Perigos da internet: quando a diversão se transforma em ameaça
Famosas entre crianças e adolescentes, plataformas de jogos on-line acabam sendo o cenário perfeito para que criminosos atuem
A ideia de que crianças e adolescentes estão seguros apenas por estarem dentro de casa é uma grande ilusão. Uma pesquisa da TIC Kids Online Brasil 2024, sobre o uso da internet por esse público, revelou que entre os usuários de 9 a 17 anos, 30% já tiveram contato com pessoas que não conheciam pessoalmente e 29% relataram ter passado por situações ofensivas. E os números não param por aí.
De acordo com o Diagnóstico da Violência Sexual Online: Crianças e Adolescentes, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, publicado em maio de 2025, foram registradas 6.364 denúncias de violência sexual online em apenas um ano. Em 87% dos casos, os agressores eram homens. Infelizmente, os crimes de natureza sexual continuam sendo os que mais atingem crianças e adolescentes.
Dois casos recentes chamaram a atenção da mídia. O primeiro ocorreu em maio, quando um homem de 21 anos foi preso por usar a plataforma do jogo Free Fire para aliciar crianças e adolescentes, oferecendo vantagens dentro do jogo em troca de imagens íntimas. O segundo aconteceu em agosto: um homem de 42 anos foi detido após adotar a mesma estratégia, também utilizando o Free Fire. Além dessa plataforma, criminosos têm recorrido a outros ambientes digitais, como Roblox e Discord, para atrair e explorar menores.
Por que nos jogos online?
A maioria das plataformas de jogos online permite a interação entre os jogadores e, muitas vezes, com codinomes e sem fotos reais. Logo, perfis falsos e até deepfakes (vídeos e imagens criados com o auxílio da inteligência artificial) tornam-se um escudo para assediadores se aproximarem das crianças e dos adolescentes sem levantar suspeitas e, assim, cometerem crimes enquanto permanecem no anonimato – que pode ser desvendado por meio de ordem judicial.
Como acontece?
Confiança. É assim que geralmente começa o processo de grooming (aliciamento online). O criminoso inicia a interação enquanto a criança ou o adolescente joga e se diverte. Aos poucos, ao oferecer ajuda ou recompensas dentro do jogo, conquista a confiança da vítima. A partir daí, passa a praticar crimes como violência sexual – que pode envolver assédio, troca de fotos e vídeos, abuso e exploração – além de pornografia infantil e até mesmo cyberbullying.
“Na prática, os criminosos que se infiltram em plataformas de jogos virtuais se aproveitam do
bate-papo escrito e, principalmente, da comunicação pelo microfone. Por quê? Porque os criminosos conseguem utilizar vozes de menores ou até simular essa voz com o uso de ferramenta de inteligência artificial, e isso dá certa credibilidade à criança, que acredita estar se comunicando com outra criança”, aponta Luiz Augusto D’Urso, advogado especialista em Direito Digital e Crimes Cibernéticos.
Neste cenário, temos diferentes responsabilidades que devem ser assumidas, principalmente pelas plataformas de jogos online e pelos pais e/ou responsáveis.
Papel das empresas
Os jogos online podem trazer benefícios para crianças e adolescentes, como estímulo à criatividade, concentração, memória, raciocínio lógico, além da possibilidade de desenvolver habilidades sociais e de tomada de decisão. No entanto, esses ganhos só se concretizam quando o uso respeita o tempo de tela adequado para cada faixa etária e a classificação indicativa da plataforma. Por isso, combater os cibercrimes é fundamental.
Bruna Ferreira, advogada criminalista e professora de Direito Penal, ressalta que as plataformas e empresas de jogos têm um papel intransferível na proteção de crianças e adolescentes: “Ao oferecerem um espaço digital, assumem também a responsabilidade de zelar por quem o utiliza. Isso significa investir em sistemas eficazes de moderação de conteúdo, filtros contra mensagens abusivas, identificação rápida de contas falsas e canais acessíveis de denúncia. Não basta entreter, é preciso proteger”, enfatiza.
Ter um canal de denúncia eficiente dentro da plataforma, aliado a alertas de segurança e recursos educativos que informem crianças e adolescentes sobre os riscos, é a sugestão de D’Urso. Ele destaca ainda que pais e responsáveis têm papel essencial ao orientar e acompanhar os menores.
Papel das famílias
“Os pais precisam utilizar tudo o que está a serviço da segurança. Desde aplicativos de controle parental e bloqueio de conteúdos inapropriados, canais de denúncia e comunicação entre os responsáveis. Todo tipo de controle, inclusive físicos, como colocar o dispositivo na sala ao invés do quarto para acompanhar a utilização, além de jogar junto e se inserir nos grupos de bate-papo também é aconselhável”, acrescenta D’Urso.
Esse acompanhamento atento permite identificar excessos no uso das plataformas e perceber se a criança ou o adolescente está sendo vítima de algum crime, possibilitando a intervenção e a denúncia. Na próxima edição, traremos uma matéria com orientações específicas sobre esse tema.
Por fim, Bruna esclarece: “Estar por perto não significa invadir a privacidade, mas mostrar que o mundo virtual também exige limites e responsabilidades. Educar para o mundo digital é, antes de tudo, ensinar que a liberdade online deve caminhar junto com a responsabilidade e o cuidado, gerando uma relação familiar de segurança, afeto e confiança”.
Principais cibercrimes contra crianças e adolescentes
Bullying e Cyberbullying (art. 146-A e parágrafo único do Código Penal)
Atos intencionais e repetitivos que visam intimidar, constranger ou humilhar a vítima, seja presencialmente ou no ambiente virtual, podendo envolver violência física, psicológica ou social.
Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A do Código Penal)
Envolve praticar, na presença de alguém menor de 14 anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem.
Estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal)
Caracteriza-se quando o adulto pratica ato libidinoso ou relações sexuais com menor de 14 anos mediante violência ou grave ameaça.
Corrupção de menores (art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente)
Quando adultos corrompem ou facilitam a corrupção de menor de 18 anos, que pratiquem atos ilícitos ou se exponham a situações de risco.
Exposição de conteúdo íntimo sem consentimento (art. 218-C do Código Penal)
Oferecer, disponibilizar, divulgar por qualquer meio, vídeos ou fotos sem o consentimento da vítima, contendo cena de sexo, nudez ou pornografia, com o intuito de constrangê-lo ou coagi-lo.
A pena aplicável varia conforme a situação concreta, podendo se tornar mais grave dependendo da idade da vítima, das circunstâncias do crime e de sua gravidade. Independentemente da punição, é fundamental registrar a denúncia – seja na Delegacia Especializada em Crimes Cibernéticos, na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente ou, na ausência dessas unidades, na delegacia mais próxima. Também é possível denunciar pelo Disque 100. Somente com essas notificações os legisladores terão dados precisos para desenvolver políticas públicas eficazes e, assim, contribuir para a criação de um ambiente mais seguro para crianças e adolescentes.
Fonte: Bruna Ferreira, advogada criminalista e professora de Direito Penal
Acompanhe mais uma matéria da série “Perigos na internet” na próxima edição da Folha Universal.
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