Quando a opinião se torna discurso de ódio
A violência verbal nas redes desafia leis e valores éticos. Especialistas apontam que a mudança real depende de educação, empatia e responsabilidade digital
Você já parou para pensar quanto tempo passa em frente às telas? O computador, o celular e outros dispositivos eletrônicos se tornaram ferramentas indispensáveis para o trabalho, o lazer e a comunicação em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, as pessoas passam, em média, cerca de nove horas diárias conectadas à internet, tempo que, muitas vezes, supera o período destinado ao sono.
Essa intensa presença no ambiente digital, no entanto, tem revelado não apenas uma nova forma de interagir, mas também o crescimento de um fenômeno preocupante: o discurso de ódio, que encontra espaço fértil nas redes sociais para se propagar.
Casos que se repetem
Um caso que ganhou ampla repercussão recentemente foi o assassinato do ativista conservador Charlie Kirk, de 31 anos, aliado do presidente norte-americano Donald Trump. Ele foi morto por disparos de arma de fogo enquanto discursava na Universidade do Vale de Utah, nos Estados Unidos.
O episódio rapidamente ganhou as redes sociais, nas quais surgiram inúmeros comentários comemorando a morte de Kirk e até mesmo elogiando a atuação do assassino. Entre eles, destacou-se o de um médico brasileiro, que publicou em sua conta pessoal: “Um salve a este companheiro de mira impecável”.
Questionado por um veículo de comunicação, o autor da postagem afirmou que o comentário não refletia sua opinião, classificando-o como uma colocação “infeliz” e “fora de contexto”. No entanto, uma vez na internet, o discurso de ódio se espalha com rapidez e encontra eco em diferentes espaços.
Esse tipo de comportamento não se limita a temas políticos. Ele também aparece em ataques à aparência física, ao peso, à cor da pele, à condição financeira, à religião e a tantos outros temas. Comentários maldosos, que muitas vezes são feitos sob o disfarce de “brincadeira”, têm criado um ambiente virtual cada vez mais tóxico.
De onde vem tanto ódio?
As críticas fazem parte da convivência social. No entanto, quando vêm carregadas de preconceito e incentivam a violência, é importante questionar o que está por trás de quem as faz. “Precisamos entender que comportamentos violentos constantes e discursos de ódio são reflexos de pessoas que não estão bem mental e emocionalmente”, explica a psicóloga Camila Galhego.
Ela destaca que a agressividade nas redes afeta a convivência social e o equilíbrio emocional das pessoas: “Eu costumo dizer que as redes sociais são uma extensão do que somos fora dela. A agressividade on-line contra terceiros afeta tanto a quem fere como a quem é ferido. Inúmeras pessoas têm desenvolvido quadros de baixa autoestima, depressão e ansiedade em razão desse tipo de comportamento”.
Segundo ela, o combate ao ódio e à intolerância começa dentro de casa. “Precisamos ser exemplo de respeito, empatia e afeto. Quando ensinamos valores e os praticamos no convívio familiar, nossos filhos tendem a agir com base neles por onde forem”, diz.
Liberdade de expressão e direitos fundamentais
A Constituição Federal garante a liberdade de expressão e assegura o direito de qualquer cidadão opinar e se manifestar em relação a diferentes temas. No entanto esse direito não deve ser confundido com a possibilidade de dizer qualquer coisa e não considerar as consequências. “Essa liberdade cessa quando o discurso viola direitos fundamentais de terceiros – como dignidade, honra, igualdade e segurança”, explica o advogado Márcio Ikeda. “O Marco Civil da Internet e o Código Penal são taxativos: liberdade de expressão não é salvo-conduto para agredir, humilhar ou violar direitos fundamentais. Opinião não é licença para ferir.”
Segundo Ikeda, o uso irresponsável da fala e das redes sociais tem consequências profundas para a sociedade, uma vez que empobrece discussões importantes. “A banalização da violência verbal corrompe o espaço público de diálogo, alimenta a polarização, compromete a saúde mental coletiva e degrada a qualidade do debate democrático, substituindo argumentos por hostilidade”, esclarece.
Avanços sociais e éticos
Apesar dos avanços na legislação e das discussões sobre punições ou a regulamentação das grandes empresas de tecnologia para coibir o discurso de ódio, o caminho mais eficaz ainda é a conscientização social e a formação ética da população.
“A legislação pode punir, regular e orientar, mas é na educação, digital e moral, que se constrói uma cultura de respeito. Só com uma sociedade mais crítica, ética e responsável no uso da palavra é que o discurso de ódio deixará de ser tolerado e reproduzido”,
conclui Ikeda.
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