O que os manifestantes buscam?

Protestos que tomam estradas e quartéis militares chamam a atenção pelos vários dias de duração e preocupa

Depois da apuração dos votos do segundo turno das eleições, em 30 de outubro, pessoas descontentes com o resultado foram às ruas para chamar a atenção para a sua indignação. De acordo com informações da Polícia Rodoviária Federal (PRF), novembro começou com bloqueios de caminhoneiros em rodovias de 23 Estados. Muitos brasileiros também foram para a frente de quartéis militares em diversos pontos do País e se autodenomiram de “resistência civil”.

Esse cenário ganhou força e culminou em uma grande manifestação no feriado da Proclamação da República, em 15 de novembro. Em Brasília, por exemplo, manifestantes estenderam faixas criticando o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os ministros das Cortes e o comunismo e em defesa da “liberdade de expressão”. Até o fechamento desta edição, o grupo seguia protestando.

“Qualquer tipo de manifestação é legítima. Por vivermos em uma democracia, a população tem o direito de se manifestar e defender qualquer tema que ela ache importante. Se ela está na porta do quartel, não há problema. Até mesmo a manifestação dos caminhoneiros é legítima, pois a greve é um direito previsto pela Constituição”, explica o cientista político Valdir Pucci. Ele ressalta, porém, que é preciso estar atento a algumas formas de manifestação ou a alguns pedidos da população que podem ser contrários ao que está definido na Constituição: “eu não entendo que o ato de fechar estradas seja uma forma legítima de se manifestar, uma vez que você está ferindo direitos de outras pessoas, como o de ir e vir”. O próprio presidente Jair Bolsonaro foi às redes sociais para pedir que as estradas não fossem fechadas.

Entre os manifestantes, há algumas pessoas que pedem intervenção militar. Pucci destaca que isso também é inconstitucional: “é possível pedir recontagem de votos e verificação das urnas, mas solicitar intervenção militar não é válido porque não há essa previsão dentro da nossa Constituição. Então, é preciso entender que até a manifestação tem alguns limites de ação”. Fora desses limites estão quaisquer atos violentos, racistas, xenófobos ou nazistas.

De onde vem tanto descontentamento?
A mensagem principal dos manifestantes é a de rejeição a Lula e ao seu partido. O comentarista político Roberto Motta afirmou recentemente à rádio Jovem Pan algumas razões que levaram a esse quadro: “… um passado que parece, para muitas pessoas, incompatível com um futuro democrático (…), a percepção de um processo eleitoral extremamente injusto e desequilibrado, onde várias partes que deveriam ser neutras tomaram lados. (…) E tem o ativismo judicial que parece fora de controle, que parece que trouxe de volta a censura ao Brasil”.

Para Pucci, esse cenário é uma continuidade das manifestações de 2013, quando a população foi às ruas contra o aumento da passagem do transporte público, mas demonstrou também seu descontentamento com a classe política e a corrupção: “o que estamos assistindo hoje ainda é fruto daquele sentimento de indignação que nasceu em 2013 ainda no governo Dilma Rousseff. Há quase dez anos a população luta para que haja uma mudança nas instituições no sentido de dar mais transparência à gestão pública no Brasil. De lá para cá, eu vejo uma população muito mobilizada contra a corrupção e contra os maus feitos dos Poderes, a forma como os Poderes interagem entre si ou como interferem um no outro. É uma indignação da população contra o sistema político brasileiro como um todo”.

Vale lembrar que a Lava Jato também teve início em 2013 e deu protagonismo ao Poder Judiciário no País. “Diante disso, a população, de forma até bastante crítica, passou a entender como esse Poder deveria funcionar e como ele funciona. Com essa comparação, as pessoas passaram a exigir que o Judiciário esteja mais atento e mais próximo dos interesses da sociedade”, destaca Pucci.

É preciso destacar que entre os assuntos que estão na lista de descontentamento de parte da população está a interferência de membros do Judiciário no processo político. Para Motta, “hoje no Brasil você só tem tranquilidade para fazer declarações a favor do PT e do famoso governo eleito. Qualquer outra declaração pode ser considerada crime e severamente reprimida.” Para reafirmar isso, ele chama a atenção para a investigação solicitada pelo TSE sobre empresários que estariam fornecendo alimentação e banheiros químicos aos manifestantes.

Primavera Brasileira?
Durante um podcast, o assessor político e estrategista-chefe da Casa Branca no governo de Donald Trump, Steve Bennon, fez uma análise sobre as manifestações pós-eleição no Brasil e usou a expressão Brazilian Spring (Primavera Brasileira em português). Trata-se de uma comparação do que tem acontecido aqui com a Primavera Árabe, mobilização que ocorreu no Oriente Médio e em parte do continente africano quando a população foi às ruas reivindicar melhores condições e derrubar ditadores.

A expressão tornou o assunto um dos mais comentados do Twitter. “Se a gente pensar na questão da espontaneidade, ou seja, movimentos que nascem da sociedade e que pedem mudanças, eu entendo sim como uma Primavera Brasileira. Mas acho muito cedo para usarmos esse termo, porque, apesar de termos milhares de brasileiros nas ruas pedindo as mudanças, ainda não foi algo que chegou a mobilizar de fato a população brasileira e parar o País em torno dessas questões”, afirma Pucci, que complementa: “isso não quer dizer que não possa se tornar. Se ele crescer, pode sim ser chamado de Primavera Brasileira.”

Equilíbrio entre poderes
O PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, pediu ao TSE a invalidação de votos que foram registrados por mais de 270 mil urnas eletrônicas de modelos antigos (fabricados antes de 2020: 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015) no segundo turno das eleições. Segundo relatório feito por técnicos contratados pelo partido, inclusive gente formada pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), parte das urnas tinha o mesmo número de identificação (patrimônio), o que tornaria impossível auditar os registros de uma urna específica por esse dado, como acontece nas urnas mais recentes. Uma segunda falha apontada estaria ligada a violações do sigilo de votos no caso de equipamentos que travaram ao longo do processo eleitoral, o que fere um preceito constitucional.

Além das fragilidades nas urnas, o relatório destacou esses itens e solicitou a apuração das falhas apontadas. Em resposta, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, que poderia abrir uma via para os devidos esclarecimentos, negou o pedido e aplicou multa de quase R$ 23 milhões ao PL, além de outras punições, alegando que o partido agiu de má-fé por pedir anulação de votos sem enviar qualquer indício de fraude.

Seriam esses os motivos que intensificam o descontentamento em relação ao cenário político brasileiro? De fato, a população espera equilíbrio entre os Poderes para que o País seja beneficiado. Para Pucci, os próximos movimentos serão fundamentais para a definição política do País. Já a população deve estar atenta ao que está acontecendo. “É importante acompanhar de fato e se informar bastante antes de tomar qualquer decisão, até para que não sejam cometidos equívocos nesse processo de participação”, afirma.

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Colaborador

Redação / Foto: Getty Images