As desvantagens – e as dores – de ser só criatura

Apesar de serem esmagadoramente a maioria, poucos se dão conta de quem de fato são e, sobretudo, do quanto perdem com isso

Em um mundo em que o riso dos maus parece sobressair em relação ao silêncio dos bons, quando o errado parece ter sido chancelado e a hipocrisia serve como moeda de troca, existe um cenário caótico inflado de egos e valores muitas vezes invertidos e admitir isso – por mais penoso que seja – nos faz entender que não vivemos em um conto de fadas. Temos a sensação de que tudo está de cabeça para baixo, mas a verdade é infinitamente pior, afinal, o Texto Sagrado, que enfoca muito uma época que não vivenciamos, mas que nos mostra muito da atualidade e, sobretudo, de nós mesmos, alerta que o mundo jaz do maligno (1 João 5.19). O curioso é que, antes, essa mesma passagem traz a afirmação de que “sabemos que somos de Deus”. Mas, afinal de contas, quem estaria englobado nesse “somos”? Se o mundo segue sob um domínio e um viés perversos, quem seriam os Seus? Aqui, um coro aguçado pode surgir e bradar uma verdade quase incontestável, mas frágil, de que “todos somos Filhos de Deus”: uma resposta simplória e ingênua mas, sem dúvida, boa para os ouvidos.

No início de tudo, “(…) criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou (…). E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” (Gênesis 1.27-28 e 2.16-17). Amparado por seu livre-arbítrio, o ser humano, movido por sua curiosidade, provou do fruto e o resto foi consequência. Desde então, esse resquício do velho Adão tende a existir dentro de cada um de nós.

Assim, o pecado atrelado à descendência adâmica nos faz criaturas reféns de ações e reações e, enquanto muitos usam o fato de serem humanos para se esquivar e amenizar falhas e deslizes, outros se aperfeiçoam na criatura que ainda são por causa de seus sentimentos e atitudes, sem entender que, além de serem “de carne e osso”, são feitos “de alma” também.

A GERAÇÃO DO PRIMEIRO E DO SEGUNDO ADÃO
O colapso espiritual pode ser visto no assassinato de Abel por seu irmão, Caim, motivado pela mais pura inveja (Gênesis 4). E também nos tempos de Sodoma e Gomorra, quando lemos: “E vieram os dois anjos a Sodoma à tarde, e estava Ló assentado à porta de Sodoma (…). E chamaram a Ló, e disseram-lhe: Onde estão os homens que a ti vieram nesta noite? Traze-os fora a nós, para que os conheçamos” (Gênesis 19.1-5) e por meio das atitudes das filhas de Ló, que ao terem embebedado o próprio pai, conceberam dele (Gênesis 19.35-36). Assim, desde que o mundo é mundo, a Humanidade inova e reproduz cenas em proporções cada vez mais assustadoras.

Se tragédias dentro e fora do seio familiar marcaram o início dos tempos, agora, à beira do Apocalipse, não tem sido muito diferente. Há 20 anos, por exemplo, o nome de Suzane von Richthofen ficou conhecido em todo o País depois que ela encomendou a morte dos próprios pais; já na zona norte da cidade de São Paulo, no dia 29 de março de 2008, Isabella Nardoni, de 5 anos, foi arremessada pela janela do sexto andar e os suspeitos (e condenados) foram o pai e a madrasta da menina. Mais recentemente, no dia 8 de março de 2021, o menino Henry Borel, de 4 anos, veio a óbito no apartamento onde morava com a mãe e o então padrasto, também condenados por júri popular.

