Você sabe o que é desonestidade intelectual?

Diferentemente de outras práticas da desinformação, ela engana ao colocar a verdade como algo relativo

A era da informação e do conhecimento acabou se transformando na era da desvalorização da verdade e da desinformação. Com as populares fake news e ainda a tímida pós-verdade, esse time antagônico também é reforçado pela desonestidade intelectual. Apesar de ser um termo não muito conhecido, sua prática é comum e milenar.

Conta-se que na Grécia Antiga, enquanto filósofos norteavam a educação, os sofistas formavam um grupo de pensadores que propagavam a arte da retórica, ensinando sobre a capacidade de argumentar em relação a qualquer assunto, mesmo que os argumentos usados fossem inverídicos, para vencer qualquer debate de ideias. Essa prática deu origem ao que conhecemos atualmente como desonestidade intelectual.

O advogado e professor universitário Daniel Costa explica que ser intelectualmente desonesto está associado à dissonância cognitiva, em que o indivíduo busca coerência para sustentar sua própria opinião: “ser desonesto intelectualmente não é o mesmo que mentir. A desonestidade intelectual é a prática da defesa de uma ideia sobre determinado tema valendo-se de dados ou argumentos que se sabe serem incompletos, inverídicos, desabonados, inócuos ou que, semelhantes, mas não aplicáveis por questões econômicosociais, dentre outras”.

Não é apenas uma “boa” história
Apesar do acréscimo do termo “intelectual”, essa continua sendo uma forma de desonestidade. A diferença é que ela se apresenta como distorção da verdade para defender um ponto de vista, acreditando que está tudo bem em ser desonesto desde que se consiga defender sua opinião enquanto engana o receptor da mensagem e ainda o convence a pensar da mesma forma por meio de seu pseudoargumento.

São exemplos os terraplanistas, que refutam o fato do planeta Terra possuir um formato esférico e discursam de maneira bem convincente, ou dos chamados “antivacinas”, que desacreditam a eficácia da vacinação para erradicar doenças por meio da imunização em massa – segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), esse movimento crescente ameaça a saúde pública.

Costa diz que “para se construir essas narrativas são utilizados dados ou argumentos inverídicos com o intuito de ver ‘vencedor’ o seu próprio argumento”. Mas a desonestidade intelectual não se restringe apenas a um raciocínio lógico com aparência de verdade, ela também pode ser apresentada quando a pessoa cria falácias para parecer correto enquanto omite informações, esquiva-se de responder uma pergunta em um debate ou discussão e até se apropria de ideias alheias sem dar os devidos créditos.

Tudo isso torna mais difícil o reconhecimento e a explicitação da desonestidade intelectual, mas é possível afirmar que ela acontece quando quem tem o poder da palavra se aproveita de sua posição de influência e se vale, conscientemente, de elementos que não se adequam à lisura, ensina o professor Daniel Costa.

Honestidade é inegociável
Vale destacar que as práticas da desinformação são diferentes umas das outras. Enquanto as fake news são notícias ou boatos fundamentados em dados falsos, a pós-verdade apela para a emoção com base nas crenças com a intenção de moldar a opinião pública ou o comportamento. Já a desonestidade intelectual faz uso de informações, dados ou ideias incompletas ou que já se provaram incorretas para construir um argumento lógico e impor tal ideia como verdade absoluta.

Com o advento da internet e a popularização das redes sociais, todos têm o poder da palavra e podem compartilhar o que pensam sem qualquer interlocutor e, infelizmente, acreditam na isenção de sua responsabilidade com a verdade e a honestidade. Por isso, tantas argumentações inverídicas proliferam e ganham simpatizantes com tanta facilidade.

Sim, todo indivíduo tem o direito de expressar suas ideias, opiniões e crenças. Aliás, pontos de vista são importantes para o desenvolvimento na área profissional, para instigar o debate saudável no ambiente acadêmico e até para a construção da sociedade e manutenção da democracia. Mas todos esses benefícios se perdem quando alguém é intelectualmente desonesto. Para não cometer tal ato é necessário aceitar a possibilidade de estar errado e buscar as informações corretas para comprovar ou não as ideias preliminares.

Para não ser vítima da desonestidade intelectual “é preciso preparo, leitura, interesse por obter informação e notícia de mais de um meio de comunicação, buscar ouvir e ler especialistas com pontos de análise diversos e com fonte de estudo e empírica reconhecida e, daí sim formar o próprio conhecimento”, diz Costa.

Cada um deve fazer da honestidade intelectual uma prioridade inegociável em todas as circunstâncias (nos relacionamentos pessoais, nas questões profissionais, nas ideias que fundamentam sua cosmovisão e até na hora de avaliar o cenário político). Todos temos um papel fundamental no combate à desinformação e na defesa da verdade e, para isso, ser honesto não é apenas uma opção.

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Colaborador

Laís Klaiber / Foto: Getty Images