Três anos da tragédia de Mariana: o crime se renova

Após inúmeros debates, acordos funcionam no papel, mas não na prática

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No dia 5 de novembro, a tragédia de Mariana, em Minas Gerais, completará três anos. À medida que o tempo passa, o maior desastre socioambiental do Brasil é esquecido. O rompimento da barragem do Fundão, propriedade da mineradora Samarco, controlada pela brasileira Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton, ocorreu em 2015, quando a lama de rejeitos soterrou os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu e se espalhou por 35 cidades entre os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. O desastre deixou 19 mortos e centenas de pessoas sem lar. A lama tóxica percorreu 600 quilômetros da bacia do Rio Doce até chegar ao litoral do Espírito Santo.
A Samarco criou a Fundação Renova com o intuito de reparar os danos. No entanto, segundo os atingidos, os avanços para sanar a questão foram mínimos. No mês de outubro passado, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e a Fundação Renova fecharam um acordo exclusivo de indenização com os moradores de Mariana, considerando que cada vítima teria direito a negociar um valor individualmente com a fundação. Em média, cerca de 4 mil pessoas seriam beneficiadas em 2019. Por esse motivo, o presidente da Vale, Fábio Schvarstman, anunciou que a Samarco pretende reiniciar suas atividades em 2020 para favorecer as indenizações.
O lado das vítimas
Para Camila Brito, membro do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o balanço desses três anos é negativo, pois os direitos das vítimas não foram reconhecidos e falta uma boa gestão para atender as famílias. “Vejo poucos avanços e violação dos direitos humanos, as famílias ainda lutam pelos direitos básicos que deveriam ter sido conquistados em 2015”, aponta.
Quanto às indenizações, Camila esclarece que foram assinadas apenas no município de Mariana e não nas outras cidades da bacia. Ela denuncia que a negociação individual pode gerar problemas de desvio monetário, fazendo com que as empresas se aproveitem da fragilidade dos atingidos. “Apoiamos a negociação coletiva com o apoio de uma assessoria jurídica. Os valores oferecidos aos atingidos são menores do que eles têm direito. A Justiça não os defende”, explica.

O produtor de leite Marino D’Ângelo, atual morador do distrito de Águas Claras, teve sua residência destruída em Paracatu de Cima. Além de perder a sua principal fonte de renda, a tragédia lhe causou uma forte depressão. Hoje, ele mora em um sítio alugado pela Samarco enquanto o reassentamento familiar, modalidade pela qual terá direito a escolher um terreno igual ao que perdeu, nunca chega. “A Renova prometeu, mas não cumpriu. O cadastro é confuso, os moradores não entendem todos os termos e, dessa forma, ela (a Renova) se aproveita de nós. Concluímos que ela ganha dinheiro em cima dos atingidos, assume compromissos no papel e na Justiça, mas nada ocorre na prática.”
Marino desistiu do reassentamento depois que a Fundação Renova exigiu muitas informações burocráticas para comprovação das propriedades escolhidas pelos moradores. “Todo dia a Renova refaz os cadastros ou inventa uma nova etapa. Agora vou lutar para ser indenizado.”
Camila afirma que há inúmeros os entraves para não reconhecer os moradores atingidos com direito à indenização. “Em Paracatu e Gesteira, muitos não foram reconhecidos por morar a 300 metros do problema. No caso dos pescadores, quem está a mil metros do rio também não é atingido. Os critérios da Renova nunca são claros.”
A Folha Universal entrou em contato com a Fundação Renova para esclarecimentos, mas até o fechamento desta edição não obteve resposta.

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Colaborador

Katherine Rivas / Fotos: Reuters