Hoje, o mundo é formado por 193 países reconhecidos, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), embora a Palavra de Deus considere duas nações diferentes: a que surgiu do primeiro Adão, que é pecadora e carnal, e a nação do segundo Adão, que é espiritual e gerada pela Pessoa do Senhor Jesus. Essa, por meio dEle, se torna Filha do Altíssimo ao receber e provar do Seu Espírito: “Assim está escrito: O primeiro homem, Adão, tornou-se um ser vivente; o último Adão, espírito vivificante. Não foi o espiritual que veio antes, mas o natural; depois dele, o espiritual. O primeiro homem era do pó da terra; o segundo homem, dos céus. Os que são da terra são semelhantes ao homem terreno; os que são dos céus, ao homem celestial” (1 Coríntios 15.45-48). A Bíblia também relata que podemos ser transformados em nova criatura (2 Coríntios 5.17) ao abandonarmos a antiga maneira de viver e nos despirmos do velho homem “que se corrompe por desejos enganosos” (Efésios 4.22-24 e Ezequiel 11.19-20). Quanto a isso, todos temos o poder de escolha, a exemplo dos dois malfeitores que foram crucificados ao lado do Senhor Jesus no Monte Calvário. Ambos estavam na condição de criatura, mas um, ao se arrepender, se tornou Filho de Deus, já o outro morreu com seu pecado definhando dentro de si (Lucas 23.39-43).

ELE FOI PRESO POR 15 VEZES
Carlos Eduardo Mendonça, (foto abaixo) de 45 anos, diz que teve uma infância boa, mas que dos 13 anos em diante o inferno começou. Ele descreve como isso ocorreu: “tive pai e mãe presentes até que começaram as traições por parte deles. Por vezes, eu e meus irmãos tínhamos que sair de casa para que os amantes da minha mãe ficassem lá. Ela chegava a pagar as contas da mesa de um bar, apesar de não termos nem sequer um pão para comer. Já meu pai partiu para o estelionato”. Nessa mesma fase de vida, Carlos entrou para a criminalidade. “A primeira droga com a qual me envolvi foi a benzina, depois fui para a maconha e o crack. Fiz muitas loucuras, como furtos, assaltos, sequestros e ‘saidinha’ de banco.

Troquei tiros com a polícia e fui esfaqueado. Inclusive, um dos primeiros assaltos que fiz foi com o revólver do meu pai. O Carlos era uma criatura que, aos olhos humanos, da sociedade e aos meus não servia nem para o mundo, até porque o mundo despreza esse tipo de gente. Eu vi diversas vezes as pessoas lavando a calçada de casa e não sentia coragem de pedir para beber um pouquinho de água da mangueira. Então, comecei a sobreviver do lixo.”

Carlos relembra que perdeu seu irmão gêmeo para o crime: “o mataram com sete tiros e jogaram o corpo dele em uma mata. Então, eu tive que me aperfeiçoar no mundo para sobreviver às maldades, à sabotagem e a uma série de armadilhas. Ao todo, vivi 15 anos na rua e tive 15 passagens pela cadeia”. Carlos descreve como era sua situação: “entre idas e vindas da prisão, me casei (com Sandra Oliveira dos Reis, hoje com 42 anos) e tentei me reerguer pela força do braço, mas foram tentativas frustradas.

Até construí algo material. Só que foi como um castelo de areia: comprei carro, motos e apartamento, que, nas minhas recaídas com as drogas, foram perdidos em meses. Eu deixava celular, tênis e itens de carro, como som, bateria e até rodas, na ‘maloca’”.

Por meio de seu irmão, Carlos chegou à Universal em janeiro de 2019 e, a partir daí, sua vida nunca mais foi a mesma. “Me libertei e passei por um processo de recuperação de dignidade dentro do lar, de obediência e de entrega à Palavra de Deus.” Ao entender que para ser uma nova pessoa ele precisava do Espírito Santo, Carlos O buscou e O recebeu. Ele destaca as consequências dessa atitude: “eu não tinha paz e hoje tenho empresa, carro, família, respeito e, acima de tudo, um pedaço do Céu dentro de mim, que é o Espírito de Deus. Para mim, ser Filho de Deus é algo glorioso: de um lado, há o Senhor Jesus sem pecado, íntegro, reto e, do outro, um Carlos que fez mal à sociedade e a si mesmo. Isso significa o reconhecimento de ter o mesmo Espírito que guiou o Senhor Jesus.

Então, ouso falar que sou um novo homem, um novo pai, um novo marido e faço questão de levar tudo o que recebi àqueles que precisam”, conclui.

