Você é vítima de inveja?
Este sentimento pode afetar sua vida muito mais do que você imagina. Entenda como se livrar disso
Incômodo, tristeza e frustração. Esses eram alguns sentimentos vividos por Luciana Barbosa (foto abaixo) quando observava as conquistas de suas amigas. Na época, ela era adolescente e não compreendia muito bem o motivo, mas lembra que se sentia inferior às outras garotas.
Para Luciana, parecia impossível alcançar o mesmo sucesso de pessoas da sua idade. “Eu olhava para as minhas amigas praticando esportes, fazendo várias atividades que eu não conseguia fazer e aquilo me frustrava. Eu queria ser como elas e, de certa forma, isso gerava um sentimento de inveja”, explica.
Durante a infância, Luciana viveu situações de humilhação na escola. Ela era vítima constante de humilhações por causa de seu peso. “Sempre fui gordinha e sofria bullying na escola. Eu não me deixava abalar, sempre fui comunicativa, brincalhona, mas dentro de mim aquilo começou a gerar uma insegurança. Com o tempo, eu não conseguia me ver feliz”, relembra.
Aos poucos, esse “complexo de inferioridade” começou a apresentar consequências em várias áreas da vida de Luciana. Ela evitava encontros com amigos e fazia comparações constantes entre a sua vida e a dos outros. “Eu sentia desânimo, não tinha vontade de ir aos passeios com colegas. Achava que as pessoas iriam reparar na minha roupa, achava que minhas amigas tinham a roupa melhor, o cabelo mais bonito do que o meu. Eu queria me esconder porque me achava totalmente inferior”, revela.
Virada
Aos 19 anos, Luciana conta que percebeu que sua vida estava estagnada. As comparações e o desejo de ser como outros a impediam de realizar seus próprios sonhos. “Eu deixava tudo para depois, sempre encontrava uma desculpa, achava que o que eu queria não daria certo”, conta.
Luciana diz que decidiu fazer um mergulho na vida espiritual em busca de respostas para as dificuldades que enfrentava. “Entreguei minha vida para Jesus e fui aprendendo com a Palavra dEle. Passei a ter olhos espirituais para mim mesma, comecei a ver meu valor e a perceber que minhas qualidades deveriam ser valorizadas”, detalha.
Nesse processo, ela explica que começou a notar que a insegurança a levava a acreditar que ela deveria ser como os outros. “Aprendi que antes de querer nos tornarmos algo, nós precisamos entender o que acontece dentro de nós e enxergarmos onde queremos chegar e o que pretendemos ser”, ensina.
A mudança interior durou cerca de um ano, até que Luciana reconheceu suas qualidades, fortaleceu seu senso de valor próprio e deixou de se comparar com as outras pessoas. Após descobrir o que desejava ser, ela começou a realizar seus próprios sonhos. Fortaleceu os laços com as amigas, voltou a fazer cursos e passou a atuar como voluntária em projetos sociais.
Hoje, aos 32 anos, ela é funcionária pública, faz faculdade de Administração e está prestes a abrir uma ONG de apoio a crianças e adultos em Diadema (SP), junto com seis amigos. “Estou totalmente transformada, com olhos bons para mim mesma. O grupo Godllywood me ajudou muito nisso. Agora eu consigo me ver como uma pessoa feliz”, completa.
O que é
Embora ainda seja um tabu, a inveja é um sentimento universal que surge da observação do que não se tem. A psicóloga Poema Ribeiro explica que a inveja está relacionada à autoestima. “A inveja é um sentimento inato, uma resposta frágil da criança diante da privação, da crença de que aquilo de que precisa está sendo retirado pelo outro que não quer lhe dar.
Então, quanto mais frágil o ser humano, quanto mais suas vivências reforçaram suas fragilidades, maior a possibilidade dele ser invejoso”, explica.
A terapeuta diz que as situações de inveja ocorrem geralmente entre pessoas próximas e semelhantes. Por isso, a inveja pode surgir em rodas de amigos, no trabalho e até no grupo familiar. Todos os seres humanos estão sujeitos à inveja. O desafio está em aprender a lidar com o sentimento.
Pessoas que guardam mágoas e sofrem caladas podem até desenvolver problemas. “A inveja pode se tornar fonte de depressão e é comum que quadros de inveja mal resolvidos estejam vinculados a outros quadros psicopatológicos”, pondera.
Poema diz que o melhor caminho é reconhecer a inveja e ir em busca do que faz falta, em vez de apenas observar a vida de outros.
