Os efeitos da solidão equivalem aos efeitos do tabagismo

Companhia cruel, a solidão tem se revelado uma ameaça à saúde pública e, principalmente, ao bem-estar físico e mental. As consequências dela, porém, não param por aí

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Vivek Murthy, que foi nomeado por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos (EUA), como o 21º cirurgião-geral dos Estados Unidos e se tornou autoridade máxima em saúde pública no país, afirmou, no início de maio, que a solidão pode ser tão prejudicial quanto o tabagismo. De acordo com ele, há fortes razões para crer que a solidão causaria maior risco de ansiedade, depressão, doenças cardíacas, derrame e até demência. Desde então, várias autoridades têm sido convidadas a tratar o assunto com a mesma urgência que outras doenças graves, como a obesidade e o abuso de drogas, são debatidas.

Estima-se que cerca de metade dos adultos estadunidenses sintam solidão diariamente, situação que, vale ressaltar, já assombrava muitas pessoas antes da pandemia de covid-19.

Murthy veio a público munido de estatísticas e uma série de estudos científicos.Segundo um deles, a solidão aumentaria o risco de morte prematura em 26% e de isolamento social em 29%. Já outro estudo, que discorreu sobre conexão social, expôs que o risco de morte prematura atrelada ao isolamento e à solidão se aproxima do vinculado ao consumo de até 15 cigarros por dia, algo tão nocivo quanto os perigos da obesidade e da inatividade física. A solidão também foi relatada como um dos principais gatilhos para a automutilação. “Dadas as profundas consequências da solidão e do isolamento, temos uma oportunidade de fazer os mesmos investimentos para lidar com a conexão social que fizemos para tratar do uso do tabaco, o combate à obesidade e a crise do vício”, declarou Murthy, que enxerga a solidão e o isolamento como ameaças à saúde pública.

Alguns estudiosos comparam a dor da solidão à da fome, ou seja, como um sinal biológico de que algo está errado. De acordo com o jornal The Washington Post, uma das definições mais amplamente aceitas de solidão é que se trata de uma angústia que as pessoas sentem quando a realidade não atende ao seu ideal de relações sociais. Mas a solidão não é sinônimo de estar sozinho, assim como estar rodeado de pessoas não garante estar imune a ela.

Especialistas opinam que, como a solidão pode levar ao estresse crônico e, consequentemente, a uma resposta inflamatória maior, ela deixaria tecidos e vasos sanguíneos danificados. Estudiosos da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia e da Universidade de Chicago, ambas dos Estados Unidos, já tinham desvendado respostas complexas do sistema imunológico em pessoas solitárias e, dentre as anormalidades, que os monócitos, um tipo de glóbulo branco que compõe uma das primeiras linhas de defesa do corpo contra infecções, podem aparecer drasticamente alterados em pessoas socialmente isoladas. Monócitos imaturos, que podem proliferar no sangue de pessoas solitárias, causariam inflamação e reduziriam a ação dos anticorpos.

GERAÇÃO AFETADA
A psicóloga Simone Mendes, que atua com saúde pública, observa que, atualmente, as clínicas psicológicas têm percebido um aumento considerável de pessoas em busca de tratamento. “As queixas são comumente relacionadas a reações físicas, como dores persistentes, insônia, conflitos relacionais, vícios das mais diversas ordens e compulsões. Mas, ao aprofundarmos a demanda, o que fica evidente é que estamos diante de uma geração que foi afetada em suas relações sociais”, relata Simone. Para ela, “apesar de vivermos em uma sociedade com maior diversidade e mais possibilidades de travar experiências sociais, a inabilidade no equilíbrio emocional, no convívio saudável e a falta de autoconhecimento têm favorecido o adoecimento por medo do abandono e da rejeição, transformando as relações sociais em uma experiência desreguladora e colocando a solidão como uma válvula de escape para fugir da angústia”.

Combatendo o problema
Simone cita que existem formas para que a solidão seja vencida e elenca uma delas: “ajudar as pessoas a validar a ideia de que estar só é uma possibilidade de autoconhecimento, de explorar as próprias potencialidades e que nem sempre estar só é sinônimo de fracasso e de falta de importância”. Além disso, ela julga que é fundamental “resgatar a importância das boas relações sociais como fator protetivo de adoecimento mental e emocional”. Ela aponta como antídoto ações de inserção em atividades familiares, religiosas e culturais no bairro e na comunidade.

É curioso notar que, embora nas maiores taxas de isolamento social constem adultos mais velhos, são os adultos jovens que têm mais chances de relatar que se sentem solitários. “O índice de jovens adultos solitários e que sente solidão aumentou significativamente. Minha experiência mostra a influência da violência urbana, da violência familiar, a existência de pais desconectados das relações e que buscam apenas dar o provimento material, o uso excessivo de telas, que distancia o olho no olho, o contato físico e a valorização do real, e também o imediatismo como possibilidades de frustração natural. Já em relação às redes sociais, os vários seguidores ou amigos virtuais podem fomentar muito mais dor e so162lidão do que vínculos e pertencimento tão básicos”.

Simone considera ainda que “o looping das emoções que permeiam a vida das pessoas pode ser corresponsável por vazios existenciais profundos e que muitos buscam anestesiar a dor com álcool, drogas, uso excessivo de telas, exposição desmedida da vida e da privacidade, automutilações, compulsões por compras e aquisições que estão incompatíveis com a essência do verdadeiro
significado da vida.”

NÃO DEIXA A CASA VAZIA
O Bispo Renato Cardoso explica que a pior solidão é a espiritual e, por isso, Deus deseja habitar dentro de nós: “Ele quer morar em nós para que não venhamos a ser como uma casa vazia. Se você já entrou em uma casa vazia, sabe que é possível ouvir até o eco da sua voz. Tem muita gente cuja alma está tão vazia que dá até para ouvir o eco dentro da alma dela. Deus, para evitar essa solidão espiritual, se propõe a morar dentro da pessoa”. O Bispo pondera que muitas pessoas que têm condições financeiras promovem festas todo fim de semana para diminuir a solidão. “Você fica desesperado à procura de alguém para conversar e para estar ao teu lado, quando pode ter Deus dentro de você. Deus não é contrário a que você tenha amigos ou viva situações sociais, mas sua vida não pode depender deles. Tem muita gente que é socialmente dependente e, por isso, não consegue ficar sozinha.”

A pessoa que convive com a solidão espiritual está voltada para si mesma e ignora a Deus. “Esse vazio é, basicamente, a ausência do Espírito Santo dentro dela. Deus está ao nosso lado e preenche tudo ao nosso redor, mas, assim como uma pessoa pode morrer de sede dentro do oceano, há quem morra espiritualmente ainda que o Espírito da vida esteja ao lado dela porque não abre o coração para que Ele entre.

A solidão espiritual pode ser resolvida somente de uma forma: quando você abre o coração da sua vida para o Senhor Jesus. Quando O tiver dentro de você, nunca mais se sentirá só. Ele disse que, se alguém O buscar de todo coração, esse alguém O achará (Jeremias 29.13). A escolha é sua”, conclui o Bispo.

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Colaborador

Flavia Francellino / Fotos: pixelfit/getty images e recep-bg/getty images