MUNDOS E FUNDOS NÃO FORAM SUFICIENTES
Como em uma maratona sem ponto de chegada, quem se vê na condição de criatura, muitas vezes, corre atrás de mundos e fundos no afã de conquistas. Ocorre que nada e tudo pode parecer a mesma coisa, já que para esse tipo de pessoa nunca está bom. Foi o que aconteceu com a microempreendedora Tais dos Santos Wandermurem, (foto abaixo) de 31 anos. Ela morou em um apartamento na zona sul do Rio de Janeiro, teve acesso aos melhores celulares e vestia roupas caras, como afirma: “eu queria ter uma vida financeira bemsucedida, casa, carro e fazer faculdade e viagens”. No entanto, essas metas custaram caro a ela. “Consegui realizar alguns dos meus objetivos, mas da pior forma: vendendo meu próprio corpo. Paguei um preço alto, até porque, apesar de todas as conquistas, vieram as frustrações, a depressão e o vazio.”

Tais conta que viveu um relacionamento malsucedido antes de conhecer seu atual esposo, Wellington Coelho Rosa, de 42 anos, com quem está casada há 11 anos. “Naquele relacionamento houve traições e agressões e, com o término dele, procurei nas bebidas e baladas algo que preenchesse o vazio. Em uma dessas baladas, conheci o Wellington e decidimos morar juntos. Eu estava machucada e queria ser valorizada e feliz e, por isso, entrei (nesse relacionamento) de cabeça.” Mas outros problemas surgiram: “depois de morar três meses na casa da minha sogra, percebi que ele chegava em casa com muito dinheiro. Ele dizia que trabalhava como segurança, mas eu desconfiava, então ele acabou confessando que era garoto de programa. Na hora levei um ‘baque’, mas, depois, não me vinha outro pensamento a não ser o de me prostituir também. Fiz muitos planos para o dinheiro que ganharia com a prostituição.”

O dinheiro chegou para Tais, mas veio mal acompanhado. “Nos jogamos ainda mais nas baladas. Antes, tomávamos somente bala (ecstasy), mas, com as idas frequentes às boates, começamos a usar doce (LSD), loló (lança-perfume), quetamina, maconha, special K (cetamina) e cocaína.

Também éramos viciados em academia e cuidávamos muito do corpo, já que ele era o deus que nos dava dinheiro. Essa alegria, porém, não durou. Cheia de complexos, caí em depressão e, sozinha, tentei tirar minha vida tomando um coquetel de remédios. Nessa ocasião, meu esposo teve que me levar às pressas para o hospital. Também ingeri produtos de limpeza com remédios, inclusive com cloro, e uma das últimas tentativas que fiz foi de cortar os pulsos. Eu enxergava a vida em preto e branco, mas pensava que, por também ser ‘filha de Deus’, tinha o direito de ser feliz. Eu não entendia o motivo de tanta dor.”

Esse questionamento cessou há seis anos, quando Tais chegou à Universal depois de assistir aos programas da Igreja nas madrugadas com seu esposo. Desde então, ambos deixaram para trás a criatura que eram. “Ser Filha de Deus era um sonho bem distante para mim, mas Ele teve misericórdia e, por meio da minha entrega, isso se tornou realidade. Ele transformou aquelas lágrimas de tristeza e me deu uma nova história, um novo nome e me tornou uma nova mulher. Houve transformação na minha vida em todos os sentidos. Agora tenho a verdadeira alegria: o Espírito Santo, que me completa e me faz muito feliz”, finaliza.

FILHO DE APARÊNCIA
Há muitos casos de pessoas que ignoram a paternidade Divina, como aconteceu com Fábio Rodrigues, (foto abaixo) de 43 anos. “Meu sofrimento começou aos 7 anos, quando meu pai nos abandonou e minha mãe teve que sustentar a mim e a minha irmã. Como minha mãe trabalhava muito, eu ficava na rua com os amigos e essas amizades começaram a me influenciar. Foi aí que comecei a usar drogas e a fazer pequenos furtos. Eu tinha 11 anos quando comecei a fumar maconha. Depois fui para a cocaína e, por fim, para o crack. Com isso, tive duas passagens pela Fundação Casa.”

