Os grandes riscos das fake news

Até mortes são causadas por boatos e notícias sem comprovação. Próximo às eleições, é ainda mais importante saber como não cair na armadilha de julgar sem base e divulgar mentiras

Em 2014, a dona de casa Fabiane de Jesus, de 33 anos, foi amarrada, linchada e morta por populares no Guarujá (SP), vítima de uma notícia falsa publicada e compartilhada no Facebook. O boato dizia que uma mulher estava sequestrando crianças para rituais de magia e trazia um retrato falado e uma foto de outra mulher, mas alguém achou que se tratava de Fabiane e a tragédia aconteceu.

Oito anos depois, no último dia 10 de junho, mais uma vítima de boatos: o advogado Daniel González, de 31 anos, foi agredido e queimado vivo por mais de 200 pessoas em Papatlazolco, pequena cidade mexicana, depois que um áudio veiculou pelo WhatsApp que estranhos andavam pela região para sequestrar crianças para tráfico de órgãos. Daniel, segundo autoridades, era apenas um turista ali, respeitado em seu trabalho e tentava fugir do estresse da cidade grande. Os áudios do WhatsApp não apenas eram falsos como circulavam há anos em várias pequenas regiões mexicanas. Até o momento não foi identificado o primeiro a ligar a fake news ao turista e incitar o ódio da população.

Esses são apenas dois dos muitos casos em que fake news – notícias falsas geralmente sem autoria definida – produziram vítimas de injustiças e até morte. Tal tipo de assunto se espalha 70% mais rápido do que notícias reais, segundo estudo feito pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla original), dos Estados Unidos. A falta de critério ao acessar a internet e suas redes sociais é responsável por grande parte dessa rapidez, segundo a instituição.

Causa de crimes
De acordo com o advogado Euro Bento Maciel Filho, de São Paulo, apesar de as notícias falsas não serem tipificadas como crime em si – já tramitam propostas com essa intenção no Congresso Nacional –, “existem artigos de lei que preveem crimes que podem se encaixar no comportamento daqueles que divulgam fake news, a depender da conduta praticada pelo agente. É fato que esses conteúdos podem provocar ofensas à honra ou à reputação de determinada pessoa física ou jurídica e isso é tipificado no Código Penal como injúria, difamação ou calúnia”.

Para Maciel Filho, redes como Twitter, Facebook e Instagram alcançam milhões de pessoas em todo o mundo diariamente, “então qualquer tipo de conteúdo pode ser espalhado de maneira rápida, sem se preocupar com a veracidade do tema em questão. Os motivos para espalhar mentiras são inúmeros, desde razões políticas e ideológicas até aquelas de cunho eminentemente pessoal”.

O advogado, mestre em direito penal, considera que a melhor arma contra os boatos é o bom senso: “cada pessoa é um potencial agente propagador. Então cabe a nós mesmos fazermos o papel de fiscais, verificando a idoneidade da fonte, examinando com cautela se a notícia traz algo absurdo ou fora do contexto real. As fake news são divulgadas a partir da falibilidade humana, então é aí que o controle deve começar”.

Mentira ou opinião?
É preciso, porém, saber diferenciar liberdade de expressão e mentira. Todos devem ter o direito de se pronunciar, independentemente de sua opinião ou ideologia. São destacáveis as palavras do filósofo francês Voltaire: “não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres”.

Infelizmente, a atual polarização política faz com que muitas pessoas confundam opinião com informação. As perigosas fake news são pseudonotícias, seus autores devem ser punidos e ninguém deve compartilhá-las. Já pensamentos, convicções e pontos de vista são garantidos pela Constituição brasileira. Todos têm direito a expressá-los e ninguém deve ser punido, quando eles não incidirem em crimes, como calúnia ou difamação.

Fake news em ano eleitoral

Em tempos de polarização política, embora não seja necessário um “tribunal da verdade”, como deseja instaurar o Projeto de Lei 2630/2020, que ficou conhecido como PL das Fake News, é muito importante estar atento às mentiras espalhadas que visam confundir os desatentos. Alguns candidatos e seus apoiadores investem pesado nesse conteúdo e ter senso crítico é a melhor saída. Isso vale tanto para mensagens em aplicativos quanto para notícias.
E cuidado: muitas vezes, autores de fake news tentam fazer com que suas informações pareçam verdadeiras, citando falsamente fontes como instituições e pessoas respeitadas em suas áreas. Aprenda a se proteger:

• Não leia apenas o título
Leia o conteúdo da notícia na íntegra antes de compartilhá-la. Observe se os textos estão escritos de forma coerente e sem erros gramaticais, pois jornalistas e organizações oficiais geralmente não cometem esses tipos de erros. Tenha cuidado também com manchetes sensacionalistas: quanto mais alarmista for uma chamada, maiores as chances de o conteúdo ser falso.
• Verifique informações e fontes
Busque saber a origem da notícia, quem são os autores e se o site em que foi publicada é confiável. Sites com nome ou aparência semelhante à de veículos oficiais que não identificam seus autores e não possuem informações de contato são suspeitos.
• Observe se há consenso
Pesquise em mais de um veículo de comunicação ou em sites especializados. Notícias importantes se espalham rapidamente. Portanto, desconfie se apenas uma fonte estiver falando de determinado assunto.
• Na dúvida, não compartilhe
Notícias e textos antigos costumam circular nas redes sociais. Portanto, você deve ficar atento à data da publicação, já que os dados são atualizados diariamente. Cuidado com áudios e vídeos, pois eles podem ser facilmente editados e tirados do contexto. Seja cauteloso se houver pressão para que você compartilhe as mensagens porque é assim que elas viralizam. Repasse apenas as informações que você tiver certeza que são verdadeiras.

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Colaborador

Marcelo Rangel / Fotos: Getty Images e Reprodução