Inveja versus cobiça
O psicólogo e professor Breno Rosostolato esclarece que é importante fazer uma diferenciação entre cobiça e inveja. “Cobiça é quando a pessoa deseja algo que alguém conquistou, mas cria possibilidades para que ela também alcance êxito. Já a inveja é negativa, é querer o que o outro tem e sentir-se mal pelo sucesso do outro.”
Nem toda pessoa que sente inveja faz maldades para prejudicar o outro. Na maioria dos casos, a inveja traz consequências negativas apenas para quem a sente. “A pessoa não prejudica o outro diretamente, mas passa a alimentar um sentimento ruim dentro dela. Ela sente raiva, ódio, incertezas, dúvidas sobre si mesma. A pessoa invejosa vai colecionando insucessos”, completa.
Breno também alerta que pessoas que sentem inveja costumam acreditar que são injustiçadas. Ou seja, sempre que alguém conquista algo, ela acredita que foi passada para trás. “Pessoas que sentem raiva, veem suas vidas paradas e se colocam sempre em situação de vítima devem procurar aconselhamento profissional para falar sobre suas questões. O reconhecimento da inveja ajuda a sair do lugar e a fazer transformações na própria vida”, finaliza.
Baixa produtividade
A inveja não provoca apenas raiva, rancores e tristeza. Um estudo da Lindner College of Business, da Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, mostrou que a inveja também diminui a produtividade no trabalho. A pesquisa indica que funcionários que sentem inveja de colegas perdem o foco em suas tarefas e desperdiçam tempo com fofocas. O ressentimento pode ser gerado quando um colega ganha uma promoção ou mesmo um elogio do chefe. A queda de produtividade do invejoso acaba afetando toda a equipe, que também se sente menos motivada a colaborar.
Insatisfação on-line
Vitrines para o compartilhamento de conquistas e momentos divertidos da vida, as redes sociais também se tornaram um espaço aberto para a inveja. É isso que apontam diversas pesquisas. O estudo “A Inveja no Facebook: Uma Ameaça Escondida para a Satisfação do Usuário” indicou que uma em cada três pessoas se sente mal e insatisfeita após visitar o Facebook porque elas sentem inveja.
Os pesquisadores apontaram que a riqueza de informações sociais na rede faz com que os usuários se mantenham mais atualizados, mas também estimula a comparação – o que leva à frustração, amargura e solidão. Usuários frequentes de Facebook relataram diminuição da satisfação com a própria vida. O levantamento foi feito por pesquisadores da Universidade Humboldt e da Universidade Técnica de Darmstadt, ambas da Alemanha. Mais de 580 usuários do Facebook participaram.
As curtidas recebidas por amigos nas redes sociais também são motivo de inveja. Uma pesquisa feita com 16.750 pessoas em todo o mundo pela Kaspersky Lab indicou que 42% dizem sentir inveja quando seus amigos ganham mais curtidas que elas. O levantamento também destaca que as pessoas invejam as vidas aparentemente mais divertidas de seus amigos nas redes sociais.
Ainda sobre o universo on-line, um estudo do The Happiness Research Institute concluiu que as pessoas que deixam de utilizar o Facebook se sentem mais felizes e menos preocupadas em apenas uma semana. Os pesquisadores dividiram os 1.095 participantes em dois grupos: o primeiro não deveria acessar a rede social por sete dias; o outro poderia continuar usando a rede. Durante o período, foram analisados estados de ânimo como felicidade, tristeza, preocupação, raiva e solidão. No último dia do experimento, os que haviam deixado de se conectar à rede social diziam estar mais felizes, perceberam um aumento na atividade social cara a cara e tinham menos dificuldade de concentração.
O bispo Júlio Freitas lembra que nem os cristãos estão livres de sentir inveja. “A inveja demonstra um desequilíbrio emocional e espiritual, baixa autoestima, fraqueza e insegurança. Mas que fique claro o seguinte: tanto a pessoa invejada quanto a invejosa são vítimas da inveja, ela fragiliza as duas partes.”
Desejar as conquistas de outras pessoas pode ser um empurrão para que o invejoso vá atrás dos próprios objetivos. Entretanto, o bispo explica que a inveja também pode se apresentar sob uma forma mais nociva. “É quando a pessoa tem a intenção de tirar aquilo que a outra tem, de usurpar o sucesso sentimental ou profissional da outra.”