Aos 18 anos, quando passava por um viaduto, ele ouviu uma voz que dizia para que se matasse e descreve o que fez: “chegando em casa, peguei uma faca e já estava prestes a tirar minha vida quando a TV ligou, ‘do nada’, justamente em um programa da Universal. Parecia que o Pastor estava falando comigo. Então, no dia seguinte, fui à Igreja.

Assim que pisei lá, recebi uma paz que nunca tinha sentido em nenhum lugar”. Tomar a decisão de se libertar, porém, foi difícil, como ele esclarece: “eu ia às reuniões mas, quando saía, fumava e usava drogas. Fiquei nessa indecisão por cerca de três meses e, então, passei a obedecer de fato e de verdade e minha vida começou a se desenvolver. Deus passou a me abençoar de tal modo que fiquei até assustado.”

Fábio se casou com Alessandra Valentim Rodrigues, hoje com 40 anos, e a vida deles estava aparentemente normal, mas o objetivo dele foi mudando. “Eu estava com a vida financeira abençoada, compramos apartamento, carros e fui levantado a obreiro, mas chegou um momento que comecei a ver a Obra de Deus com maus olhos. Eu achava que não precisava fazer tantos votos, não orava nem meditava na Palavra de Deus mais e, assim, fui me distanciando completamente dEle. Eu só tinha aparência de obreiro: quem olhava para mim me via sempre sorrindo, mas só Deus e o diabo sabiam como estava a minha vida. Até meu relacionamento com a minha família ficou diferente.”

Em vez de buscar a Deus, ele estava atrás de outros negócios “para ter mais dinheiro e mais condições”, como menciona: “até que, saindo de uma dessas reuniões, me veio o pensamento de encontrar um ‘amigo’ do passado. Ele estava na porta da casa dele me esperando, como se tivéssemos combinado, e eu disse que queria usar droga. No dia seguinte, fui à Igreja conversar com o Bispo, mas ali eu já não queria mais ajuda. Foi questão de tempo para eu que eu voltasse a fazer aquilo de que, um dia, Deus tinha me libertado. A verdade é que eu não tinha nascido de Deus.”

Ao se afastar da Presença de Deus, Fábio voltou a fazer tudo que praticava antes e em maior intensidade. “Eu estava com aquela sensação de liberdade, de não ter que dar satisfação para o Bispo, para o Pastor, só que, como o filho pródigo, meus recursos acabaram. Então, saí de casa e fui morar debaixo de um viaduto, fiquei dias sem tomar banho e comendo restos de comida. Para sustentar meus vícios, voltei para o tráfico e fui parado pela polícia com uma grande quantidade de drogas. Fui preso e condenado a 16 anos de prisão.”

Foi no Centro de Detenção Provisória que ele decidiu abandonar a velha criatura. “Eu comecei a participar dos cultos da Universal e fiz um voto com Deus que se Ele me tirasse daquele lugar minha vida seria para servi-Lo. Assim, em quatro meses, consegui a liberdade provisória.”

Deus cumpriu a parte dEle, mas Fábio não. “Quando fui para a rua no dia seguinte, minha vida foi para o buraco: voltei a morar debaixo do viaduto, fiquei semanas sem tomar banho e virei novamente usuário de crack. Até que, sozinho no barraco, caiu minha ficha, fiz uma oração, liguei para minha esposa e disse que a partir dali minha vida mudaria.” Fábio lembra como foi seu retorno, no fim de 2008: “busquei a Deus com todo fervor, pois queria nascer dEle e receber o Espírito Santo”.

Agora, ele dá testemunho de sua mudança: “o Fábio era uma criatura infiel, que fingia ser quem não era, mas tudo mudou: meu caráter e meu interior. Me tornei bom filho, bom marido, bom pai e bom servo. Pela misericórdia de Deus, tive mais uma chance de servi-Lo, mas, agora, como verdadeiro Filho”.

A esposa dele, Alessandra, ressalta a necessidade de se agarrar à Deus: “nesse período, fui fundo para o Altar e posso dizer que, se não fosse o Espírito Santo, eu não teria me mantido na Fé”.

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Colaborador

Flavia Francellino / Fotos: Demetrio Koch e getty images