Qual é o seu escape?

Ao tentar fugir de uma situação difícil, você pode se deparar com outra ainda pior. Para que isso não aconteça, é preciso enfrentar sua origem. Saiba como

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Independentemente do momento da vida que uma pessoa está, ela sempre tem diversos problemas para resolver. No entanto, por natureza, o ser humano não gosta de passar por sofrimentos e, por isso, tende a buscar uma forma que não seja dolorosa de enfrentar suas dificuldades. Para isso, ele começa a pensar em estratégias para criar uma “válvula de escape” capaz de fazê-lo se desviar dessas situações.

Esse tipo de estratégia é chamada de escapismo e ocorre de forma inconsciente, sem que a pessoa se dê conta de que está fugindo da dificuldade, como explica o psicoterapeuta e escritor Fernando Vieira Filho: “por exemplo, quando uma pessoa sente uma dor moral como uma culpa, ou emocional, como um remorso, ela inconscientemente busca um jeito de aliviá-la”.

O problema é que, muitas vezes, ela se apega tanto a essa estratégia que acaba se deparando com outra situação ainda pior. “Ela não consegue controlar esses sentimentos e arruma uma forma de se sabotar. Foge de um problema, mas cai em outro, sem perceber”, esclarece o profissional.

O especialista diz que esse escapismo gera outros sentimentos negativos, porque a pessoa tenta compensar a dor com outra. “Acontece uma autopunição, porque, em vez dela trabalhar a dor emocional, ela prefere a saída que, aparentemente, parece mais fácil.”

Essa situação de escapar de um problema é bastante comum entre dependentes químicos. “Muitos viciados em drogas encontram nesse meio de vida a saída para esquecer dos seus problemas. Às vezes, não querem nem sair dessa situação por conta desse esquecimento”, comenta Vieira Filho.

Autodestruição

O ato de escapismo traz para o indivíduo uma sensação momentânea de alívio das dores. Contudo, também faz com que ele passe a ter consequências drásticas em sua vida. “Qualquer coisa que a pessoa faça constantemente, de forma compulsiva e de modo que lhe prejudique, faz parte de um comportamento autodestrutivo”, revela a psicóloga Hellen Chagas da Silveira.

Há situações em que essas estratégias de escapismo parecem ser positivas, como recorrer ao trabalho ou ao esporte para aliviar um estresse emocional. Entretanto, podem trazer prejuízos se houver desequilíbrio. “A pessoa que se ocupa de forma exagerada para fugir de uma situação não traz benefícios para si, mas sim novos problemas”, comenta a especialista.

Ela cita alguns exemplos: “Uma mulher que faz compras todas as vezes que briga com o namorado/marido pode tornar isto em obsessão. Um rapaz que permanece 12 horas no trabalho para ficar longe de casa porque não tem paz no seu casamento se torna um trabalhador compulsivo. Uma jovem que faz exercícios na academia até sentir dores no corpo porque não consegue se alimentar bem acaba fincando doente”.

Outra situação bastante comum é o ato de descontar na comida algum sofrimento, gerando posteriormente uma compulsão alimentar. A nutricionista Carla Macedo Seixo define que essa situação é conhecida por fome emocional. “Trata-se do disfarce favorito da ansiedade. A pessoa come não para preencher um vazio do estômago, mas para preencher um mal-estar emocional. Em vez dela investigar essa emoção, acaba enterrando-a na comida, obtendo um alívio que vai durar apenas na digestão. Depois, ela se sente pior e ainda culpada”, esclarece.

Para esquecer dos problemas

Uma pessoa que recorre a bebidas alcoólicas por não saber lidar com seus sentimentos também pode gerar prejuízos para sua vida decorrentes desse vício.

Isso aconteceu com Vilmar Barbosa Telles, de 54 anos (foto abaixo), que ficou dependente do álcool durante 37 anos.

Aos 14 anos, ele começou a beber para se enturmar com seus colegas. “Eu sentia um vazio muito grande e a bebida me deixava alegre e me fazia sentir igual a meus colegas”, revela.

Ele também não conseguia se relacionar com ninguém. Mas, quando bebia, se sentia menos tímido. “Era mais fácil para arrumar namorada porque eu ficava mais comunicativo e me tornava popular.”

O tempo foi passando e Vilmar via que toda situação difícil que aparecia era motivo para que ele bebesse. Aos poucos, foi se viciando. “Eu ficava no bar o dia todo, desde as 9 horas da manhã. Minhas filhas tinham vergonha de mim”, conta.

Aos poucos, outros problemas foram surgindo, como o fato de perder alguns empregos. “Às vezes faltava; outras, bebia no trabalho e aí o rendimento não era bom”, se recorda.

Em casa, as brigas eram constantes. “Minha mulher me chamava de ‘bebão’ porque eu ficava o tempo todo com cheiro de bebida no corpo”, conta.

