Ele poderia ter saído do tráfico?
Resgate de traficante em hospital no Rio mostra o poder do crime e da violência no País. Mas essa história poderia ter outro final. Saiba como pessoas que já se envolveram com o tráfico conseguiram sair dele
Foi uma ação cinematográfica. Na madrugada de 19 de junho, um grupo de cerca de 25 homens armados com fuzis, pistolas e explosivos invadiu o Hospital Municipal Souza Aguiar, no Rio de Janeiro (RJ). A “missão” era resgatar o suspeito Nicolas Labre Pereira de Jesus, de 28 anos, (foto ao lado) que estava internado no local desde o dia 13. Conhecido como “Fat Family”, ele seria um dos chefes do tráfico de drogas no Morro Santo Amaro, na zona sul da cidade. Durante o ataque, uma pessoa morreu e duas ficaram feridas.
O caso evidencia que o país ainda não superou muitas mazelas. A impunidade, a aplicação falha das leis, a desigualdade social, o despreparo de policiais, a corrupção em órgãos públicos e a falta de políticas públicas efetivas são apenas alguns dos problemas. Juntos, talvez eles ajudem a explicar como “Fat Family” e seus parceiros entraram para o crime. Entretanto, há outra pergunta a ser feita: seria possível que eles seguissem outro caminho?
Além disso, quase cinco brasileiros morrem a cada hora vítimas de um disparo, de acordo com o levantamento Mapa da Violência 2015 – Mortes Matadas por Armas de Fogo, do sociólogo Julio Waiselfisz. E as mortes não são cometidas apenas por procurados pela Justiça. Em 2014, 3.022 pessoas foram mortas por policiais civis e militares, aponta o 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A ação criminosa também evidencia o despreparo da segurança pública no Rio e o poder do tráfico de drogas, entre outros temas.
Final diferente
Assim como o homem resgatado de um hospital no Rio, o capixaba Jackson Nascimento, de 28 anos, (foto ao lado) já teve envolvimento com o tráfico de drogas. “Nós sempre moramos em comunidade, minha infância foi conturbada. Minha mãe estava sempre trocando de marido, tudo era briga dentro de casa. O tráfico era a oportunidade que eu via para mudar de vida”, diz.
Jackson conta como foi apresentado às drogas, aos 16 anos. “Meu colega tinha um irmão que era traficante no morro. Aí, fiz amizade com ele, que foi quem me ensinou como funcionava a venda de maconha. Logo depois compramos nossa primeira arma”, relembra.
Além da venda de maconha, ele conta que praticou assaltos. Jackson também foi baleado e até hoje tem uma bala alojada no braço. Aos 19 anos, ele pensou em sair do crime pela primeira vez. “Eu era muito nervoso. Um dia, bati na minha namorada e ela chamou a polícia. Aí procurei a Universal, já conhecia o trabalho, ela fazia evangelização na comunidade”, revela.
Jackson afirma que começou a frequentar as reuniões da Universal, mas ainda atuava no crime. “Nesse meio tempo, meu colega foi preso e eu fiquei no lugar dele no tráfico. Isso durou um mês e meio. Depois de dois meses, abri mão do tráfico e me voltei a Deus”, relata.
Após o afastamento do tráfico, Jackson se reconciliou com a família, retomou os estudos e terminou o Ensino Médio. “A primeira coisa que senti ao largar o tráfico foi paz e alegria.” Hoje, ele é casado e tem um filho de 5 meses. Ele trabalha em uma empresa e sonha em ter o próprio negócio. “Não é fácil, mas o jovem precisa ouvir o conselho de quem quer ajuda-lo de fato”, conclui ele, que orienta jovens no projeto Força Jovem Universal no Espírito Santo.
Uma opção
O bispo Marcello Brayner, coordenador da Força Jovem Universal no País, está acostumado a lidar com casos de jovens que se envolvem com o tráfico de drogas e outros crimes. “A falta de apoio e de base familiar resulta em crianças e jovens desorientados”, opina.
A explicação é confirmada por um levantamento do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo. O relatório diz que dois em cada três jovens infratores são de famílias que não têm o pai dentro de casa. Além de não viver com o pai, 42% não tinham nenhum contato com ele. Do total de entrevistados, 37% têm parentes com antecedentes criminais. O estudo foi feito com 1.500 jovens entre 12 e 18 anos que cometeram delitos na cidade de São Paulo entre 2014 e 2015.
