(Ainda não) temos vagas

Depois da crise, a economia brasileira vive uma fase de estagnação. Com desemprego em alta e rombo nas contas públicas, os próximos eleitos vão enfrentar grandes desafios para fazer que a economia cresça de novo

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“Fui demitida há um mês por corte de funcionários. Tenho curso técnico em administração, mas está difícil encontrar emprego. Faço graduação em gestão financeira. As mensalidades da faculdade e outras contas já estão se acumulando. Entrego currículos, tenho perfis em vários sites e me candidato para vagas pela internet. Até para procurar emprego é preciso pagar”. Yohana Soares, de 24 anos

Não é de hoje que a situação econômica do brasileiro está difícil. A jovem Eliezir da Silva, de 28 anos, sabe bem disso. Em 2015, ela perdeu o emprego de vendedora em uma loja na zona oeste da cidade de São Paulo. “O dono mandou todo mundo embora e vendeu o ponto”, diz. De lá para cá, ela nunca mais teve emprego formal. Para piorar, seu marido também foi demitido.
Aos poucos, as dívidas foram se acumulando. Sem dinheiro para o aluguel, Eliezir não teve opção: foi morar de favor com a sogra e a cunhada. Ela conta que falta dinheiro até para pagar o transporte público e, assim, a busca por emprego fica mais difícil, pois ela tem dificuldade para ir participar dos processos seletivos. “Antes eu fazia alguns bicos, agora nem isso tem. Participo de entrevistas, mas ninguém liga para falar se passei ou não”, lamenta ela, que concluiu o ensino médio.

Mesmo os brasileiros que têm emprego sentem na pele as dificuldades econômicas. Regiane Costa, de 38 anos (foto a dir.), atua como cozinheira, mas afirma que está buscando mais um trabalho. “Tenho dois filhos e preciso aumentar minha renda. Cada vez que vou ao supermercado, sinto isso no bolso”, explica.
O clima é de instabilidade, segundo o sommelier paulista Valdomiro Dutra, de 26 anos, que conseguiu um novo trabalho há um mês. “Graças a Deus nunca fiquei muito tempo desempregado, mas de dois anos para cá não consigo estabilidade e a remuneração ficou mais baixa”, explica ele, que passou por diversas empresas na área de gastronomia e alimentação.
“Tenho restaurante há quatro anos. Conseguimos bons resultados com jogo de cintura e promoções. Mesmo assim, tivemos leve queda na renda. Trabalhamos flexibilidade, diminuição de preços e baixamos a margem de lucro. Temos vontade de investir, mas o mercado está imprevisível”.
Isaac Cardoso dos Santos, de 40 anos

Problemas
Basta andar pelas ruas para perceber as dificuldades da economia brasileira. O aumento no número de vendedores ambulantes é um dos sintomas. Os estabelecimentos comerciais estão menos movimentados e muitos fecharam. A pobreza cresceu. Hoje o Brasil tem 12,9 milhões de desempregados. Além disso, 4,8 milhões de pessoas desistiram de procurar uma colocação por falta de perspectivas.
Sem emprego, 37,3 milhões de brasileiros exercem atividades informais, número que representa 40% da força de trabalho, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As dívidas também cresceram. Hoje, 63,6 milhões de pessoas estão endividadas, segundo o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL).
Mas, afinal, por que não tem emprego? O atual cenário é resultado de um conjunto de fatores. Do segundo trimestre de 2014 ao último de 2016, o Brasil sofreu quedas quase contínuas do Produto Interno Bruto (PIB). Foi a pior recessão desde a década de 1980, segundo o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da Fundação Getulio Vargas (FGV). Nesse período, a atividade econômica encolheu 8,6%. Em termos de duração, essa crise empatou com a de 1989-1992.
A diminuição na produção de bens e riquezas gerou um ciclo de prejuízos. As empresas produziram menos. Os investimentos caíram. Com isso, postos de trabalho foram eliminados e o desemprego subiu. Sem trabalho, as famílias tiveram de diminuir o consumo e o corte das compras levou as empresas a reduzir ainda mais a produção, o que provocou mais desemprego.
“Eu trabalhava em telemarketing, mas depois disseram que não passei na experiência. Faço faculdade de Ciências Contábeis, não posso ficar sem renda. Minha prioridade é continuar os estudos e ter uma formação. Minha família e eu estamos sentindo essa crise. Antes, podíamos fazer um passeio em família, hoje não dá. Estamos cansados de sermos roubados.”
Marcelo Lopes, de 21 anos

