As consequências danosas da falta de empatia e equilíbrio

População tem sofrido com as ações radicais – e que não são efetivas – de combate à Covid-19

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Pouco mais de um ano depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar a pandemia de Covid-19, a sensação é de que pouco se sabe exatamente sobre quais ações são eficientes para combater a doença. O pior é que, para encontrá-las, autoridades têm feito tentativas que impactam a população, principalmente no aspecto econômico.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), só em 2020, mais de 1,3 milhão de empresas encerraram suas atividades no País, o que fez a taxa de desemprego atingir a marca de 14,2% da população ativa, ou seja, o número de brasileiros desempregados chegou a 14,3 milhões.

Os dados refletem no bolso e na mesa do consumidor. A realidade vivida pelo brasileiro foi exposta em um estudo realizado pela Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB). Segundo a pesquisa, entre os meses de agosto e dezembro de 2020, 125,6 milhões de pessoas viveram algum nível de insegurança alimentar, o que corresponde a mais da metade da população.

Economia abalada
Esses índices são alavancados, principalmente, pela instabilidade provocada por medidas restritivas radicais. “As decisões governamentais, assim como as indecisões quanto ao abre e fecha na esfera municipal, conflitando às vezes com a estadual e a federal, emperram o avanço de empreendimentos, porque gera inconstância, uma vez que o empreendedor vai parar e postergar quaisquer decisões”, diz Alexandre Prado, especialista em finanças. Ele ainda acrescenta: “se o comércio está fechado, não vai ter movimentação nem exercer suas atividades e, por isso, não vai ter faturamento. No entanto há o custo com o aluguel, as despesas com o pessoal e o estoque, que eventualmente existe, está parado e que não está gerando receita”.

No segmento de alimentação o impacto é ainda maior. Segundo um levantamento realizado pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), nesse período da pandemia, aproximadamente 50 mil estabelecimentos fecharam as portas no Estado de São Paulo e 350 mil no País e, com isso, cerca de um milhão de funcionários foram dispensados.

Com as portas fechadas, muitos empreendedores optaram pelo delivery, mas não alcançaram o mesmo nível de faturamento mensal. No Rio de Janeiro, por exemplo, um levantamento do Sindicado de Bares e Restaurantes revelou que oito em cada dez empreendimentos não têm caixa suficiente para suportar dez dias sem funcionar.

Nos shoppings, a realidade é semelhante. Em razão da interrupção das atividades durante boa parte do ano passado e que voltaram a ser limitadas neste ano, o faturamento caiu 33,2% em 2020. O diretor institucional da Associação Brasileira de Lojistas de Shoppings (Alshop), Luis Augusto Ildefonso, relata que esse cenário mudou o comportamento do consumidor e, consequentemente, as decisões dos empreendedores. “O lojista hoje supre seu estoque com limitações, em lotes pequenos, porque ele não tem certeza de que o que está sendo decidido terá um percurso grande ou, com a volta do vírus, as variáveis mudem. O que mais o lojista quer é que o horizonte seja permanente, mas, infelizmente, o Comitê de Contingenciamento, volta e meia, muda a fase de funcionamento e isso atrapalha a regulação do estoque dele.”

Consequências na Prática
João Bosco Vieira Junior, (foto abaixo) de 37 anos, e sua esposa, Juliana Buhaci Domiciano Vieira, de 37 anos, são donos de uma loja de presentes personalizados em São Roque, no interior de São Paulo. O empreendimento existe há quatro anos e crescia ao longo dos meses, mas, em meados de abril de 2020, em razão de um decreto estabelecido na cidade, a loja teve que ficar fechada por três meses. “Com a loja fechada, ainda não sabíamos exatamente o que faríamos. Então, foi um pouco difícil”, relata João. Esse cenário, comum a muitos empreendedores, aponta poucas opções: fechar o negócio ou inventar alternativas.

