Desfile de crianças aptas para adoção Criou polêmica

Evento em shopping do Mato Grosso reuniu crianças e adolescentes de 4 a 17 anos. No Brasil, chance de adoção diminui à medida que a criança cresce

Em maio, um desfile em um shopping de Cuiabá, no Mato Grosso, criou polêmica. Isso porque a passarela não era composta por modelos, mas por crianças e jovens de 4 a 17 anos aptos para a adoção. O evento “Adoção na Passarela” foi organizado pela Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (Ampara), em parceria com a Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT). Segundo a Ampara, o objetivo era dar visibilidade a crianças e adolescentes que estão na espera pela adoção.

Polêmica
Imagens do evento circularam nas redes sociais e criaram várias críticas. Muitas pessoas afirmaram que o desfile das crianças era semelhante à exibição de mercadorias. Outros questionaram a exposição da identidade delas.

O caso repercutiu na imprensa nacional e internacional. O jornal francês Le Monde publicou a seguinte manchete: “No Brasil, controvérsia em torno de um desfile de crianças à espera de adoção”. Já o jornal britânico Daily Mail publicou reportagem em que afirma:

“Imagens chocantes surgiram no estado de Mato Grosso mostrando órfãos de 4 a 17 anos desfilando na passarela, enquanto potenciais famílias batiam palmas e comemoravam”.

Repúdio
No dia 22 de maio, a Defensoria Pública de Mato Grosso divulgou nota de repúdio ao evento, afirmando que a grande exposição da imagem de crianças e adolescentes contraria os princípios da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Segundo a nota, “corre-se o risco de que a maioria dessas crianças e adolescentes não seja adotada, o que pode gerar sérios sentimentos de frustração, prejuízos à autoestima e indeléveis impactos psicológicos”.

A Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, também repudiou o desfile em nota.

Diante da repercussão, a OAB-MT e a Ampara divulgaram nota afirmando que o desfile fazia parte de uma série de ações da “Semana da Adoção”. De acordo com o texto, “nenhuma criança ou adolescente foi obrigado a participar do evento e todos eles expressaram aos organizadores alegria com a possibilidade de participarem de um momento como esse”. A ação ocorreu com autorização judicial conferida pelas varas da Infância e Juventude de Cuiabá e Várzea Grande. Após a primeira edição do desfile, em 2016, dois adolescentes foram adotados de acordo com os trâmites exigidos pela Justiça.

Adoção no Brasil
Dados do Cadastro Nacional de Adoção, do Conselho Nacional de Justiça, obtidos pelo portal R7, mostram que 9.393 crianças e adolescentes estavam disponíveis para serem adotados até janeiro de 2019. Desses, 76% têm mais de 5 anos de idade. Das crianças e dos adolescentes adotados no ano passado, só 39% tinham mais de 5 anos. Ou seja, a adoção é mais difícil à medida que a criança cresce.

Diante dessa dificuldade, ações sobre o tema são sempre bem-vindas. Entretanto, toda atividade envolvendo menores de 18 anos deve seguir rigorosamente o ECA para garantir a privacidade e o bem-estar das crianças. Que a repercussão do desfile sirva de reflexão não apenas nos casos envolvendo adoção, mas para que pais e familiares analisem os limites da exposição de menores de idade.

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Colaborador

Rê Campbell / Foto: Gettyimage