Rombo nas contas
Com a queda na produção, o governo começou a arrecadar menos impostos. Assim, sobrou menos dinheiro e o País também teve de reduzir investimentos. Desde 2014, o Brasil gasta mais do que arrecada, ou seja, as despesas são maiores do que as receitas. Em 2016, o rombo nas contas públicas foi de R$ 161,2 bilhões – esse foi o valor do chamado déficit primário, que não inclui os gastos do governo com juros da dívida pública que o País já possui. Em 2017, o desfalque foi de R$ 124,4 bilhões, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional.
Para 2018, a previsão também é de déficit fiscal: mais uma vez vamos gastar mais do que arrecadar. “Quando o déficit aumenta, a dívida pública do País também aumenta. Antes mesmo de pagar os juros da dívida, o Brasil já está registrando déficit. Então, o País tem que se endividar mais para pagar o que já deve. Estamos como cachorro correndo atrás do rabo”, explica a economista Rita Mundim.
Neste ano, a dívida pública brasileira deve chegar a 87,3% do PIB, segundo o Fundo Monetário Internacional. Isso significa que a maior parte das riquezas e bens do Brasil está comprometida com o pagamento da dívida. Na América Latina, a média dos países é bem menor: 61%.
Você e a economia
Qual é a relação dos gastos do governo com a sua vida? É simples: como a maior parte das receitas está comprometida com o pagamento das dívidas, sobra menos dinheiro para investimentos que poderiam ajudar a gerar empregos e a movimentar a economia. Além disso, a crise impediu que o País gerasse mais receita. Mas por que fomos parar nessa situação?
Para a economista Rita Mundim, a explicação está na política. “A crise brasileira é uma crise política com reflexos muito grandes na economia, pois as decisões são políticas. Nos últimos 50 anos, a classe política não tomou decisões em prol do País. Ao longo dos anos, tivemos escolhas equivocadas em relação à economia e a ausência total de reformas”, diz. “Os partidos políticos se transformaram em empresas e colocaram o crescimento do País no bolso via corrupção”, completa.
“Tenho uma banca de roupas há 24 anos no centro de São Paulo. O poder aquisitivo das pessoas está mais baixo, elas compram menos. As vendas diminuíram há dois anos, mas piorou nos últimos seis meses. Antes eu tinha funcionário, agora não dá mais. Tive que apertar o bolso, economizar. Além da economia, o próximo governo também deve focar em educação, saúde e segurança, uma coisa puxa a outra para melhorar a economia”.
Célia Souza, de 51 anos

Hoje
A recessão da economia chegou ao fim, segundo o Codace, mas a recuperação está muito abaixo das expectativas. A economia brasileira cresceu apenas 0,2% no segundo trimestre, em relação ao trimestre anterior, segundo o IBGE. A greve dos caminhoneiros interferiu nesse resultado.
O economista e mestre em ciência política Ricardo Caldas diz que o atual momento é de “estagnação maligna”. “Saímos do quadro recessivo, mas não conseguimos entrar em espiral de crescimento, a economia está praticamente parada. A economia não está girando, não há mecanismos de movimentação, negócios não estão sendo fechados, os investidores não querem investir, não sobra dinheiro novo na economia. Quem está contratado fica, mas quem não está não consegue nem pequenos trabalhos”, descreve ele, que é professor na Universidade de Brasília (UnB).
Segundo Caldas, a melhora na economia dependerá da situação política. “Quem assumir a Presidência da República estará diante de vários dilemas, um deles é o das contas públicas. Se cortar demais os gastos, a economia pode entrar em recessão. Se cortar de menos, não resolve o problema do déficit fiscal. O governo vai ter que gerar crescimento econômico sem gerar gastos, pois o País não pode assumir novos gastos”, esclarece.
Tem solução?
Apesar dos problemas, é possível recuperar a economia. Como? Os especialistas dizem que uma agenda de reformas e cortes nos subsídios fiscais dados a diversos setores da economia são alguns caminhos. Essa é a opinião de Ricardo Caldas. “O governo vai ter que cortar os benefícios que foram dados a empresas nos últimos 20 anos, ou seja, o governo vai cobrar impostos dos quais abria mão. Com isso, é possível aumentar a arrecadação sem aumentar impostos.” Além disso, ele diz que o governo precisa cortar programas que não têm resultado claro. “Dá para manter e ampliar o Bolsa Família, porque ele tem grande impacto social, e reduzir o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), porque ele estimula o endividamento dos alunos.” Segundo ele, a PEC (proposta de emenda constitucional) que limitou os gastos públicos foi necessária no atual contexto.
Rita Mundim cita a reforma da Previdência como forma de ajudar a controlar as contas públicas. “A reforma da Previdência é necessária porque as contas não fecham. Além disso, precisamos de reforma política para termos capacidade de renovação e para que a população acompanhe mais de perto os candidatos que elegeu.”
“Estou há cinco anos sem registro fixo. Antes eu arrumava bicos, trabalhava um, dois meses, mas há três anos ficou mais difícil. Estou sem esperanças. Hoje saí de casa para dar uma volta e aproveitei para distribuir currículos. Só não endoidei porque não pago aluguel. É complicado chegar no fim do mês e não ter dinheiro para se alimentar. É difícil confiar em político, mas espero que a situação melhore logo”.
Francisco Pereira do Nascimento, de 49 anos

