Voto auditável: por que a resistência?

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As urnas eletrônicas estão na pauta e na ordem do dia. O presidente Jair Bolsonaro defende que o atual modelo não é confiável e alega que já houve fraudes em eleições passadas. Por outro lado, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sustenta que não há vulnerabilidade no sistema atual, apesar da evidente possibilidade de manipulação quando da conexão da urna com a internet, o que pode deixar o voto exposto à ação de hackers.

O assunto divide opiniões de quem é contra e a favor da impressão do comprovante de votação. Misteriosamente, quem era a favor de auditar os votos, agora, por interesses não revelados, passou a se posicionar contra. A ideia do governo é que a partir das eleições de 2022 o voto do eleitor na urna eletrônica seja impresso e o comprovante depositado em uma urna acoplada a ela. Em caso de suspeita de fraude, os votos em papel seriam aferidos e atestariam o resultado das eleições.

A urna eletrônica foi adotada em 1996 e já é tempo de ser revista, pois a vida útil de aparelhos tecnológicos é sobremodo curta. As barreiras contra trapaças não são infalíveis e o uso off-line da urna dura somente até a finalização do dia da votação. Em seguida, ela é conectada à internet e redes ligadas ao TSE, o que pode deixar vulnerável todo o sistema, abrindo caminho para que o mal-intencionado possa manipular o destino das eleições. E isso é algo muito grave para ser tratado com banalidade.

As urnas eletrônicas deixaram o voto nas cédulas de papel no passado, o que foi à época um grande avanço. Mas ainda há dúvidas a respeito da lisura, da vulnerabilidade e da manipulação do voto eletrônico. Hoje temos a celeridade na divulgação dos resultados das eleições e eliminou-se a tentativa de fraudes do sistema anterior, como a introdução de cédulas extras nas urnas, a marcação posterior de votos em branco, a votação de um eleitor em lugar de outro e a contagem enviesada de votos. Mas, em um mundo cada vez mais tecnológico, as fraudes e invasões a banco de dados de empresas com altíssima segurança tecnológica demonstram que os crimes cibernéticos são mais perigosos e poderosos que os off-line. No momento que a urna é conectada à internet para que os votos sejam transmitidos, os níveis de segurança quase desaparecem diante da habilidade de hackers em invadir sistemas e vazar dados. Vale destacar que o STF abriu inquérito para investigar uma suposta invasão aos sistemas da Corte, quando um ataque de hacker derrubou todos os acessos ao site do Tribunal, incluindo informações internas.

Em uma sessão temática no Senado Federal, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, saiu em defesa das urnas eletrônicas.

Não é comum um representante do Judiciário ter uma postura tão ativista em prol de uma causa tão questionável que cabe ao povo e a seus representantes, o Parlamento. Segundo ele, o voto impresso sairia da mesma urna eletrônica que estaria sob suspeita, em tese, e se ocorresse fraude no eletrônico também ocorreria no impresso. No entanto, com o voto impresso, a sociedade e as autoridades competentes teriam condições inequívocas para mapear os votos e aferir a autenticidade da contagem eletrônica.

Com a criptografia, os votos depositados nas urnas eletrônicas são misturados pelo sistema, impedindo que se identifique como cada pessoa votou. Isso é inadmissível. O cidadão tem direito de saber por um processo mais transparente a quem confiou seu voto. E isso deve ficar muito claro para não haver dúvidas da escolha popular nas urnas. Não podemos ser reféns de máquinas e de tecnologias que podem servir como marionetes nas mãos de interesses ocultos. As urnas eletrônicas não podem ficar acima do princípio constitucional da transparência nas relações públicas.

O voto impresso seria uma camada maior de segurança. No sistema democrático o poder emana do povo, portanto, devem ser levadas em conta as manifestações populares nas ruas no domingo, 1º de agosto, em favor do voto auditável, entendendo que mais uma camada de segurança só fará bem ao processo eleitoral e bem maior à democracia. É preciso encontrar uma forma de eliminar essa desconfiança que paira por parte do povo brasileiro e ameaça a espinha dorsal do Estado Democrático de Direito. Quanto mais transparência no processo eleitoral, melhor para a democracia.

Denis Farias é advogado, professor e consultor jurídico

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Colaborador

Redação / Foto: Getty images