CHOQUEI: O trágico preço da mentira
Há quem veja o mundo por meio das redes sociais e, ao mesmo tempo, se esconda nelas. As publicações que eram um fragmento da vida agora são financeiramente rentáveis e emocionalmente preocupantes. O Brasil é o terceiro maior consumidor de redes sociais do mundo, segundo dados do Comscore, e, não à toa, é o primeiro colocado no ranking de ansiedade e depressão na América Latina. Mesmo que em janeiro tenhamos uma campanha global de conscientização da importância da saúde mental, a Organização Mundial da Saúde (OMS) segue com o prognóstico de que a depressão é o mal do século, somado a outros transtornos intensificados pela internet. Afinal, as redes sociais vão do amor ao ódio em poucos cliques e ainda há a velha fake news que, por vezes, se mascara de fofoca e brincadeira e se torna o estopim para tragédias.
Você acompanhou o caso do perfil Choquei, integrante da Banca Digital da agência Mynd8? De modo imprudente, foram compartilhados prints de uma suposta conversa entre o comediante Whindersson Nunes e a jovem Jéssica Vitória, de 22 anos, até então anônima. O post viralizou e levou haters (odiadores) a satirizar a jovem. Apesar de Jéssica alegar que tudo era mentira, ela foi alvo de chacota e, mesmo pedindo para que parassem com os comentários maldosos e deixando claro que sua saúde mental não ia bem, continuou sendo hostilizada. Ela recebeu o apoio de familiares e amigos, mas só foi capaz de enxergar uma única e triste saída para acabar com essa história: tirar a própria vida.
Esse é o preço da fake news: a morte. Mentiras matam a reputação de pessoas de boa índole, sepultam a esperança de um mundo melhor e, lamentavelmente, ceifam vidas precocemente. Sem dó. Sem piedade. Sem consideração. O post foi apagado, mas as consequências não. Quem se responsabilizou? Ninguém! A página que presta um desserviço à sociedade lucra há anos com fofocas e mentiras, já foi patrocinada por grandes marcas e ainda emitiu uma nota alegando respeitar o inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal que garante a liberdade de expressão. Mas, ironicamente, quando Jéssica tentou expressar a verdade, sua versão foi rechaçada, inclusive, pelo dono da página, Raphael Sousa, que comentou: “avisa pra ela que a redação do ENEM já passou. Pelo amor de Deus!”, caçoando pelo fato de seu texto ter sido grande.
No afã de buscar likes, seguidores e dinheiro, faltou compromisso do Choquei com a verdade, sensibilidade em relação à saúde mental alheia e maturidade para reconhecer o erro e, no mínimo, a culpa. O mais triste é que paira o silêncio em relação ao que a jovem passou, ou seja, ela continua sendo silenciada, pois não vimos matérias especiais na grande mídia sobre isso, ao mesmo tempo que sua história vem sendo usada para justificar a aprovação da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (PL 2630), mais conhecida como PL das Fake News ou PL da Censura. Mas seriam as big techs as únicas responsáveis pelo fato? Regulamentar é a solução para que haja respeito? Já não existem leis que configurem os crimes de calúnia, injúria e difamação no ambiente digital?
E há outro ponto dessa história que merece ser citado: o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) anunciou que protocolaria requerimentos para investigar se a página foi patrocinada para fazer propaganda do atual governo. O presidente atual passou a seguir a página em dezembro de 2021 e – pasme! – recebeu boas-vindas do perfil com a frase “vamos para a luta contra as fake news e disseminação de ódio” e, desde então, a proximidade e o apoio político-partidário são notórios e detalhados em uma matéria na revista Piauí, de novembro de 2022, intitulada “Choquei, companheiro”.
Essa história ainda vai reverberar e nossa memória não pode ser apagada como fizeram com as publicações e não podem existir outras Jéssicas assassinadas pelas mentiras de pessoas que fingem defender a verdade e o amor.
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