Abuso sexual de crianças no mundo esportivo acende sinal de alerta

Casos de jovens ginastas e jogadores de futebol mostram que pais e responsáveis devem estar atentos

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Recentemente, casos de abuso sexual infantil envolvendo integrantes de equipes esportivas de alto nível viraram notícia em todo o mundo e reacenderam o sinal de alerta dos pais. Em fevereiro, Barry Bennell, ex-treinador inglês, foi condenado a 30 anos de prisão por abusar de 12 crianças de 8 a 15 anos entre 1979 e 1991. Bennell, de 64 anos, atuou no time de futebol Crewe Alexandra e tinha vínculos com o Manchester City e outros clubes da Inglaterra.

Clement Goldstone, juiz que proferiu a sentença, destacou que Bennell chantageava os jovens que resistiam ao abuso e ameaçava prejudicar suas carreiras no esporte. “Para esses garotos, ele apareceu como um deus. Na realidade, era o diabo encarnado. Roubou a infância e a inocência deles”, disse Goldstone, durante o julgamento, segundo reportagem do jornal El País.

Em janeiro, Larry Nassar, ex-médico da equipe de ginástica dos Estados Unidos (foto abaixo), foi condenado a uma pena de 40 a 175 anos de prisão pelo abuso sexual de sete ginastas. Nassar é acusado de abusar sexualmente de cerca de 150 ginastas, entre elas as medalhistas olímpicas Gabby Douglas e Simone Biles. Durante o julgamento, 150 mulheres fizeram relatos tristes e chocantes sobre os abusos que sofreram do médico, algumas delas desde os 6 anos de idade. Uma das vítimas, abusada quando tinha apenas 10 anos, cometeu suicídio em 2009, aos 23 anos, conforme relatou sua mãe, Donna Markham no julgamento. Nassar já estava preso após condenação de 60 anos de prisão por possuir pornografia infantil. Uma nova sentença deve sair em outubro.

Posição de poder

O abuso sexual não acontece apenas no esporte. Segundo a Organização Mundial da Saúde, uma em cada cinco meninas e um em cada 13 meninos são vítimas de abusadores. O psicólogo e médico clínico-geral Roberto Debski explica que os abusadores usam sua posição de poder em relação à criança para cometer o crime. “O abusador manipula e faz ameaças veladas para que a criança se sinta intimidada e não revele o que aconteceu. Algumas sentem medo, outras nem sabem o que está acontecendo. No caso de jovens atletas, muitos são ameaçados”, diz.

Debski lembra que muitos episódios de abuso infantil ocorrem dentro de casa e são praticados por familiares e pessoas de confiança da criança, como pais, avós, tios e primos. “Na família, a criança espera receber amor, cuidado e muitas vezes ela pode confundir o abuso com uma forma de expressar amor. E existem familiares que acabam encobrindo o problema.”

Como identificar

No caso das ginastas e dos jogadores de futebol, a revelação dos abusos demorou vários anos. Afinal, por que casos tão graves permanecem escondidos por tanto tempo? Segundo a psicóloga clínica Marina Ponce, do Instituto Ideah, diversos fatores contribuem para que as crianças não recebam a devida atenção. “É preciso olhar o outro, observar seus comportamentos, estar disponível, realizar refeições juntos, falar sobre diversos assuntos, perguntar como foi a escola, o trabalho, enfim, dialogar com os familiares e deixar o celular de lado. Além disso, muitos têm a crença de que as crianças mentem e os adultos falam a verdade ou de que a comunicação das crianças é menos válida ou menos confiável”, ressalta.

Marina explica que os pais devem ficar atentos às mudanças de comportamento das crianças, pois elas podem indicar um possível abuso sexual. É preciso reparar se a criança passou a sentir medo de escuro, não quer mais tomar banho ou quer trocar de roupa o tempo todo. Falta de concentração, irritabilidade excessiva, falta de apetite ou compulsão alimentar também são sinais de alerta. “Se os pais desconfiarem de um problema, é importante marcar uma sessão de psicoterapia, conversar na escola e investigar, seja no âmbito familiar, seja no escolar ou social”, sugere.

Consequências

Durante o julgamento do norte-americano Larry Nassar, diversas ginastas relataram problemas psicológicos decorrentes dos abusos sofridos. “As consequências do abuso sexual vão desde as físicas até traumas psíquicos muito graves. Essas crianças podem ter transtornos de afetividade, de autoestima e de sexualidade. Algumas vítimas desenvolvem bloqueios, medos e depressão na vida adulta. O abuso é uma violência e as vítimas precisam buscar ajuda especializada para ressignificar os traumas e criar resiliência”, avalia.

Marina Ponce acrescenta que adultos que não superaram os traumas podem sofrer com sentimentos como perda de identidade e insegurança, além de dificuldades na vida sentimental e até para receber gestos de carinho.

Prevenção

Além de ouvir as crianças com atenção e promover o diálogo em família, os psicólogos dizem que é importante abordar o tema abuso sexual com os pequenos, mas a conversa deve ser adaptada a cada idade. “A linguagem é escolhida de acordo com a idade, porém a criança é mais inteligente do que parece, não subestime uma criança”, diz Marina. “Os pais podem ensinar que em certas regiões do corpo da criança ninguém pode tocar. É preciso explicar de maneira lúdica e cuidadosa”, completa o doutor Roberto Debski.

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Colaborador

Por Rê Campbell/ Fotos: Fotolia e Reuters