Além do que você viu: racismo no futebol cresce

Um dos temas mais evitados do país é o mesmo que mata milhões todos os anos

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“A gente precisa falar sobre isso. Precisa sair da fase de negação”. Com esse apelo o treinador de futebol Roger Machado, atualmente no Bahia, discorreu sobre o racismo que segue crescendo tanto dentro quanto fora do esporte.

Somente no futebol foram registrados, em 2019, 53 casos de injúria racial. Esse número é 22% maior do que o total de casos registrado em 2018. E, acredita-se, não chega a ser a metade dos casos ocorridos*.

“O preconceito racial é o sintoma, porque a estrutura social é racista. Ela sempre foi racista”, afirmou Roger, em coletiva de imprensa. “Negar e silenciar é confirmar o racismo”.

De fato, os números de 2019 são os mais graves já registrados. Mas só se fala sobre o tema em casos esporádicos, geralmente quando envolve um jogador renomado ou um racista é flagrado pelas câmeras. Por quê?

É evidente que a emissora de televisão responsável pelos direitos de transmissão do futebol no país não quer que as pessoas vejam o futebol brasileiro como ele realmente é: racista. E, se a detentora dos direitos de imagem do futebol releva o tema, o mesmo fazem aqueles que dependem do futebol para ter audiência – e lucro.

Quem ganha dinheiro com futebol vende ele como “a modalidade esportiva do Brasil”, o “orgulho da nação”, “a arte brasileira”, “a paixão verde e amarela”. Ou você já viu algum jornalista esportivo expor os números da discriminação racial com o destaque necessário?

Tampouco você deve ter memória de cartolas de futebol negros. Dirigentes da CBF, presidentes e conselheiros de clubes são, em sua maioria, brancos. Ou seja: quem realmente manda no esporte e ganha dinheiro com ele não é negro.

Talvez você cite alguns jogadores que ficaram milionários. Mas a verdade é que um estudo realizado há dois meses pela Fundação Getúlio Vargas e pela FIFA aponta que:

– 45% dos jogadores de futebol brasileiros recebem mensalmente um salário mínimo.

– Outros 42% recebem até dois salários mínimos.

– 9% recebem entre 2 e 20 salários.

– Apenas 4% recebem mais de 20 salários mínimos.

Ao mesmo tempo, 48,1% dos jogadores e treinadores já foram vítimas do racismo. Mas isso a TV não mostra.

Outros números que a TV não mostra

“Um dos maiores erros é enxergar cada caso como uma novidade. Todos estão inseridos em um contexto que exige preocupação e atitude”, ressaltou à imprensa Marcelo Carvalho, diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial.

E esse contexto é o da sociedade racista. Como afirmou Roger Machado, “a ofensa, a injúria é só o sintoma dessa grande causa social que nós temos. Porque a responsabilidade é de todos nós”. O treinador explicou que “o preconceito racial é o sintoma, porque a estrutura social é racista”.

Quer provas?

Há poucos dias nove jovens foram assassinados em Paraisópolis, favela paulistana. Sete eram negros. Citando apenas os fatos sabemos que alguns policiais agrediram pessoas rendidas e desarmadas. Sabemos que as nove mortes foram registradas pela PM como decorrentes de pisoteamento, mas as necropsias mostram dois homicídios por enforcamento e um por receber golpe de “objeto contundente”. Há ainda um corpo com dois braços quebrados, sinal de tortura.

Provavelmente, você conhece alguém que justifica essa ação com frases como “eles não deveriam estar na favela”, “eles procuraram por isso”, “a polícia estava apenas se defendendo” ou “algo de errado eles fizeram para merecer”. Sim, essa pessoa é racista.

E antes que você defenda esse racista com a ideia de que o problema é a favela e não a cor das pessoas, lembre-se de que, conforme dados coletados pela organização social TETO Brasil nas favelas de São Paulo, 70% de seus moradores são negros. O cenário se reflete em todo o país.

O que aconteceu em Paraisópolis – e se repete frequentemente – não acontece em bairros cujos moradores são, em sua maioria, não-negros.

E os negros moram nas periferias porque 76% dos mais pobres no Brasil são negros. Mesmo que os negros sejam a maioria no país (54%). A PNAD Contínua de 2017 mostra que o salário médio de um negro é R$ 1.570. O de um branco é R$ 2.814.

Ademais, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública revela que 76,2% das vítimas de atuação da polícia são negras.

Esse dado alarmante contribui para que a taxa de homicídio de negros tenha subido 23,1% entre 2006 e 2016. Enquanto isso, a taxa de não-negros assassinados caiu 6,8%.

A cada 23 minutos um jovem negro é morto no Brasil. Em apenas uma noite, sete morreram no mesmo bairro.

Roger Machado está certo. Precisamos falar sobre racismo. Como afirmou o treinador, “o preconceito racial no futebol é o sintoma, porque a estrutura social é racista”.

*Dados do Observatório da Discriminação Racial

 

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Colaborador

Andre Batista / Imagem: Reprodução Facebook @RogerMachadoTreinador