Além da ausência da família, Brayner indica que questões econômicas, sociais e a falta de políticas públicas ajudam a explicar o caminho para o crime. Segundo ele, o incentivo à prática criminosa ocorre até mesmo dentro da escola, por outros jovens. “Os fatores são inúmeros. A vida se tornou algo banal hoje em dia e uma pessoa marginalizada não a valoriza, pois a sua vida também está comprometida. Motivos econômicos, sociais e emocionais são sem dúvida motivadores para atitudes extremas. O índice de jovens envolvidos no crime é alto justamente porque o jovem é aquele que tem força e disposição que, infelizmente, tem usado de maneira errada”, avalia.
Brayner conta que a FJU é procurada por pessoas que desejam mudar de realidade, mas não encontram apoio. “Se o jovem não tem visto na sua família, no ensino público, no sistema deste país, em amizades ou qualquer outra pessoa ou situação, algo em que possa obter ajuda, ele pode contar com a FJU pois nós acreditamos nele independentemente da situação em que se encontra.” O grupo oferece atividades culturais, sociais, esportivas e de ressocialização, além de apoio espiritual, a cerca de 200 mil jovens em todo o Brasil. O projeto mobiliza quase 500 mil pessoas.
Das drogas para a cultura
A dança e a música de um projeto da FJU incentivaram a alagoana Bryan Vilela Rios, de 19 anos,(foto ao lado) a dar um novo rumo à própria vida. Na época, ela tinha 16 anos e namorava um rapaz que vendia drogas. “Na casa do meu namorado tinha balança de precisão para pesar as drogas e armas. Ele vendia e consumia cocaína e eu usava com ele”, relata.
A jovem conta que também costumava usar maconha, cigarro e lança-perfume. “Eu era muito agressiva, queria brigar, bater, andava com pessoas que roubavam. Faltava na escola e cheguei a repetir de ano.”
Uma amiga convidou Bryan para conhecer o grupo Força Jovem. “No início, eu não queria. Mas a banda me impactou. Gostei muito do projeto de cultura, fiz dança e teatro”, explica. A jovem, então, decidiu se afastar das drogas e também do namorado. “Minha mãe foi percebendo minha mudança. Eu fiquei mais calma e meu jeito de agir mudou. Terminei meus estudos, hoje trabalho e estou muito feliz”, comenta.
Traficante aos 13 anos
O empreendedor paulista Marcos Antônio da Silva Pinto, (foto ao lado) de 34 anos, teve uma vida de privações durante a infância. Quando ele tinha apenas 2 anos, seus pais se separaram. Sem opção, a mãe, o irmão de 3 anos e ele foram viver em um lugar sem água encanada e sem energia elétrica.
Cinco anos depois, a família foi morar na casa do companheiro da mãe. Eles já não passavam dificuldades financeiras. Entretanto, havia outro problema: o padrasto era traficante de drogas. A fabricação e a venda de entorpecentes eram feitas dentro de casa. Marcos acompanhava tudo de perto.
Quando o garoto completou 10 anos, a mãe e o padrasto foram presos por tráfico e ele foi morar com o pai biológico. Depois de pouco mais de três anos, Marcos voltou a viver
com os dois. “Observava que meu padrasto tinha tudo que queria em pouco tempo, coisa que um trabalhador não conseguia, mesmo na cadeia ele tinha o que precisava. Vi uma forma de ter tudo aquilo também”, afirma.
Mesmo contra a vontade da mãe, o garoto de 13 anos passou a vender entorpecentes depois da escola. A atividade durou cinco anos. Nesse período, Marcos costumava andar armado e foi apreendido duas vezes, uma aos 15 anos e outra aos 17 anos. Da última vez, ele recebeu uma Bíblia da mãe, que havia começado a participar de encontros na Universal. “Fiz uma oração quando ganhei a Bíblia. Pedi a Deus que me tirasse daquele lugar e, se isso acontecesse, eu mudaria e vida”, relembra.
E assim aconteceu. Ele conta que não foi fácil, mas o apoio da FJU o ajudou a sair do tráfico. “ A Força Jovem me fez ter a consciência que existe outra forma e outro jeito de aproveitar a juventude.” Hoje, Marcos tem uma lanchonete no Guarujá (SP) e está noivo.
Se você gostou da matéria e deseja participar das atividades do Força Jovem, procure uma Universal mais próxima de sua casa clicando aqui.
*Colaborou: Maiara Máximo
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