Para o bispo, é possível transformar o negativo em positivo. “Para quem percebe que tem tendência a admirar mais os outros, desejar o sucesso alheio ou literalmente querer o que o outro tem, a sugestão é que se disponha a fazer o que o outro fez. As pessoas sempre olham para o sucesso, mas se esquecem do trajeto que a pessoa trilhou para chegar aonde chegou.”
Para quem foi vítima de inveja, a sugestão é abandonar as mágoas e seguir em frente. “Se você sofreu com inveja, se te fizeram algo para te prejudicar, perdoe. Não precisa pagar o mal com o mal ou viver enclausurado. Perdoe a pessoa, mas não dê motivos ou oportunidades para que a pessoa continue te prejudicando. Não tenha medo da inveja, quem tem proteção de Deus tem equilíbrio e força para fazer o que deve ser feito e viver em paz”, conclui.
O papel do outro
O ator Christian Bale admitiu que teve inveja quando soube que Ben Affleck seria o protagonista do filme Batman vs Superman: A Origem da Justiça. Bale interpretou Batman na trilogia do diretor Christopher Nolan. “Eu tenho que admitir que, no início, mesmo sentindo que era hora de parar, havia uma parte de mim que dizia: ‘Vá em frente.Vamos fazer outro’”, disse, em entrevista à revista Empire, em 2014. “Então, quando ouvi que havia alguém fazendo isso, houve um momento em que eu simplesmente parei e olhei para o nada durante meia hora.” Apesar do sentimento de inveja, Bale afirmou que ofereceu conselhos a Affleck sobre o papel. “Eu tenho 40 anos. O fato de que estou com inveja de outra pessoa interpretando Batman… acho que já deveria ter superado isso. Não falei com Ben, mas enviei um e-mail a ele oferecendo alguns conselhos que aprendi da maneira mais difícil”, completou.
“Há um plano para mim”
A atriz americana Taraji Penda Henson, de 46 anos, já admitiu sentir incômodo com o sucesso de outra colega. Em 2015, em entrevista à revista Uptown, ela falou dos sentimentos de inveja que teve da atriz Amy Adams. “Eu costumava ter essa coisa louca com Amy por vê-la recebendo nomeações, como deveria, porque ela faz um bom trabalho”, disse. “Mas se você optar por ficar nesse lugar (de comparação), então você se torna miserável.” Ao site The Christian Post ela afirmou que usa a fé para se manter segura e confiante. “Toda vez que uma porta se fechava, eu orava a Deus como se dissesse ‘sei que o Senhor tem um plano para mim porque ainda estou aqui’. Há um plano para mim e eu acredito nisso.” Em 2016, ela foi uma das protagonistas do filme Estrelas Além do Tempo, indicado ao Oscar de melhor filme neste ano.
Inveja e fé
O pastor Jacob Ferreira explica que a Bíblia alerta sobre os males da inveja. “Em Provérbios 14:30, está escrito: ‘O coração em paz dá vida ao corpo, mas a inveja apodrece os ossos’. Existem pessoas hoje em dia doentes, com problemas psicossomáticos, pessoas que estão mal e não conseguem render no trabalho e render na vida porque têm inveja”, diz.
Segundo ele, os invejosos deixam de conquistar os próprios sonhos. “A pessoa fica até ressentida quando vê outra se dando bem, ela não consegue se alegrar quando outra é promovida, abençoada.” O pastor diz que a inveja vem do “vazio” e do sentimento de inferioridade. “Existem pessoas que recorrem a forças ocultas e espíritos para se livrar da inveja que sentem, mas isso não dá resultado.”
E como ficam as pessoas que são invejadas por outras? O pastor cita a história do profeta Daniel, da Bíblia, para esclarecer o assunto. “Os homens da Babilônia invejavam a capacidade do profeta Daniel, invejavam o processo, a reputação e a inteligência de Daniel. Não é a inveja que pega na pessoa, o que atrapalha é a atitude do invejoso. O invejoso te calunia, te persegue, te atrapalha, faz fofoca de você, te critica, põe defeito em tudo que você faz, então, infelizmente, alguns com essa atitude conseguem atrapalhar a pessoa invejada.” No entanto, ele diz que a inveja é mais prejudicial para quem a sente. “O mal que a pessoa quer para outra na verdade se volta para ela.”
Ele sugere que o caminho para superar a inveja é fortalecer a própria fé. “É preciso se voltar para Deus.” Além disso, a recomendação é manter o foco na própria vida. “Não vale a pena ter inveja de ninguém, o negócio é você trabalhar, lutar, confiar em Deus e seguir em frente. Assim você será uma pessoa feliz.”
Colaboraram: Débora Vieira e Lorrainne Silva
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