Rolagem de feed nos celulares chega a 92 metros por dia

Uso indiscriminado do telefone pode formar opiniões radicais equivocadas e estar apodrecendo o cérebro dos usuários

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Ficar “preso” ao feed do celular, quase por tempo indeterminado, parece já ter se tornado uma constante na vida da maioria das pessoas que têm o aparelho. Segundo um artigo científico intitulado “Por dentro da fábrica de espelhos da casa de diversões: como as mídias sociais distorcem as percepções das normas”, publicado no final de 2024 na Science Direct (base de dados que compreende mais de 25% de todo o conhecimento científico público no mundo), todos os dias, as pessoas rolam cerca de 92 metros de feed nas redes sociais, quase o equivalente à altura da Estátua da Liberdade, nos Estados Unidos.

O número de usuários de mídias sociais no Brasil no início de 2024 era equivalente a 66,3% da população total, ainda que uma mesma pessoa possa ter mais de um perfil, segundo um relatório digital divulgado no início de dezembro passado pela We Are Social e Meltwater (agências de liderança social). Contudo a absorção de atenção pelas redes sociais não para por aí: os brasileiros dedicam diariamente, em média, 9 horas e 13 minutos às redes. O Brasil é o segundo maior consumidor de mídias sociais, atrás apenas da África do Sul, onde os usuários ficam cerca de 9 horas e 24 minutos envolvidos com a internet.
O problema é que, de acordo com o artigo da Science Direct, a maioria das pessoas faz isso de forma casual, mas elas estão formando suas opiniões naquele ambiente virtual. Segundo o artigo, muitas vezes essas opiniões são baseadas nas pessoas mais radicais e nos conteúdos mais extremos que aparecem na tela, o que pode levar as pessoas a acreditarem erroneamente que todo mundo pensa daquela maneira. E a bem da verdade: são justamente os conteúdos mais extremistas, alarmantes e polêmicos que ganham mais espaço nas redes sociais, pois eles geram mais engajamento e, consequentemente, mais dinheiro para as empresas proprietárias desses ambientes.

Prisão sem grades

Claudio Akimoto, psicólogo, psicanalista, membro do Instituto Vox de pesquisa e coautor do livro O Sujeito na Era Digital: Ensaios sobre Psicanálise, Pandemia e História, afirma que as redes sociais já são programadas para manter as pessoas por horas presas a elas: “o objetivo é pegar o máximo do nosso tempo e da nossa atenção. Vivemos em um mundo em que a sociedade estimula e favorece a busca por pequenos prazeres, fáceis e rápidos, como dar uma olhadinha no celular enquanto estamos no elevador, ou quando estamos no banheiro ou logo antes de dormir. Esses pequenos prazeres facilitam que a rede social entre na nossa vida e ocupe espaço”.

Ele explica que, no começo das redes sociais, havia a timeline e que hoje isso mudou: “você recebia os conteúdos de acordo com a linha do tempo. Quem postava primeiro aparecia primeiro. Hoje, com o feed, que é essa alimentação exagerada de conteúdo para consumir, não há mais a ordem cronológica. O algoritmo vai embaralhando os conteúdos ali de acordo com o que ele julga que é mais eficaz e isso cria a ilusão de que teremos infinitos conteúdos. A partir do momento que o algoritmo consegue embaralhar, ele consegue sempre destacar algo novo e isso cria uma ilusão de que sempre pode vir algo a mais”.

Segundo ele, prender o usuário faz parte da estratégia do algoritmo até nas ações mais básicas. “Essa coisa do feed de notícias que você puxa para baixo para atualizar, para dar um refresh, foi desenvolvida com inspiração nas máquinas caça-níqueis que há nos cassinos. Você põe a moeda e puxa a alavanca para baixo para ver se vai ganhar. Então, o feed é uma grande loteria”, analisa.

Nessa loteria, como nas outras, quase todos perdem. E uma grande derrota é a formação de juízos nesse ambiente insalubre de opiniões rasas e extremistas. “As redes sociais acabam sendo um espaço de debate público, de compartilhamento de opiniões. Hoje em dia as pessoas recebem as notícias mais pelos canais on-line do que pelas mídias tradicionais. No Brasil, principalmente, temos um movimento muito curioso e recente: sites de fofoca que começaram com ‘memes’ estão se posicionando como páginas de notícias. Você tem uma disputa de narrativas, de histórias.”

Para Akimoto, os usuários se enganam ao pensar que as redes sociais proporcionam um período de descanso. “Na verdade, é um momento muito estressante. O trabalho mental de acompanhar o conteúdo é extremamente cansativo. É como se o seu cérebro estivesse correndo uma maratona. É um monte de conteúdo super-rápido, um diferente do outro, e você tem que tentar entender e, quando você entende, já mudou para o próximo vídeo. A expressão ‘brain rot’, se refere a isso, a apodrecer o cérebro pelo estímulo intenso e constante.”

Na opinião dele, só cortar o uso do celular do dia para a noite não resolve o problema. “Provavelmente, você vai ter uma recaída. Hoje em dia os próprios celulares vêm com ferramentas para saber quantas horas você usou e dá para configurá-los com um limite de uso de horas por dia. Também vivemos a ilusão de que se tirássemos as notícias falsas ou informações ruins a internet ficaria saudável. Isso não é verdade. O jeito que o feed funciona, mesmo com notícias verdadeiras, faz mal”, conclui.

A única solução para conter o dano causado por esse ambiente é o autocontrole e, no caso de pais, o controle de seus filhos. Sem isso, muito em breve rolaremos muito mais do que 92 metros de tela e os prejuízos à sociedade serão imensuráveis.

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Colaborador

Eduardo Prestes