Descriminalização da maconha: essa é a vontade da população?
Apesar da pressão de alguns, uma pesquisa mostra aumento no índice de brasileiros que é contra a legalização do uso da substância
O Brasil está vivendo um momento de grandes decisões e os meios de comunicação têm o papel fundamental de noticiar o que está ocorrendo no País e no mundo. Muitas vezes, porém, parte da mídia defende incansavelmente um determinado ponto de vista que nem sempre corresponde à opinião da maioria dos brasileiros.
Um exemplo que se encaixa nesse cenário é o da descriminalização da maconha. O tema está sendo discutido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e a impressão é que há uma demanda grande da sociedade pela descriminalização da droga para uso recreativo, mas uma pesquisa recente mostra que isso não é verdade.
Um levantamento do Datafolha apontou que 72% dos brasileiros são contra a legalização da maconha para uso recreativo. Em 2018, o mesmo instituto realizou um estudo semelhante e, na época, 66% dos entrevistados afirmaram que usar a droga deveria ser proibido. Embora a pergunta nas pesquisas não seja exatamente a mesma, a síntese da resposta parece que é: os brasileiros são contra a legalização do entorpecente no País.
Esse movimento, com certeza, tem um peso que a grande imprensa não está conseguindo repassar aos brasileiros. Por isso, para evitar cair em uma meia verdade é preciso sair da superficialidade e tratar o tema com mais profundidade.
Discussão no STF
O STF retomou em agosto deste ano a discussão sobre a descriminalização da maconha. Na verdade, a Corte analisa a constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas de 2006. De forma geral, essa legislação prevê “medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, define crimes e dá outras providências”.
Já o artigo 28, que foi colocado em xeque, considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal. As punições previstas atualmente para casos dessa natureza são advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
O tema chegou ao STF por meio da Defensoria Pública que, em 2009, questionou a decisão da Justiça de São Paulo que manteve a condenação de um preso à pena de dois meses de prestação de serviços comunitários por ter sido pego em flagrante dentro de um presídio com três gramas de maconha. Segundo a Defensoria, a criminalização do porte individual fere o direito à liberdade, à privacidade e à autolesão.

Dessa forma, o STF, que é o órgão guardião da Constituição, está avaliando o caso. A Corte já formou maioria para definir um critério objetivo para diferenciar o traficante do usuário e evitar, assim, um problema muito recorrente no Brasil: pessoas marginalizadas são denunciadas como traficantes mesmo portando poucos gramas da droga, enquanto pessoas de boa classe social são descritas como “usuárias” mesmo quando portam uma quantidade maior do entorpecente. O STF ainda não entrou em consenso sobre a quantidadelimite para essa distinção.
Aliás, o STF ainda não formou maioria nem sequer sobre a descriminalização da droga. Até o momento cinco ministros votaram a favor, um contra e ainda faltam cinco votos.
Vale destacar que “descriminalização significa que o ato ou a conduta deixou de ser crime, ou seja, não há mais punição no âmbito penal”, segundo definição do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Porém, o que quase ninguém fala é que a possível descriminalização não tornará a droga menos perigosa.
Questão de saúde
Não há como negar que a maconha é um tipo de droga e, por isso, causa uma série de prejuízos para o organismo. O THC (tetraidrocanabinol) é o principal componente da planta da maconha e o responsável por seus efeitos alucinógenos. Quanto maior for a sua concentração, maior a psicoatividade. Quem se interessa pelo entorpecente normalmente justifica que a ideia é relaxar. Mas seu uso pode levar à perda de noção do espaço e tempo, redução da coordenação motora e taquicardia. “A pessoa tem mais chances de ter surtos psicóticos, crises de ansiedade e alterações na atenção e na memória”, afirma o médico neurologista William Rezende.
Pesquisas apontam que no Brasil 20% das pessoas já fumaram maconha alguma vez. Entre os usuários se destacam os homens e os mais jovens, realidade que se repete em todo o mundo e acende um sinal de alerta. “A maconha pode ter um efeito mais intenso especialmente em adolescentes que fazem o uso recreativo numa intensidade muito grande. O hábito aumenta o risco de surtos psicóticos.”
Além disso, estudos apontam que o consumo da droga tem potencial para reduzir o quociente de inteligência (QI), em razão da redução da memória, e aumentar o risco de desenvolver esquizofrenia. Outras pesquisas relacionam o consumo da cannabis a mudanças cerebrais quanto à recompensa e à motivação, podendo deixar o indivíduo menos suscetível ao prazer das conquistas tanto profissionais como educacionais. Em pessoas em formação (adolescentes e jovens) esse risco é ainda maior e os danos são irreparáveis.
Diante de todas essas evidências, é preciso parar de tratar o assunto como supérfluo e realmente agir para combater a droga, inclusive por meio da conscientização. “As campanhas de saúde alertando sobre os riscos do consumo de drogas e seus impactos são extremamente importantes, pois ele afeta todas as pessoas, especialmente os jovens, que têm menos discernimento, mas também as famílias. Quanto mais pessoas tiverem essa consciência, menos danos a pessoa e a sociedade terão”, diz Rezende.
E o tráfico?
A grande controvérsia quando o tema é a descriminalização da maconha é que ela permite ao usuário ter e circular com determinada quantidade do entorpecente, mas segue proibindo o tráfico. A droga, mesmo que seja para uso pessoal, virá justamente do tráfico – até porque o cultivo da erva também não é liberado (e nem é simples fazê-lo). Sendo assim, de forma indireta, a descriminalização do entorpecente acaba incentivando o crime, ou seja, a conta não fecha.
Há quem defenda a medida sob o argumento de que o uso da maconha afeta apenas o usuário. Mas será que isso é verdade? E quanto aos tratamentos de problemas de saúde causados pelo consumo excessivo? E a perda na produção de riquezas para o País por conta da incapacitação da mão de obra? E quanto ao incentivo ao tráfico de drogas, que move a máquina da criminalidade?
Se o uso recreativo da maconha já é um problema hoje, imagine com a descriminalização. Como proteger os jovens, adolescentes e até as crianças do acesso à droga, se, de certa forma, ela estará liberada? Campanhas de saúde e de conscientização darão conta disso? São muitas perguntas que ainda aguardam uma resposta daqueles que estão com o País nas mãos. E há uma resposta clara se houver avaliação: a maioria dos brasileiros não quer a liberação.
English
Espanhol
Italiano
Haiti
Francês
Russo