Estranho futuro inimaginável

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Você já observou o que ocorre ao seu redor? Sempre faço isso para contemplar a tal “vida adulta” tão sonhada. Mas, talvez por influência dos filmes e dos livros ou pelo simples fato de ver que a cada geração o mundo melhorava um pouquinho, imaginei um futuro diferente e o que ele se tornou tem me assustado.

É curioso ter nascido enquanto a internet galgava seu espaço, mostrando seu inegável potencial e acompanhar cada avanço tecnológico anunciando um novo modo de viver: um mundo onde a tecnologia ajudaria em todas as atividades, haveria total liberdade para compartilhar ideias e empatia para compreender o que até então poderia parecer incomum ou excêntrico, como a cultura de outros países.

Mas, se alguém tivesse parado aquela criança sonhadora para dizer o que aconteceria hoje, cá entre nós, seria mais fácil ter acreditado em carros voadores, viagem no tempo, multiverso ou qualquer outra ideia disseminada pela ficção. Quer um exemplo desse estranho futuro inimaginável? Tudo ia bem com os blogs temáticos, as redes sociais para se comunicar com pessoas de qualquer lugar, os vídeos com tutoriais, até que o mundo coube na palma das mãos com todo tipo de informação, conhecimento e até futilidades disponíveis a qualquer momento. Só que o que parecia ser um sonho começou a mostrar outra face um tanto confusa, assustadora e preocupante.

A “terra de ninguém” precisou de princípios, direitos e deveres estabelecidos com o Marco Civil da Internet, em 2014. E, em 2020, foi promulgada a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Além dessas boas iniciativas, agora há o debate sobre uma nova legislação: o Projeto de Lei 2.630/2020, também conhecido por alguns como PL das Fake News e por outros como PL da Censura.

Como se não bastasse um texto controverso, que vale a pena ser lido para que cada um tire suas próprias conclusões, e vastas interpretações, há um grande reboliço quanto ao debate do tema, principalmente em relação a opiniões contrárias. Seus defensores (governo, Judiciário e toda a esquerda) insistem que não se trata de censura, mas não se pode falar nada em contrário. O Google e demais bigtechs, como Meta, Spotify e Brasil Paralelo, tiveram que remover suas opiniões abaixo de vara e também houve a determinação de bloqueio do Telegram até que a plataforma deletasse uma opinião sobre o assunto que não agradou aos defensores do projeto de lei. Soou estranho?

Pois é, o mais curioso é que o PL 2.630, intitulado de Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, sugere que as próprias bigtechs tenham autonomia para fiscalizar seus usuários, comunicando aos órgãos competentes quando houver alguma infração ou comportamento suspeito – claro que essa fiscalização seria totalmente baseada no que alguém determinar como conteúdo aceitável ou não. E quem seria? O governo de plantão? É sério isso?

Que fique claro: fake news e desinformação devem sim ser combatidas e uma legislação clara e imparcial deve ser criada e aprovada, mas tal lei não pode ter múltiplas interpretações ou conceder poderes a determinadas pessoas, entidades ou ao governo sobre o que pode ou não ser publicado, pois, em vez de combater desinformação, há o risco de cercear a liberdade de expressão. Até porque toda e qualquer história, informação ou projeto tem pelo menos dois lados, assim como prós e contras. Mostrar essas nuances não é mentir, mas sim lembrar que, seja vendo a cara ou a coroa, a moeda continua tendo o mesmo valor, o mesmo peso e o mesmo poder.

Custa acreditar que o futuro se tornou um presente que devia ter vindo com opção de troca. Porque, de repente, a saudosa democracia que meus avós tanto comemoraram e a liberdade de expressão que meus pais apregoaram estão em crise de identidade e, agora, parece que vivemos algo bem semelhante a uma autocracia que exclui posts nas redes sociais, tira aplicativos do ar, bloqueia perfis, determina remoção de textos com uma perspectiva contrária, proíbe termos, impõe depoimentos, etc. O que falta agora? Novos especiais com receitas culinárias e poemas para cobrir as lacunas da verdade, como outrora o jornalismo fez em prol da sobrevivência? Espero que não, porque não foi esse o futuro sonhado, tampouco o que tanto lutamos para ter – pelo contrário, é um passado adaptado que ninguém merece reviver.

*Laís Klaiber, jornalista, 28 anos

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Colaborador

Laís Klaiber / Foto: AZemdega/getty images