Você tem noção do que replica na internet?
História de falso post serve de lição sobre o que publicar nas redes sociais
Já imaginou ter sua vida virada de cabeça para baixo depois de ser alvo de uma mentira que pode destruí-lo em todos os aspectos? Uma jovem, moradora do Piauí, cuja identidade decidimos preservar, foi personagem de uma história que virou um pesadelo. Em 2016, começou a circular na internet uma mensagem que viralizou rapidamente e a identificava com uma mulher que estava passando Aids às pessoas.
O autor da notícia colocou uma foto da jovem, hoje com 20 anos, para ilustrar um falso perfil no WhatsApp. Ele montou uma conversa em que a jovem dizia que tinha o vírus HIV e afirmava que iria passá-lo a todos sem nenhuma preocupação. A troca de mensagens estava acompanhada da foto de uma mulher de biquíni, parecida com ela. Como se não bastasse, a cidade em que a falsa jovem estava “atuando” mudava de acordo com quem passava a mensagem adiante, o que fez com que a informação mentirosa se espalhasse por todo o País.
A jovem soube dos boatos quando pessoas próximas a ela lhe questionaram sobre a mensagem. Ao saber, ela correu para a delegacia e denunciou o crime, mas diz que até hoje não conseguiu descobrir o autor do falso post. Logo depois, a jovem publicou um vídeo no YouTube para se defender. “Eu recebi uma mensagem de uma amiga minha e uma ligação do meu irmão, falando que fizeram uma “sacanagem” comigo, destruindo a minha vida. Isso é crime o que fizeram. Não desejo isso para nenhuma inimiga minha. Nunca fiz nada a ninguém para passar por isso. Quero deixar bem claro que não tenho nenhuma doença”.
O fato causou problemas que alteraram completamente a rotina com a qual ela estava acostumada. Ela não podia sair, só queria ficar dentro de casa chorando e foi obrigada a mudar de cidade. Passado um ano da divulgação do boato que mudou completamente a vida dela, a jovem ainda mantém em destaque, em sua verdadeira página do Facebook, a imagem do exame que fez para provar que não tem o vírus HIV e que não é a personagem criada no WhatsApp.
Ferramentas
Para Álvaro Gullo, doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), a utilização das redes sociais como ferramenta para difamar alguém é puro reflexo dos tempos em que vivemos. “Não é de hoje que isso acontece. Isso sempre existiu, mesmo antes da internet. O que ocorre de diferente agora é que esses fatos acabam sendo potencializados pela internet e pela mídia que se aproveita de acontecimentos como esse. Hoje é muito mais fácil por causa da comunicação. Virou uma mercadoria. Casos pontuais se tornam casos internacionais”, analisa ele.
Para Gullo, trata-se de um desperdício usar a internet para causar um prejuízo pessoal a alguém. “É um meio tão rico e repleto de oportunidades de aprendizado que subutilizá-lo dessa forma é algo lastimável. É como jogar pérolas aos porcos. Já imaginou usar essa criatividade para algo que fosse produtivo?”, pergunta ele.
Na opinião do professor, fatos como esse só acontecem porque hoje uma grande parcela da população que utiliza esse meio não tem referências básicas e valores que venham da família e da escola. “Se não há referência, o indivíduo cai nessa trama, em um mecanismo de estímulo-resposta, inclusive replicando o que há no post sem saber se ele é verdadeiro ou não. Até coisas corriqueiras tomam uma dimensão mais amplificada em discussões que seriam desnecessárias”, avalia.
Corrente do mal
Não são poucos os que, sem saber, enviam ou replicam mensagens mentirosas pelas redes sociais. Alguns realmente não têm ideia do que estão compartilhando e até acham que podem ajudar outras pessoas ao divulgar tais informações. Mas muitos, como quem teve essa ideia terrível de fazer o que fez com a jovem citada no início da matéria, têm a exata noção do que estão fazendo e do que podem causar na vida daquele que é seu alvo.
O que eles não devem ter ideia é do mal que trazem para si mesmos ao tentar destruir a vida de outra pessoa, seja por raiva, inveja, ódio, ou qualquer outro motivo. “Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no Dia do Juízo; porque, pelas tuas palavras, serás justificado e, pelas tuas palavras, serás condenado.” (Mateus 12. 36-37).