De zero a 440 mil vítimas 

Imagem de capa - De zero a 440 mil vítimas 

“É impossível que não venham escândalos, mas ai daquele por quem vierem!” (Lucas 17.1) foi o alerta de Jesus aos Seus discípulos. A Obra de Deus deve ser continuamente realizada de maneira íntegra e responsável, mas nem sempre é o que acontece. De tempos em tempos, o pior lado da Humanidade prevalece, os escândalos surgem e se tornam públicos, seja por meio de denúncia das vítimas, seja pelo trabalho jornalístico de revelar a verdade.

O jornal espanhol El País, por exemplo, fez uma investigação sobre possíveis casos de pedofilia na Igreja Católica na Espanha em 2018. Até então, o país era um dos poucos sem nenhum caso de pedofilia reconhecido. Depois de cinco anos de investigações, o defensor público Ángel Gabilondo entregou um relatório de 777 páginas na Câmara dos Deputados, em 27 de outubro de 2023, com números impressionantes: 440 mil menores podem ter sido vítimas de abusos dentro de paróquias, escolas e abrigos católicos. Clérigos foram autores de 233 mil abusos e os demais foram cometidos por voluntários da igreja.

O número de vítimas espanholas ultrapassa o de outros países, como a França, cuja investigação foi realizada pela Comissão Independente sobre Abuso Sexual na Igreja (Ciase) e revelou, em 2021, que 330 mil menores tinham sofrido abuso sexual, sendo 216 mil por religiosos e os demais por parte de pessoas que trabalharam em instituições católicas entre 1950 e 2020. Os franceses não são os únicos nessa lista. No Brasil, a imprensa também deu voz às vítimas. Em 2010, a reportagem especial do jornalista Roberto Cabrini, intitulada Sexo, Intrigas e Poder da Igreja Católica, mostrada no programa Conexão Repórter (SBT), denunciou casos de pedofilia envolvendo padres e coroinhas em Arapiraca, em Alagoas.

Casos como esses, infelizmente, tornaram-se corriqueiros e no portal do Vaticano é possível encontrar o Vade Mecum sobre alguns Pontos de Procedimento para Tratar os Casos de Abuso Sexual de Menores Cometidos por Clérigos, que teve a segunda edição publicada em junho de 2022. Nele, a igreja configura o crime como pecado externo contra o sexto mandamento do decálogo – não pecar contra a castidade –, alega que “a tipologia do delito é muito ampla e pode incluir, por exemplo, relações sexuais (com e sem consentimento), contato físico de ordem sexual, exibicionismo, masturbação, produção de pornografia, indução à prostituição, conversas e/ou propostas de caráter sexual inclusive através dos meios de comunicação” e ainda que “o fato de se falar de ‘menor’ não incide sobre a distinção, que às vezes se deduz das ciências psicológicas, entre atos de ‘pedofilia’ e atos de ‘efebofilia’, isto é, com adolescentes já fora da puberdade. A sua maturidade sexual não influi sobre a definição canônica do delito”. Além disso, descreve as medidas internas a serem tomadas diante das denúncias.

Qualquer abuso é injustificável, independentemente do lugar em que ocorra. Então, por que seria diferente em uma igreja? O cuidado não deveria ser em relação ao que fazer depois dos crimes, pois jamais deveriam acontecer. A igreja tem o dever de proteger, orientar e oferecer alento às almas aflitas e não o contrário. Quanto a isso apóstolo Paulo orientou: “Portaivos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos gregos, nem à igreja de Deus. Como também eu em tudo agrado a todos, não buscando o meu próprio proveito, mas o de muitos, para que assim se possam salvar” (1 Coríntios 10.32-33).

É impossível que não surjam escândalos, mas não podemos compactuar com eles ou ignorá-los. Mesmo que tentem “ocultá-lo” em um confessionário, o abuso sexual é e sempre será crime e deve ser denunciado imediatamente às autoridades! A culpa nunca é da vítima e uma denúncia pode impedir que outras pessoas também sofram a mesma atrocidade.

Poderão existir muitas pessoas que se apoiarão em seus títulos até para se esconderem, mas, obviamente, temos consciência de que isso não significa que todas farão isso. Não podemos generalizar. Há homens e mulheres realmente comprometidos e dedicados ao serviço sacerdotal de forma sincera e com o intuito verdadeiro de salvar e essas pessoas não devem ser condenadas pelos erros de outras. Por isso, devemos ter cuidado para não deixar que as iniquidades de lobos disfarçados de cordeiros nos afastem da Presença de Deus ou da oportunidade de buscar a Ele em Sua Casa, enquanto seguimos “olhando para Jesus, autor e consumador da fé” (Hebreus 12.2) e apenas para Ele.

imagem do author
Colaborador

Redação / Foto: Dziurek/getty images