“Tenho muitos traumas, em especial quando homens mais velhos me olham”
17,5 mil crianças e adolescentes foram abusados sexualmente em 2015 no Brasil
Com 13 anos de idade, a vida de GV (pseudônimo) foi marcada por um estupro. O abusador foi um tio dela, adorado pela família e a pessoa de quem menos se esperaria tal violência.
O abuso, como descreve a hoje estudante de direito de 22 anos, foi gradativo. Teve início com brincadeiras constrangedoras até chegar a toques indevidos enquanto ela dormia. O estupro ocorreu num dia em que GV estava sozinha em casa acompanhado de agressões e ameaças. “Nos primeiros dias, a dor física era maior, eu queria me esconder, dormia o tempo todo. Quis me vingar e até tentei suicídio. Tenho muitos traumas, em especial quando homens mais velhos me olham. Hoje percebo que isso deu lugar a muitas relações abusivas na minha vida. A sensação é a de estar sempre em perigo.”
Segundo o artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, nenhuma criança ou adolescente pode ser objeto de discriminação, exploração, violência ou crueldade, seja de forma ativa, seja por omissão dos outros.
No entanto, a realidade é absurdamente diferente. Segundo dados do Disque Denúncia Nacional (Disque 100), 17,5 mil crianças e adolescentes foram abusados sexualmente no Brasil em 2015, quase 50 vítimas por dia.
Angelo Motti, psicólogo e membro do Comitê Nacional de Combate ao Abuso e Exploração de Crianças e Adolescentes, explica que há duas situações para esses casos: abuso e exploração comercial. O abuso implica sempre uma relação de confiança do abusador com a criança; já a exploração é uma forma de relação comercial em que se oferece algo à criança pelos favores sexuais.
Como o abusador pode ser a pessoa que menos imaginamos, Motti recomenda estarmos atentos a qualquer aproximação com a criança que fuja dos costumes. “A relação abusiva nasce de um vínculo de confiança e jamais tem a violência como ponto de partida.”
Além disso, é importante nutrir o raciocínio das crianças em relação à sexualidade, dentro da capacidade de compreensão delas, e orientá-
las sempre sobre quem pode tocá-las. É preciso observar também alguns sinais de alerta quanto à ocorrência do abuso, como mudança de humor, agressividade ou retraimento e se houve diminuição da motivação da criança.
O psicólogo destaca ainda que as crianças mais expostas a relações de abuso são aquelas que não recebem carinho da família. “Mesmo com a dor do abuso físico, o carinho do abusador lhes conforta”, adverte.
“A parte mais difícil é ter medo de falar, somos nosso maior inimigo, mas precisamos entender que a vítima nunca tem culpa”, ressalta GV.
Não se omita. Em caso de suspeita de abuso, denuncie pelo Disque 100.