Estruturas abaladas
Com a “família de comercial de margarina” sendo cada vez mais incomum, os novos arranjos familiares refletem no desenvolvimento e no comportamento das crianças e até no da sociedade
Construir uma casa não é uma tarefa fácil nem rápida. É necessário planejamento, esforço e cuidados para garantir a segurança e o bem-estar desde o projeto até que ela, enfim, se torne uma moradia. Se uma viga de sustentação estiver comprometida, toda a estrutura fica abalada e, se com a casa tangível é assim, também é com a família, que está em constante construção.
Por causa de seu valor inestimável, a família define os conceitos de relacionamento, é a base da sociedade e ainda molda e dita princípios e valores para o cidadão.
Segundo o dicionário Houaiss, família é o “núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que, geralmente, compartilham o mesmo espaço e mantêm entre si uma relação solidária e estável”. Todavia, se seu dicionário tiver sido publicado antes de 2016, o conceito de família descrito é “grupo de pessoas vivendo sob o mesmo teto (especialmente o pai, a mãe e os filhos)”. Essa alteração ocorreu porque, com as mudanças nos arranjos familiares, o conceito foi adaptado – mas sua importância continua intacta.
Mudanças e reflexos
Dados do Observatório Nacional da Família (ONF), baseados em informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), indicam mudanças familiares significativas. Famílias compostas por casal com filhos eram 57,7% em 1995 e ficaram reduzidas a 42,3% em 2015. Já o núcleo familiar monoparental cresceu de 17,6% para 18,5%. Apesar de 4% dos arranjos familiares serem formados por pai solo, a predominância de famílias monoparentais é de mãe solo. Segundo o IBGE, 11 milhões de famílias são chefiadas apenas pela mãe. Esse número tende a ser ainda maior, já que, somente em 2022, foram concedidos mais de 90 mil divórcios em primeira instância a casais com filhos e nos primeiros quatro meses de 2022 mais de 56 mil crianças foram registradas no cartório sem o nome do pai na filiação.
Outra realidade é a necessidade de os genitores ou tutores trabalharem fora.
“As cobranças por sucesso profissional, na família, na escola e outras coisas geram em nós uma busca constante de ‘ter’ e ‘ser’. Isso faz com que a convivência com a criança se torne algo trivial, o que pode trazer prejuízos emocionais graves na fase adulta. Esses adultos ‘prejudicados emocionalmente’ acabam criando uma sociedade doente”, explica Jane Santos, neurocientista e psicopedagoga do Instituto Levi.

Nenhuma família é perfeita, mas cada integrante é um alicerce importante para a construção desse ser em formação e a falta de um lar bem estruturado afeta diretamente seu comportamento e seu desenvolvimento. Jane diz que, quando um familiar se ausenta de seu papel, mesmo que outro assuma a responsabilidade, ocorre uma perda: “quando, na criação da criança, falta, por exemplo, o papel do pai, a mãe assume toda a educação dela, mas, mesmo que ela se esforce para que todas as necessidades de desenvolvimento sejam supridas, infelizmente a falta do pai será sen
tida em algum momento desse desenvolvimento. Isso também acontece caso falte a mãe ou ambos os genitores”.
Em razão disso, muitas crianças e adolescentes acabam se submetendo a situações perigosas, como aceitar desafios de redes sociais para sentirem que fazem parte de algo, interagir com desconhecidos em busca de admiração e se envolver em atividades violentas para chamar a atenção.
Jane acrescenta que essa desestrutura familiar também reflete na vida adulta: “homens e mulheres carregam em sua alma essa ausência. São, por exemplo, mulheres que buscam no amor o papel paterno e homens que, sem nenhuma responsabilidade, deixam suas famílias para viver novas aventuras. Famílias desestruturadas geram adultos desestruturados”, salienta.
Relacionamento de qualidade
Jane ensina que o contato com a família desenvolve uma parte do cérebro chamada sistema límbico, no qual as emoções se desenvolvem: “ter esse registro de emoções bem desenvolvido desde o início da vida faz com que a criança cresça e se desenvolva com emoções bem estabelecidas. Contudo a palavra ‘família’ traz o quadro de um pai, uma mãe e, às vezes, irmãos e cada pessoa tem um papel importante no desenvolvimento emocional e social da criança. Se ocorre a falta de alguém, o aprendizado é incompleto e danos psicológicos e emocionais tendem a ocorrer”.
Não à toa o número de diagnósticos de doenças emocionais vem crescendo consideravelmente, especialmente entre crianças e adolescentes. A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta que, em pouco tempo, a depressão será a doença mais comum do mundo. E ainda há o crescimento colossal de casos de violência doméstica, abandono escolar e de atentados em escolas.
Engana-se quem pensa que a solução é recorrer a recompensas para os filhos, realizar todas as suas vontades, deixar de impor limites ou terceirizar a educação familiar para a escola, as ruas ou a internet. Essas não são saídas e podem gerar pessoas que, além de desestruturadas, são egoístas e sem empatia. O melhor caminho para equilibrar as atividades diárias e conseguir construir um lar saudável é investir em passar um tempo de qualidade com a família, mesmo que ele seja limitado.
“O tempo de qualidade não demonstra somente amor para a criança, mas também a ensina a se relacionar com outras pessoas. Ensina a elas limites, empatia e respeito. Claro que essa presença dos pais precisa ser equilibrada e feita com amor e carinho”, destaca Jane. Segundo ela, é necessário deixar o cansaço, as tarefas domésticas e as preocupações de lado e doar-se à criança sem interrupções enquanto brinca, conversa ou a ajuda nas tarefas escolares.
Ela diz que, para construir uma família bem estruturada, independentemente do arranjo dela, é necessário investir em um relacionamento amável, ter exemplos saudáveis de famílias para se espelhar, buscar em Deus sabedoria e conhecimento para ser sempre o melhor exemplo para seus filhos e cônjuge, ter um bom relacionamento entre todos os membros da família e, sempre que necessário, buscar ajuda espiritual ou profissional.
English
Espanhol
Italiano
Haiti
Francês
Russo