Pouco mais de um ano depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar a pandemia de Covid-19

João e a esposa decidiram buscar novas formas de empreender. “Com a loja fechada, tivemos que nos reinventar. Começamos a fazer cestas de café da manhã e máscaras e realizar as vendas on-line”. O novo empreendimento decolou e o casal conseguiu recuperar as perdas, mas essa não é a realidade da maioria dos comerciantes.

No caso do empresário Paulo César Batista, de 52 anos, a pandemia agravou sua situação de saúde. Ele enfrentou por mais de três anos a depressão e viu os sintomas da doença piorarem durante as fases de isolamento social. “Não temos ânimo para trabalhar e só pensamos negativamente. Eu já pensava em não sair para trabalhar e esse pensamento se tornou mais frequente.” Paulo fazia acompanhamento com psiquiatras e psicólogos e chegou a tomar 12 tipos de medicamentos. “Apesar da pandemia, eu continuei fazendo tratamento, mas ele não surtia efeito”, declara.

Pouco mais de um ano depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar a pandemia de Covid-19

Ele buscou apoio espiritual na Universal e, quando as atividades religiosas presenciais foram proibidas, ele começou a assistir às reuniões pela TV. Hoje, ele está curado e é voluntário no projeto social Depressão Tem Cura (DTC).

Onde está o vírus?
Ao mesmo tempo que governadores e gestores municipais impõem inúmeras restrições à população, é possível perceber que eles não conseguem garantir que seus próprios serviços respeitem qualquer tipo de cuidado para combater eficazmente a propagação da Covid-19.

A população que precisa trabalhar tem encontrado verdadeiras aglomerações no transporte público. Será que o novo coronavírus não circula em ônibus, trens e metrôs?

Uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) sugere que o novo coronavírus se propaga com mais facilidade nas regiões em que os moradores utilizam mais o transporte público e afirma que essa condição pode estar relacionada ao número de óbitos pela Covid-19. No bairro de Sapopemba, na zona leste de São Paulo, por exemplo, mais de cinco mil pessoas passam por dia pela estação do metrô. A região, que possui 300 mil habitantes, tem registrado mais mortes pela doença do que a maioria das cidades do Estado. Essa é uma realidade que tem sido ignorada pelas autoridades.

“A principal forma da disseminação do vírus é por meio das gotículas. Quando falamos, tossimos, respiramos, emitimos essas gotículas que têm partículas do vírus. Quando falamos que precisamos manter o distanciamento, a maior razão é não possibilitar que essas gotículas cheguem até você”, afirma o infectologista pediátrico Marcelo Otsuka, vice-presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria de São Paulo.

Dessa forma, a falta do distanciamento mínimo dentro do transporte público coloca em risco a saúde da população. Segundo ele, várias medidas já foram propostas desde o ano passado para evitar aglomerações como incentivar à criação de horários variados para a entrada das pessoas no trabalho, respeitar a capacidade máxima de passageiros no transporte e aumentar a frota de ônibus, trens e metrôs. “Outro fator importante é a higienização. Sabemos que é muito difícil o ônibus chegar no ponto final e higienizar tudo antes de sair de novo. Entendemos que isso é difícil, mas o ideal é que seja feito”, explica.

Apesar de não serem capazes de impedir as aglomerações no transporte, nas filas de serviços públicos e até as festas clandestinas, autoridades se preocupam em restringir serviços que seguem as recomendações dos órgãos de saúde, como as atividades religiosas. Mesmo seguindo todos os protocolos estabelecidos pelos órgãos sanitários, elas foram impedidas de funcionar em várias localidades e essa situação foi até discutida no Supremo Tribunal Federal (STF).

No início de abril, o plenário do STF se reuniu para votar a autonomia de governadores e prefeitos de definirem a proibição ou a autorização para a realização de cultos presenciais. Na ocasião, o ministro Gilmar Mendes chegou a comparar as igrejas às atividades econômicas, questionou se as medidas sanitárias eram realmente adotadas nas instituições religiosas e ignorou as aglomerações em outros lugares.

