Penteado "afro" é proibido na África

Escola sul-africana impõe regras sobre cabelo das alunas, proíbe línguas locais que não sejam o inglês e causa protestos que ganharam o mundo

Imagem de capa - Penteado "afro" é proibido na África

Não, você não leu errado o título.Uma escola do ensino médio para meninas em Pretória, capital da África do Sul, proibiu penteados, como os chamados “afro”, o que causou descontentamento nas alunas, negras ou não, que recorreram às redes sociais e foram apoiadas por dezenas de milhares de usuários.

Para complicar ainda mais a situação, línguas e dialetos locais que não sejam o inglês foram proibidos nas dependências da escola, segundo as manifestantes, trazendo de volta um ar de apartheid, o antigo regime discriminatório imposto pela minoria dominante branca que governou a África do Sul durante décadas (desde 1948), que tornava o racismo aceito pela lei, mas foi abolido em 1994 – quando Nelson Mandela foi eleito presidente. Ele foi um ativista de etnia negra e passou 27 anos preso por lutar contra a segregação.
A questão da língua era ainda mais pesada, pois, enquanto os alunos negros seriam obrigados a falar somente inglês, aos brancos seria permitido usar idiomas como o africâner – língua derivada do holandês, proveniente dos colonizadores, hoje amplamente utilizada no país.

As alunas descontentes resolveram promover uma petição contra as regras abusivas, mas o fizeram bem além dos limites dos muros da escola: na internet. Só na primeira semana de setembro, as assinaturas online de apoio ao protesto já somavam mais de 31 mil. A hashtag que identifica a causa, “StopRacismAtPretoriaGirlsHigh (Basta de Racismo na Escola Pretória do Ensino Médio para Meninas, em tradução livre), foi usada mais de 150 mil vezes na web no mesmo período.

As autoridades de ensino da província ordenaram uma investigação sobre o caso. A escola, fundada em 1902, durante o apartheid era reservada apenas a alunas brancas, o que mudou quando Mandela assumiu a presidência. Contudo, parece que boa parte do corpo docente não aceitou muito bem os ventos da mudança e impôs regras que são absurdas em qualquer lugar, mas ganham mais peso pelo fato se passar exatamente em território africano e no país que é o maior símbolo da luta contra a discriminação racial.

“Parecem macacos”

Claro que qualquer escola tem todo o direito de elaborar e cobrar de seus alunos regras de conduta e de vestuário, caso contenham excessos. Na instituição de ensino para meninas de Pretória, inclusive, há a clara proibição de roupas e penteados extravagantes, como os cabelos tingidos de cores berrantes, mas não havia nenhuma norma expressa sobre penteados afro ou quanto às dimensões dos fios, sendo algo imposto repentinamente pelos docentes, o que revoltou ainda mais as alunas. Há mesmo um certo exagero, que as garotas fizeram bem em não aceitar, de limitar o penteado afro em pleno continente dos cabelos crespos e cacheados. A proibição das línguas locais é tão grave quanto ele.

A escola não quis comentar o caso, mas teve de voltar atrás nas imposições após o caso ganhar o noticiário. O ministro da Educação da província local de Gauteng, Panyaza Lesufi, classificou as regras como “da Idade da Pedra” durante entrevista concedida a uma rádio. Em visita à escola, ele recebeu denúncias de alunas negras de que, de acordo com alguns funcionários, com os penteados em questão elas “parecem macacos ou têm ninhos na cabeça”. Além disso, para o ministro, “o uso da diversidade de idiomas deve ser encorajado para todos os alunos”.

Questão de respeito

A luta não diz respeito somente a adolescentes negras do sexo feminino. Essa atitude fere os direitos humanos em geral, incluindo os da mulher, outro assunto amplamente abordado no mundo atual. A ativista Simamkele Dlakavu, de Johannesburgo, maior cidade da África do Sul, é conhecida justamente por lutar contra a discriminação em geral, sobretudo aquela contra a população negra e feminina. Uma das maiores apoiadoras do protesto das meninas de Pretória, ela postou em seu perfil no Twitter uma fotografia das garotas em uma manifestação em frente à escola, que evidenciava uma menina fazendo com as mãos um conhecido gesto contra a opressão aos negros (os punhos cerrados e juntos, como se estivessem acorrentados, sendo “soltos”), com o texto: “Esta foto dela me causa arrepios. Ela clama por seu espaço, seu corpo e seu direito de ser”, em tradução livre, seguida pela hashtag do movimento. O post chamou atenção da mídia internacional e foi reproduzido no site da rede britânica BBC.

Enquanto se luta tanto contra o racismo em outros países com descendentes de africanos (incluído o Brasil, no qual muitos ainda se iludem quanto à inexistência de discriminação), na própria Mãe África alguns tentam fazer as conquistas andarem para trás e logo no país que se orgulha de ser hoje livre do apartheid – pelo menos na teoria, como podemos ver levando em conta esse caso. De que vale qualquer lei se parte da própria população não a obedece? É tudo uma questão de respeito pelo próximo. E isso cabe a cada um que se considere cidadão de qualquer lugar, a despeito de ser previsto em lei ou não.

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Colaborador

Por Marcelo Rangel / Fotos: Fotolia