Violência doméstica: vítimas expõem casos para se defender

Brasil registrou quase 700 mil denúncias de violência contra a mulher em 2020. Dado revela a importância de identificar o relacionamento abusivo

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Os índices de violência contra a mulher no Brasil são assustadores. Em 2020, por exemplo, foi registrada uma denúncia por minuto, segundo dados contidos na nova edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em julho. O número corresponde ao total de 694.131 ligações para a polícia, um crescimento de 16,3% em comparação com o ano anterior.

Neste ano, inúmeras situações de violência já foram divulgadas e até se tornaram assunto público, como no caso do cantor Iverson de Souza Araújo, o DJ Ivis, de 29 anos, que é acusado de agredir a ex-mulher, Pamella Holanda, influenciadora digital de 27 anos.

Em suas redes sociais, Pamella divulgou vídeos que mostram momentos em que o produtor a agride de forma violenta com socos, empurrões e pontapés. Os atos de violência aconteciam inclusive na presença de outras pessoas, que não reagiam às cenas nem impediam as agressões. De acordo com Pamella, a situação começou quando ela estava grávida e se repetiu diversas vezes depois do nascimento da filha, inclusive na frente da criança que hoje tem nove meses.

A repercussão foi inevitável. O DJ até entrou na Justiça com um pedido para proibir a ex de falar das agressões ou de divulgar vídeos na internet, mas sua solicitação foi negada. Ele teve a prisão decretada e sentiu no bolso as consequências das agressões contra a ex-mulher.

Isso porque cantores e gravadoras cancelaram as parcerias com ele, plataformas de streaming de música tiraram suas faixas das playlists e até rádios cortaram suas músicas da programação.

Relacionamento abusivo
As agressões não surgem repentinamente, mas os abusos vão aos poucos fazendo parte do contexto de vida das pessoas. Mas, afinal, como caracterizar uma relação tóxica? “O relacionamento abusivo acontece quando há um limitador de vontades e de pensamentos. Percebo que há situações em que a vítima muda até seu perfil emocional para agradar ao outro”, explica a psicóloga Veruska Ghendov. Ela ressalta que, além das agressões físicas, a violência pode ser psicológica e emocional. “Todas essas situações afastam a vítima de sua vida social, de sua família, dos amigos, até que ela fique presa ao abusador.”

Veruska ressalta que a manipulação é uma característica comum em quem tem tendência a agredir fisicamente ou psicologicamente uma pessoa. “Em um primeiro estágio, a vítima se sente culpada e começa a achar que suas ações machucam o outro e passa a se limitar por esse sentimento. A segunda etapa envolve a carência e o medo do relacionamento chegar ao fim. E, na terceira etapa, a pessoa se torna dependente emocionalmente do abusador.” Essa dependência emocional faz com que a vítima demore a terminar o relacionamento ou a denunciar a situação.

O ciclo da violência
De acordo com Raquel Kobashi Gallinati, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo e diretora da Associação dos Delegados do Brasil, a violência doméstica acontece em três fases que criam um ciclo: “a primeira é a fase da tensão, quando começam os xingamentos de raiva, os insultos e as ameaças. Depois dessa fase, a violência evolui para a agressão física. A pessoa se descontrola, ofende e agride a outra fisicamente. E existe a terceira fase, que chamamos de lua de mel, na qual o agressor tenta voltar e restabelecer o relacionamento. A mulher acredita no pedido de perdão, volta para o relacionamento e acaba retornando ao início do ciclo de violência”, detalha.

Denuncie
O principal canal de denúncia de violência contra a mulher é o Ligue 180, uma central de atendimento especializada no assunto. “As vítimas também podem buscar a Casa da Mulher Brasileira, as Delegacias de Defesa da Mulher, os Núcleos de Atendimento às Mulheres e outros setores de segurança pública, como a Polícia Militar e a Polícia Civil”, lista Raquel.

Ao fazer uma denúncia e em caso de violência física que tenha causado hematomas, a vítima é encaminhada para realização do exame de corpo de delito e muitas vezes já é solicitada uma medida protetiva de urgência para ela.

Papel de toda a Sociedade
Quando um caso de violência é exposto, a sociedade passa a ter em suas mãos o poder de apoiar ou mostrar sua insatisfação com o agressor e ele pode ter consequências sociais e até financeiras. “A pessoa que é abusadora não quer perder seus lucros. Então, a melhor forma é verbalizar, denunciar e expor o que está acontecendo para evitar que existam futuras vítimas. Se o abusador percebe que tem perdas, ele deixa de agir de forma negativa”, diz Veruska.

Já Raquel reforça que o combate à violência doméstica não é uma causa só das mulheres, mas de toda a sociedade: “estamos falando da defesa dos direitos humanos”.

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Colaborador

Cinthia Cardoso / Foto: Getty images