Na era dos produtos e receitas milagrosas

Atores que fingem ser médicos para vender milagres encapsulados e influenciadores descompromissados fisgam desde os bem-intencionados até os que, desesperados, já tentaram de tudo em nome da saúde

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Não é de hoje que influenciadores e personalidades da mídia se expõem e emprestam sua visibilidade para a divulgação de produtos encapsulados, rotulados e vendidos como milagres para cuidar da saúde. E, infelizmente, há público para eles. Nos últimos anos, muitas pessoas têm buscado informações sobre saúde na internet, especialmente em redes sociais, e, algumas delas, depois de experimentarem tratamentos convencionais sem sucesso, apelam para soluções sem comprovação científica. Recentemente, o assunto virou caso policial. Após denúncia feita pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), em julho de 2024, o Ministério Público de São Paulo instaurou uma investigação para apurar empresas e vídeos na internet que vendem produtos e suplementos que prometem resultados salvadores. Para gerar credibilidade, atores interpretavam médicos e farmacêuticos e até usavam indevidamente registros profissionais. Em um desses conteúdos, um alimento misterioso foi alçado como a solução para os sintomas da menopausa; em outro, foi ofertado um emagrecedor “100% natural” supostamente regulamentado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o que a instituição negou.

O cirurgião plástico e coordenador do Departamento de Comunicação do Cremesp, Alexandre Kataoka, explica à Folha Universal que o inquérito criminal segue em sigilo. Ele sinaliza que, assim como temos informações excelentes no ambiente digital, “temos o poder da disseminação viral de informações ruins, como atores se passando
por médicos”.

GOLPES EM TODO O MUNDO

Histórias como essa, que afetam pessoas em busca de saúde, também são comuns no exterior. Um dos casos que vieram à tona foi o escândalo de uma influenciadora australiana que, na época, com mais de 300 mil seguidores, compartilhou com o mundo a cura de um falso câncer cerebral. Esperançosas, muitas pessoas tentavam, em vão, imitar o estilo de vida comercializado em seu livro e aplicativo próprio. Ao ser descoberta, ela foi condenada a pagar uma multa de US$ 300 mil, o equivalente a pouco mais de R$ 1,7 milhão.

Na era dos produtos e receitas milagrosas

Em busca de solução para doenças como síndrome do ovário policístico (SOP), muitas mulheres se tornam adeptas de “protocolos” de saúde. Nos Estados Unidos, uma empresária, cujo perfil em uma rede social atrai mais de 120 mil seguidores, oferece um tratamento que contém plano de dieta, suplementos e coaching pelo valor de US$ 3,6 mil (R$ 20,5 mil). Embora a mulher se considere “praticante de nutrição”, use o título de terapeuta nutricional e, inclusive, tenha uma clínica com equipe multidisciplinar, ela não tem competência médica ou de um nutricionista e, em tese, não estaria qualificada para oferecer tudo o que comercializa. Procurada pela BBC, ela não
quis dar entrevista.

Tanto os profissionais que cedem aos apelos sensacionalistas quanto os influenciadores que se apropriam dos princípios médicos para lucrar à base de promessas milagrosas fisgam uma plateia volumosa e ávida por saúde – não é à toa que a indústria do bem-estar movimentou US$ 6,3 trilhões em 2023, segundo o Global Wellness Institute. Para Kataoka, os números se justificam porque a proposta de ter uma vida saudável seduz. “Na verdade, a vida saudável seria o ideal, porém, ela é possível com mudança de hábitos, atividade física e alimentação adequada e, infelizmente, as pessoas querem algum produto milagroso. As pessoas querem o mais fácil”, diz.

ALERTA

Hoje, com a facilidade de criar um perfil nas redes sociais e com a liberdade de apertar um botão e começar a pregar o fantástico mundo da vida saudável, todos podem se autointitular especialistas – inclusive estelionatários. Buscar saber a qualificação de quem se diz profissional, portanto, é uma forma de proteger a própria saúde. “Em todo o Brasil, basta entrar no site do Conselho Regional de Medicina e buscar o nome do profissional ou o CRM dele. Lá, constará se, de fato, é um profissional e a especialidade em que está registrado. O mais importante é saber quem são essas pessoas e não somente visualizar os likes e a quantidade de seguidores. Hoje existe uma inversão de valores”, observa Kataoka. Ele também cita que “o médico não pode se associar a produtos medicamentosos até mesmo os ditos naturais, que não deixam de ser medicamentos. Se ele estiver fazendo isso, está infringindo o código de ética”.

Outro cuidado é não atropelar a ordem natural dos cuidados de saúde. “Obrigatoriamente, qualquer tipo de medicação ou suplemento tem que ser prescrito por um médico mediante anamnese (histórico do paciente) e exame físico. Não existe nenhum tipo de prescrição que o médico faça fora de consulta. Então, prescrições e prescritores por meio de redes sociais e de comerciais não existem”, finaliza.

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Colaborador

Flávia Franscellino / Fotos: GettyImages