Mas um dia ele entendeu que essa “válvula de escape” que ele tinha escolhido no passado apenas mascarava seus problemas. Então, ele recorreu a Deus. “Eu estava sentado bêbado em uma sarjeta quando uma senhora me deu um esemplar da Folha Universal para que eu lesse. Eu fui até uma Universal, participei da reunião do Tratamento da Cura dos Vícios e me curei”, comemora.

Há dois anos Vilmar não bebe mais. “Entendi que é preciso tratar a raiz do problema, buscar a ajuda de Deus para resolver as situações e não cair nessas armadilhas da mente”, conclui.

Mente pressionada

Muitas “válvulas de escape” procuradas para fugir de um problema são as que estão mais facilmente à disposição do indivíduo. “Um jovem, por exemplo, tem a internet disponível a todo tempo. Então, fica horas navegando, tentando ocupar a mente para afastar os pensamentos que lhe afligem”, explica a psicóloga Hellen.

Era assim que agia Felipe Alonso David, de 22 anos (foto à esquerda), que desde os 10 anos participava de jogos on-line para aliviar a tensão que vivia em casa. “Eu tinha problemas com meus pais a ponto de sentir medo deles me matarem. Então, me trancava no quarto para ficar jogando.”

Nessa época, ele tinha muitos conflitos interiores. “Sentia complexo de inferioridade, timidez e depressão. Então, achava que jogando eu me sentia bom em alguma coisa, porque nas competições eu era acolhido pelos colegas”, argumenta.

O problema é que o ato de se distrair com os jogos se tornou um vício. “Eu ficava mais de dez horas por dia jogando e nos feriados e fins de semana eram 24 horas seguidas.”

Aos poucos, ele começou a sofrer de síndrome do pânico. “Eu só conseguia parar de jogar quando já estava bem cansado para dormir. Mesmo assim ainda tinha insônia, ansiedade e outras sensações ruins.”

Com o decorrer do tempo, ele passou a jogar para evitar outras dificuldades que surgiam. “Eu não queria assumir responsabilidades e tinha medo do que eu seria no futuro, então buscava a facilidade nos jogos”, justifica.

Essa dependência lhe trouxe inúmeros prejuízos. “Cheguei a reprovar dois anos na escola e perdi muitas oportunidades na adolescência.”

O medo dos pais, em vez de ser superado, aumentou ainda mais. “Toda vez que eu os encontrava meu coração acelerava. Então, colocava qualquer coisa na porta do quarto para fazer barulho e, se eles chegassem, eu estaria pronto para revidar.”

Aos 20 anos, ele foi convidado por sua mãe para participar de uma reunião no Templo de Salomão. Na ocasião, pediu para Deus curá-lo desses sentimentos. “Falei para Ele: ‘se o Senhor me trouxe aqui, então é para que o Senhor mude minha vida. Daquele dia em diante tudo passou a mudar, até que um dia fui jogar e não vi mais prazer naquilo”, relata.

Fraqueza emocional

O psicoterapeuta Fernando Vieira Filho ressalta que a pessoa que tem uma atitude de escapismo tem características peculiares. “Geralmente são pessoas com baixa autoestima, sem amor-próprio, que não se aceitam como são e se sentem desvalorizadas”, elenca.

Há alguns anos, o empresário do ramo de marketing Hugo Pereira Adorno Júnior, de 22 anos (foto abaixo), só conseguia se sentir bem se estivesse acompanhado. Por isso, recorria às amizades. “Quando estava sozinho me sentia vazio, agoniado e não conseguia ter paz.”

O problema é que ele acabou se envolvendo com pessoas erradas. “Na minha frente eram uma coisa, mas por trás eram totalmente diferentes. Só queriam saber de mim para acompanhar nas baladas e nos bares que frequentávamos. Era eu dar as costas que descobria que estavam me difamando para todos ao meu redor”, afirma.

As amizades tóxicas foram a porta de entrada para uma série de outros problemas. Ele se afastou de Deus e dos pais e ainda passou a ter maus hábitos, como beber e passar diversas madrugadas fora, já que trabalhava como barman.

Por causa dessas atitudes, desenvolveu crise de ansiedade, síndrome do pânico e até uma doença adquirida por uma bactéria no estômago e que afetou outros órgãos. “Quase morri duas vezes. Fiquei em uma UTI cheio de aparelhos, com pressão alta e o rim completamente inchado”, descreve.

Diante daquela situação, ele percebeu que as amizades que fez, em vez de lhe trazerem a paz, lhe trouxeram apenas danos. “Estava no fundo do poço e sem nenhum dos amigos que eu havia feito.”

Então, ele decidiu pôr fim à situação. Primeiramente, saiu das redes sociais e desfez todas as amizades tóxicas. “Cortei o mal pela raiz. Me afastei de todos e até mudei de região.” Em seguida, se voltou para Deus. “Refiz minhas amizades com amigos verdadeiros, encontrei uma namorada e passei a viver em paz com a minha família”, celebra.

