lovink acredita em um futuro em que a internet desaparecerá parcialmente e seus usuários serão forçados a desistir do vício em tecnologia. Ele justifica que a web e os aplicativos viciantes estão nas mãos de Big Techs (empresas dominantes no setor de tecnologia da informação), que, na opinião dele, pouco se importam com direitos individuais ou com a sociedade como um todo. A população está percebendo e se preocupando com isso.

Opiniões e consequências
Lovink aponta que até os usuários “comuns” têm cada vez mais que pagar um alto preço pela dependência da internet e pelo vício em mídias sociais e aplicativos. Este preço seria, principalmente, psicológico: “não só muitos jovens sofrem de uma imagem distorcida de si mesmos e distúrbios de ansiedade como também houve uma externalização de funções – certas funções críticas de nossos cérebros estão sendo externalizadas. Nossa memória de curto prazo está piorando e nossa atenção está se tornando cada vez mais fragmentada e muito especificamente direcionada”.

Ele diz que o controle social está aumentando e que os usuários estão sendo monitorados: “nossa suposta liberdade de expressão não existe mais de fato”. Ele relata que quem compartilha opiniões contrárias à da maioria pode sofrer consequências sociais: “já estamos começando a ver indicações de que as pessoas estão divulgando cada vez menos suas opiniões”. Elas fazem isso para evitar ler tantas ofensas que recebem. Lovink cita ainda o controle exercido por governos: na China, por exemplo, não é possível embarcar em um trem se tiver uma opinião “errada”. Nos EUA, é preciso compartilhar todos os perfis de mídia social ao solicitar um visto. Ele defende que a tendência é de aumento desse controle e que ele se tornará tão disseminado que as pessoas se afastarão da internet.

Para Lovink, “a ideia de perder a conexão com a internet pode parecer inconcebível, especialmente para os jovens, mas é necessário que olhemos de forma crítica para o futuro. Há um ano, a perspectiva de ficar sem gás era inimaginável, mas, agora, essa é uma possibilidade, dada a situação com a Rússia. Da mesma forma, consideradas as emergências climáticas, também é possível que a infraestrutura necessária, como a eletricidade, falhe e a internet caia com ela. Com toda a população dependente do mundo on-line, pessoas como Elon Musk estão fadadas a aparecer para oferecer uma conexão via satélite muito cara e exclusiva”.

Ele conclui que, embora um possível fim da internet traga consequências drásticas, é provável que a Humanidade se liberte dela e supere os desafios disso. De acordo com ele, podem surgir diferentes softwares ou outras construções que nos tornem menos dependentes. E aí a internet, como conhecemos hoje, estará morta.

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Colaborador

Kelly Lopes / Foto: Getty images