Vício em compras esconde problemas mais profundos

Desejo de comprar pode ser válvula de escape para sensação de vazio, tristeza e outras dificuldades. Saiba como superar essa compulsão

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Durante muito tempo o guarda-roupa de Vanusa Gonçalves, de 36 anos (foto abaixo), era semelhante ao estoque de uma loja. A empresária mineira revela que costumava comprar várias peças de roupa do mesmo modelo e variava apenas as cores. A maioria permanecia com etiqueta e jamais era usada. Vanusa também gostava de comprar sapatos e chegou a ter mais de 120 pares. “Eu comprava nos 365 dias do ano. Meus armários eram entulhados de roupas, óculos, bolsas e sapatos. Comprava coleções inteiras de esmaltes e maquiagem. Eram malas e malas de produtos”, lembra.

A empresária diz que sentia prazer em comprar, mas os itens adquiridos logo eram deixados de lado. “Eu me achava feia desde a adolescência e queria chamar atenção. Sentia um vazio, uma tristeza constante e acreditava que seria feliz com as compras, que elas iam preencher aquele vazio.”

O problema começou no fim da adolescência e foi piorando aos poucos, até que a mãe dela percebeu que algo estava errado. “Minha mãe conversou comigo e começou a controlar meu cartão de crédito.” Entretanto o estrago já estava feito. Sem conseguir pagar as dívidas, Vanusa teve o nome incluído nos serviços de proteção ao crédito. “Meus cartões eram recusados, eu não podia mais comprar fiado e fiquei angustiada. Entrei em um processo de depressão grande, brigava com a minha família, pensei até em me matar. Foi aí que procurei ajuda na Universal em Belo Horizonte, que era frequentada pela minha mãe”, diz. “Comecei a participar das reuniões e coloquei minha fé em prática.”

Ela acrescenta que também fortaleceu a autoestima. “Aprendi a me conhecer, a ter equilíbrio e a cuidar da minha autoestima. Percebi que a atenção que eu buscava nas compras era suprida pela Palavra de Deus”, resume. Hoje, já sem dívidas, Vanusa diz que compra apenas o necessário e não sente mais compulsão pelo consumo.

Compensação

Yuri Busin, psicólogo e doutorando em neurociência do comportamento, explica que a compulsão por compras pode ser gerada por uma tentativa de compensação emocional. “Em geral, a pessoa tem algum problema que não consegue suportar. Ela pode estar insatisfeita ou chateada, por exemplo, e busca as compras para obter um prazer momentâneo e compensar a tristeza. O problema é que o efeito positivo das compras passa rapidamente e a compulsão fica cada vez mais forte, até que a pessoa perde o controle”, esclarece.

A psicóloga Rosa Mercaldi confirma que o ato de comprar compulsivamente pode estar ligado a problemas mais profundos. “Pessoas que compram compulsivamente podem estar insatisfeitas e a compra é usada para esquecer outros problemas. Para elas, comprar dá a sensação de poder e excitação. Compradores compulsivos podem ser pessoas perfeccionistas, com a autoestima baixa, pouca tolerância à frustração e à solidão ou que têm forte sentimento de inadaptação ao mundo”, acrescenta.

Como identificar

Rosa afirma que a compulsão por compras se caracteriza por ideias repetitivas sobre o tema. “O pensamento sobre compras se torna obsessivo, a pessoa tem a mente dominada por ele, e o ato de comprar vira uma urgência. A compra ajuda a aliviar um estado interno de desespero e mal-estar.”

O psicólogo Thiago Domingues enumera algumas características dos compradores compulsivos. “Eles reclamam que o dinheiro já não comporta seus gastos, dizem ter necessidade por determinados produtos, sem que esses façam parte de sua rotina, e acumulam produtos. Geralmente, o compulsivo por compras detém mais de um objeto do mesmo tipo sob a justificativa de perder, estragar, molhar. Querem ter o ‘reserva’”, diz.

Aos poucos, o descontrole nas compras gera problemas financeiros e familiares. “Além das dívidas, a pessoa pode ser estigmatizada e receber críticas por comprar demais. Ela também pode ter mais brigas em casa porque não consegue controlar os gastos”, lembra Yuri Busin.

Tem solução?

Pessoas que compram compulsivamente podem buscar ajuda especializada para superar o problema. Segundo Busin, é importante retomar o controle das finanças, analisando as compras e evitando o uso do cartão de crédito. A pessoa ainda precisa investigar as causas relacionadas às compras compulsivas. “É fundamental verificar o que gera a compulsão por compras, descobrir o real problema, que pode ser até um trauma de infância.” Quando o comprador compulsivo não admite o problema, o psicólogo recomenda que a família busque ajuda de um profissional para analisar a melhor forma de abordar o problema.

Rosa Mercaldi acrescenta que é importante prevenir as compras por impulso. Para isso, ela sugere que cada pessoa se questione sobre os verdadeiros motivos para as compras. “Diante de cada compra, a pessoa deve se perguntar se ela realmente precisa daquilo e se pode pagá-la. Se for apenas um desejo, ela pode deixar para depois. Em vez de comprar por impulso, a pessoa toma consciência do que está fazendo”, ensina.

Thiago Domingues destaca que os apelos ao consumo desenfreado na sociedade contemporânea também representam um risco. “Hoje nos preocupamos com a publicidade em canais infantis porque os jovens têm apresentado muitos traços de compulsão por compras. Comprar algo, dar um presente a si mesmo em um momento importante não é sinal de perigo. Entretanto crer que qualquer conquista é passível de se autopresentear é um risco, pois o limite entre a compra saudável e a patológica pode ser muito sutil”, finaliza.

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Colaborador

Por Rê Campbell/ Fotos: Fotolia e Cedida