Fim da censura e uma imprensa livre

Essa foi a reivindicação dos jornalistas na década de 1970, uma época em que divulgar algumas verdades poderia resultar em prisão, tortura e até assassinato

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Você confiaria em um médico que lhe indicasse um tratamento sem revelar seu verdadeiro quadro clínico ou pagaria o cartão de crédito sem que houvesse a descrição de cada compra na fatura? É claro que sua resposta é “não”. Então, por que você defenderia ou acreditaria em uma imprensa privada de revelar a verdade, seja ela qual for?

Atualmente, em poucos minutos um acontecimento rompe fronteiras e é divulgado com rapidez em todo o mundo, mas, em compensação, há dificuldades que persistem, como a de exercer o direito de divulgar tudo livremente. No Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa de 2023, elaborado pela ONG internacional Repórteres sem Fronteiras e que avalia 180 países, o Brasil ocupa a 92ª posição, atrás de países como Taiwan, Libéria e Mongólia. Essa posição não é agradável e classifica a situação do País como “problemática”. Isso precisa mudar.

A liberdade de imprensa é fundamental em uma sociedade democrática, pois permite o acesso à informação completa e diversificada. Mayara Felgueiras, diretora de operações da Roxo Advogados, diz que essa liberdade é uma extensão da própria liberdade de expressão: “é o direito que os veículos de comunicação têm de publicar informações sem sofrer censuras ou represálias por parte do Estado ou de terceiros. A liberdade de imprensa garante que os jornalistas possam exercer seu papel de informar a população de forma livre, imparcial e não sofram pressões de interesses políticos, econômicos ou ideológicos”.

A descrição acima é do mundo ideal, mas, infelizmente, a realidade é um pouco diferente. Há quem manche a reputação dos jornalistas por propagar falácias e mentiras e pessoas que abusam de seus poderes para silenciar a imprensa, principalmente quando se revela algo que queriam que fosse mantido oculto, o que não é algo recente em nossa história.

Há 46 anos…
Em 7 de junho de 1977, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) divulgava um boletim sobre o manifesto assinado por quase 3 mil jornalistas que denunciavam a apreensão de periódicos e a ameaça que o Ato Institucional nº 5 (AI-5) representava. Eles também exigiam o fim da censura e uma imprensa livre. Era uma época delicada na história do País e diariamente os profissionais temiam que seu trabalho fosse impedido de vir a público, que fossem presos ou que suas vidas fossem ceifadas por divulgar algo contrário ao governo, como aconteceu com o jornalista Vladimir Herzog.

Demorou, mas os jornalistas foram ouvidos e, desde então, a data é celebrada como o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, para lembrar da coragem daqueles profissionais e trazer à memória a importância de continuarmos lutando por essa liberdade. Até porque é muito mais fácil e seguro falarmos apenas da beleza do tapete, enquanto muitos escondem sujeiras que precisam ser reveladas o quanto antes, mesmo que isso incomode quem com tanto esmero sujou e varreu tudo para lá.

“A liberdade de imprensa é de extrema importância para toda a sociedade, pois é ela que garante que todo e qualquer veículo de comunicação possa exercer seu papel de informar a população, criticar governos, órgãos, políticas públicas, políticos e a própria cena política com total imparcialidade, sem receio de perseguições, sanções ou censura. Para a população, ter uma imprensa livre de compromissos e imparcial é uma certeza de estar recebendo informações idôneas e livres de interesses, para que cada cidadão possa tirar suas próprias conclusões, formar suas opiniões e tomar atitudes diante dos fatos que lhe forem apresentados”, diz Egle Munhoz, advogada, mestre em políticas públicas e professora universitária.

Uma linha tênue
Obviamente, como tudo na vida, exercer essa liberdade requer ética, bom senso e respeito. A imprensa não é dona da verdade nem está isenta de cometer erros, mas sua essência é estar sempre em busca dessa verdade, fiscalizar o governo e entidades e transmitir à sociedade todos os fatos.

Para Mayara, a liberdade de imprensa é um importante contraponto ao poder político e econômico e pode ajudar a combater a corrupção e a garantir transparência na gestão pública. “Mas a imprensa também deve respeitar os direitos individuais, como a privacidade e a honra, e evitar a disseminação de informações falsas ou difamatórias. Por outro lado, é importante que a imprensa tenha liberdade para investigar e divulgar informações relevantes, inclusive as que possam incomodar autoridades ou instituições poderosas”, lembra.

A questão é que muitos abusam dessa liberdade e saem impunes, enquanto outros a usam com bom senso e são cancelados na internet, julgados pela população ou condenados por tornarem público algo desagradável. Há até mesmo parte da imprensa que apoia políticos e projetos de lei que minam a liberdade de expressão. Mas só há uma maneira de construir a democracia, destruir mentiras e garantir que a sociedade tenha todas as informações relevantes para exercer seus direitos e deveres: a verdade nua, crua e sem censura.

Ninguém pode tolher a liberdade de apurar, contestar e divulgar um fato e Egle ressalta que “cercear a liberdade de expressão da imprensa é colocar em risco o verdadeiro sentido da democracia, que tem em sua essência o exercício de falar o que se pensa, e da obrigação de ouvir e respeitar o que os outros pensam. Enquanto fonte de informação e formação, cercear a chegada da informação ao cidadão é limitar também a sua capacidade de pensar e de se expressar”.

Que neste 7 de junho (e nos outros dias), nós, jornalistas, nos lembremos de defender a liberdade de imprensa e usá-la com sabedoria e comprometimento com a verdade. Quanto a você, caro leitor, nos ajude a proteger essa liberdade. Escolha com sabedoria quais veículos de comunicação vai acompanhar e entenda que, às vezes, a verdade pode doer, mas ela é sempre indispensável.

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Colaborador

Laís Klaiber / Fotos: reprodução, Jorm Sangsorn/getty images e AlexLMX/getty images