O que se percebe é que o Estado usa sua força para fechar o que lhe interessa, mas não consegue garantir a segurança e o cuidado nem nos serviços que estão sob sua responsabilidade.

Lockdown funciona?
Mesmo com a situação de fragilidade vivida por milhares de pessoas no País, partidos que seguem a ideologia de esquerda, especificamente o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o Partido Socialista (PSOL), entraram com uma ação no STF pedindo que os ministros determinassem a implantação de medidas, segundo eles, urgentes e inadiáveis no combate à pandemia da Covid-19. Entre elas estão a sugestão de um lockdown nacional, que impõe a restrição total de circulação de pessoas.

Contudo o documento não cita soluções para o cenário que o País se encontra em relação ao desemprego, à fome e ao fechamento de empresas. A sugestão oferecida é que os negócios afetados recebam uma “compensação razoável” pela suspensão das atividades, o que limitaria os empreendedores e os manteria na dependência do governo, que, por sua vez, também tem dificuldade para apoiar a população mais vulnerável e ampliar benefícios a ela.

Além disso, o lockdown não é consenso entre especialistas. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por exemplo, publicaram um artigo na revista Scientific Reports no qual concluíram que o lockdown não diminuiu o número de mortes por Covid-19 em diversos países.

Por meio do índice de mobilidade do Google, a pesquisa verificou a relação entre o isolamento social e o número de óbitos por localidade. Segundo os pesquisadores, não houve redução significativa de mortes em 98% delas. O artigo reforça dados de outros estudos desenvolvidos na Inglaterra, na Alemanha e nos Estados Unidos.

No Estado de São Paulo, o governo estabeleceu uma fase mais restritiva entre 15 de março e 11 de abril, em mais uma tentativa de minimizar a circulação do novo coronavírus. Os registros de óbitos, porém, aumentaram. De 15 a 31 de março, 10.529 pessoas perderam a vida no Estado por complicações da Covid-19 e, em abril, que teoricamente deveria apresentar uma queda brusca nos casos depois de 15 dias da fase emergencial, os índices subiram ainda mais: entre o dia 1º e dia 21 foram registrados 15.975 óbitos. Assim, as medidas radicais aplicadas parece que não surtiram efeito e a chamada “locomotiva do Brasil” foi agonizando.

Bom exemplo
Alguns locais são bons exemplos de iniciativas de saúde e de preservação dos negócios. Madri, capital da Espanha, foi premiada pela União Europeia como Região Empreendedora Europeia. A presidente regional, Isabel Díaz Ayuso, afirmou que uma das estratégias usadas foi justamente evitar o fechamento das empresas.

Em seu discurso, ela disse que “fechar é muito fácil e abrir é muito difícil. Quando os negócios, principalmente os familiares, que são a maioria, fecham, não abrem mais depois. Não há subsídio que minimize o fechamento”. Durante o período de dificuldade financeira, ela investiu em incentivos para estimular o empreendedorismo, como a redução de impostos. Na saúde, ela investiu em um projeto que acompanha a evolução do vírus por meio das águas residuais, em um hospital próximo ao aeroporto e na testagem em massa.

Até quando?
Por mais quanto tempo o povo brasileiro vai suportar sobreviver nessas condições? Por que não se investe em campanhas educativas para alertar a população para os cuidados individuais e em fiscalizações? Ações como a testagem em massa, o isolamento de infectados, a limitação de pessoas nos espaços, a obrigatoriedade do uso de máscara e o combate a eventos clandestinos são responsabilidades públicas que não podem ser negligenciadas.

Enquanto alguns políticos trabalham para garantir votos nas próximas eleições, a população sofre com a falta de iniciativas eficientes e de equilíbrio nas ações. Vale pensar: até quando os interesses políticos vão se sobrepor às necessidades do povo?

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Colaborador

Cinthia Cardoso / Fotos: Getty Images e arquivo pessoal