Ela ainda destaca a importância da reforma tributária. “Uma reforma tributária ajudará a criar um ambiente econômico propício à produção, com mais dinheiro nas mãos das famílias e das empresas. Hoje temos uma guerra fiscal entre os Estados, que disputam para oferecer condições tributárias melhores e atrair indústrias. Ascondições precisam ser as mesmas.”
Ricardo Caldas afirma que essas reformas dependerão do capital político da próxima pessoa a ocupar a Presidência da República. “As reformas dependem de estratégia e de maioria no Congresso. Ou seja, quem for escolhido para assumir a Presidência da República terá que ter maioria no Congresso e construir essa maioria para aprovar as reformas”, defende.
Vai ter emprego?
Investimentos em infraestrutura, como saneamento e construção civil, costumam gerar muitos empregos. Mas, com as contas negativas, o Brasil terá dificuldades para investir. Qual é a solução? Ricardo Caldas acredita que a saída é estimular parcerias com o setor privado em projetos capazes de gerar novos postos de trabalho. “O governo deverá promover parcerias público-privadas para trazer investimentos privados sem onerar o Estado, que não tem condições de assumir novos programas. É possível fazer concessões de aeroportos e rodovias e continuar programas como os da área de energia elétrica.”
Rita Mundim também defende as concessões públicas. “As empresas estatais não são eficientes porque os partidos aparelham essas empresas e passam a fazer negócios públicos com interesses privados.” Ela acredita que a liberação da terceirização irrestrita da atividade-fim, aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto, também vai gerar mais postos de trabalho.
Além de medidas para estimular a retomada do crescimento, ela acrescenta que os eleitos devem preparar a economia para o futuro. “A maior riqueza do século 21 é o conhecimento. O Brasil está pobre porque ninguém investiu em educação de forma séria. Quando se investe em educação, as pessoas têm condições de entrar no mercado com mais capacitação e renda maior. Temos que escolher candidatos comprometidos com a educação e com o ambiente econômico propício a novos investimentos”, declara.
“Saí do emprego há quatro meses, atuava em portaria. Sou de Diadema, mas hoje vim para o centro de São Paulo procurar emprego em portaria, controlador de acesso ou fiscal de loja. Fiz 22 cópias do meu currículo e vou entregar em agências. Vamos ver se consigo uma entrevista”. Odair Souza, de 56 anos

Juros e inflação
Os juros e a inflação no Brasil estão baixos. Isso é uma boa notícia, embora ainda não tenha trazido reflexos na economia. A taxa Selic, que é a taxa básica de juros, está em 6,5%, o índice mais baixo da história do real. Já a inflação acumula taxa de 2,85% no ano. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do País, indicou queda na inflação (deflação) de 0,09% no mês de agosto.
Por que ter juros baixos é positivo? Na teoria, eles estimulam a volta de investimentos na economia real, o que gera mais empregos e negócios. Já a inflação baixa estimula o consumo da população, o que também leva ao aumento na produção e a mais empregos. Entretanto a economia continua parada. Caldas explica esse problema: “os juros baixos são importantes para estimular a economia, mas são apenas um dos componentes da decisão de investimento, o principal é a política. Ninguém vai investir enquanto não houver definição do cenário político brasileiro”, esclarece. “Quem tem dinheiro para investir está com medo de correr riscos, porque o retorno está baixo e o ambiente, incerto”, completa Rita Mundim.
A alta no dólar observada nas últimas semanas também é reflexo da indefinição sobre as eleições. “O dólar alto tem impacto para as importações e exportações, pois alguns produtos são cotados em dólar. Se continuar alto no ano que vem, o consumidor pode sentir o impacto dessa alta”, finaliza Ricardo Caldas.

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Colaborador

Rê Campbell / Foto: Demetrio Koch