Longe do objetivo

Ao fugir de um problema, o indivíduo pode acabar menosprezando algumas áreas da vida porque passa a dar prioridade para a estratégia que escolheu.

A psicóloga Hellen relata que essa atitude gera um ciclo vicioso negativo, porque a pessoa vai caminhando cada vez mais para sua desvalorização. “O tempo vai passando e ela sente que está ficando para trás, não realizada, longe dos seus objetivos iniciais e com mais problemas à vista”, lista.

O doutor em ciências Luciano Roberto da Silveira, de 39 anos (foto à direita), sentiu isso durante alguns anos ao tentar se distanciar dos problemas familiares que enfrentava.

Ele tinha o sonho de cursar Engenharia da Computação em uma boa universidade, mas para isso teria que se dedicar bastante aos estudos. Entretanto, aos 17 anos, após ter concluído o ensino médio profissionalizante, seus pais o cobravam para que ele trabalhasse.

Apesar de procurar emprego, ele não encontrava. Por isso, a convivência em casa ficava mais difícil. “Isso acabou resultando em dores de estômago e insônia. Eu não conseguia a solução imediata que queriam e me via punido por isso, pois percebia a insatisfação de todos. Era como se minha presença em casa fosse indesejável, pois gerava gastos”, conta.

Após cinco anos, ele começou a trabalhar em um emprego de que não gostava. Apesar disso, continuou trabalhando para tentar realizar o sonho de entrar na concorrida faculdade. “Eu me via preso à situação e fazendo o que não queria fazer. Precisava trabalhar para ter alguma quantia para os vestibulares.”

Dois anos depois, ele pediu demissão e novamente voltou a se dedicar aos estudos. Contudo, a cobrança dos pais voltou. “Eu via meus amigos se formarem na universidade e eu no mundo à parte, só perdendo tempo”, lamenta.

Para tentar encontrar uma solução, Luciano prestou vestibular para outro curso, o de Ciências em Alimentos. “Assim, teria oportunidade de morar em outra cidade, estar em um ambiente acadêmico, trabalhar menos e, de quebra, estudar para outro vestibular, caso não gostasse do curso.”

Como não era o que realmente queria, durante a graduação ele prestou outros vestibulares. No entanto, nenhum foi capaz de satisfazê-lo. Com isso, os conflitos internos se intensificaram. “Havia me tornado um cumpridor de papéis em nome da boa convivência. Sentia-me obrigado a fazer o que fazia e sem uma identidade, sem saber quem eu era”, lembra.

Para permanecer na área acadêmica, Luciano fez mestrado e, em seguida, doutorado. Ele adquiriu muitas experiências, fez amigos, produziu vários trabalhos científicos e alcançou títulos. Porém, o rumo que tomou o distanciou de seu sonho inicial.

Agora, ele entende que não se deve fugir de um problema. “Hoje sei que minha felicidade não pode ser renunciada em prol da felicidade alheia. O que importa é fazer escolhas de acordo com objetivos que esperamos para a vida, por mais que haja pressão, julgamentos ou situações adversas”, aponta.

O enfrentamento

Todos esses comportamentos autodestrutivos poderiam ter sido evitados se os problemas que o geraram tivessem sido resolvidos na sua origem. Por isso, ao sentir uma emoção derivada de uma situação difícil, confronte-a, como explicou o bispo Renato Cardoso recentemente em uma reunião no Templo de Salomão, em São Paulo: “muitos maus pensamentos derivam de emoções ruins. Se você é tomado por uma tristeza e não a rebate, nada vai resolver. Você tem que sacudir a tristeza e ser prático”, orientou.

Ele deu o exemplo de Davi quando perdeu o seu filho, fruto de um adultério. “Enquanto o filho estava doente, Davi ficou preocupado e jejuou, orou, fez de tudo por ele. Mas, quando o filho morreu, ele foi prático: mandou fazer um jantar, pediu roupas limpas e ninguém entendeu nada. Então, Davi disse: ‘enquanto meu filho estava vivo, dava para ser feito algo. Mas, ele estando morto, já não dá mais.’ Ora, ele foi prático.”

O palestrante alertou que essa atitude traz resultados positivos. “Se você se volta para a fé, você domina qualquer sentimento. Você não deixa aquilo continuar para não se transformar em coisas piores”, ensinou.

Para isso, é importante ter a presença de Deus. “É preciso buscar os pensamentos de Deus, porque senão você estará pensando coisas do mal. Para dominar essas emoções, só com o Espírito de Deus. Sem Ele é muito difícil rebater as emoções e vencer os maus pensamentos”, finalizou.

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Colaborador

Por Janaina Medeiros/ Fotos: Fotolia, Marcelo Alves, Arquivo Pessoal e Mídia FJU