Farmácias podem exigir CPF para oferecer descontos a clientes?

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“Olá! CPF na nota?”, pergunta o operador de caixa ao cliente que responde que não quer incluir o número do seu documento. “Digite o CPF para liberar os descontos”, insiste o caixa, o que deixa o cliente confuso. “Os descontos que estão nas prateleiras não aparecem automaticamente?”, questiona o cliente. “É preciso digitar o CPF para liberar”, diz o funcionário. Para não perder o desconto, o cliente cede e fornece o número do documento.

A cena, apesar de corriqueira, ilustra uma prática que pode ser considerada abusiva, além de ser uma violação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O Código de Defesa do Consumidor (CDC) proíbe o condicionamento de benefícios à obtenção de vantagens manifestamente excessivas e exigir o CPF para conceder descontos pode ser interpretado como tal, principalmente se o cliente não for informado adequadamente.

Além disso, no caso citado aqui, o cliente concedeu a informação especificamente para obter o desconto – o que por si só já pode ser uma infração –, mas também é preciso considerar o que diz a Lei Geral de Proteção de Dados: “A LGPD exige que os consumidores sejam informados sobre como seus dados serão utilizados. A ausência de informações claras sobre o uso dos dados coletados, como compartilhamento com terceiros ou publicidade direcionada, configura infração”, diz a advogada Renata Abalém, diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC) e membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP.

Decisões recentes reforçam as interpretações citadas pela advogada, como no caso em que o Procon de Minas Gerais multou a rede Raia-Drogasil em R$ 8,4 milhões por exigir o CPF dos consumidores sem consentimento adequado, caracterizando violação à LGPD e ao CDC.

Quais atitudes o consumidor deve tomar para proteger seus dados?

Renata orienta que, caso o consumidor se recuse a fornecer dados pessoais e seja impedido de receber descontos (que viabilizariam a compra de medicamentos, por exemplo), ele pode solicitar que a farmácia informe por escrito a finalidade da coleta, como os dados serão utilizados e com quem serão compartilhados.

A advogada destaca que a obrigatoriedade do documento se limita a casos específicos previstos em lei: “O estabelecimento pode se recusar a vender um medicamento controlado caso o consumidor não informe o CPF, pois nesse caso, a lei exige a identificação.”

Outra atitude que o consumidor pode tomar é procurar os órgãos competentes, como o Procon, para denunciar prática abusiva contra o CDC; a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), para reportar a coleta indevida de dados pessoais; e a plataforma consumidor.gov.br, para registrar a reclamação no site oficial do governo.

“Em casos de danos morais ou materiais decorrentes da coleta indevida de dados, o consumidor pode procurar assistência jurídica para avaliar a possibilidade de ação judicial”, explica Renata, ressaltando que a coleta de dados pessoais deve respeitar os princípios da finalidade, necessidade e transparência, conforme estabelecido pela LGPD. “O consumidor tem o direito de controlar suas informações pessoais e de ser informado sobre qualquer tratamento de seus dados”, finaliza.

Apesar desse tipo de prática estar se tornando cada vez mais comum, é preciso que o consumidor esteja atento e, sempre que possível, utilize os recursos disponíveis para se proteger. Afinal de contas, vazamentos de dados no Brasil não são tão difíceis de acontecer, ao mesmo tempo que o número de golpes cresce a cada dia que passa.

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Colaborador

Patricia Lages, jornalista / Foto: Nicoleta Ionescu/getty images