Nada a perder: um filme para todas as telas

Longa narra trajetória do líder religioso Edir Macedo

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Quando a gente se depara com uma cinebiografia, uma pergunta que normalmente surge é “quão fiel ela é em relação ao cinebiografado”. No caso de “Nada a Perder – Contra Tudo. Por Todos”, dirigido por Alexandre Avancini, a pergunta recairia sobre o personagem central, o Bispo Edir Macedo (vivido por Petrônio Gontijo). Ainda que baseado na biografia feita livro, o filme pode tomar também suas liberdades criativas, sem ferir a essência de sua proposta, nem a figura pública retratada. Tal fidelidade só pode ser mesmo atestada pelo próprio cinebiografado, ou por aqueles que estiveram muito perto de todos os principais acontecimentos de sua vida.

As escolhas do roteiro do filme fazem com que os fatos de domínio público da vida do bispo estejam lá. Desde momentos difíceis da infância, suavizados pelo incondicional amor da mãe (no filme vivida pela talentosa Beth Goulart), até os momentos de sua passagem pela prisão, o que se vê é uma sequência de acontecimentos marcados pelas dificuldades, provações e pela perseverança obstinada de um sujeito. Há até passagens que podem provocar gargalhadas no público. Nada escandaloso, mas comedido, dentro da própria proposta da narrativa, como quando o jovem Edir mostra sua ousadia em seu primeiro encontro com a futura esposa.

Outras trazem ao universo audiovisual fatos que podem produzir reflexões importantes sobre os diferentes cenários nos quais foi sendo forjada a personalidade do homem que acabou por fundar a Igreja Universal do Reino de Deus. As escolhas de roteiro não recaíram sobre temas que podem gerar polêmicas, mas em sua maioria se concentraram em fatos, alguns até conhecidos do grande público. Da relação de Edir Macedo com o cunhado R. R. Soares até uma expulsão de demônio, os caminhos da narrativa passam também pela ação de cenas que buscam o realismo puro.

A reconstituição de época pode facilmente levar o espectador a experimentar as vivências nas décadas pelas quais transita a narrativa, para mostrar passagens fundamentais da vida de Edir Macedo. Das roupas aos objetos, passando pelos carros e pelos cenários. Trabalho bem realizado. O roteiro corre contra o tempo da trama cinematográfica para não deixar escapar os fios condutores da vida em questão. Tarefa difícil, tendo em conta a imensidão de detalhes possíveis de serem aproveitados e até ampliados. Sem falar nos muitos acontecimentos que permeiam aqueles momentos no país.

“Em Nada a Perder..” há um forte apelo ao sentimento, à emoção, e tudo sublinhado com uma trilha sonora que evoca tais climas, sem chegar a surpreender. É a sonoridade esperada, sem promover nenhuma ousadia estética ou sonora. Está ali para acompanhar o personagem, sublinhando com sons os momentos mais marcantes de sua trajetória. E pronto. A estrutura da narrativa do filme de Avancini trata de compactar parte de uma vida que, por momentos, em seu início, pode parecer trivial, mas em outros deixa clara uma vocação para algo bem maior do que “subir em árvores”, como reflete a mãe de Edir em certa parte do filme, como forma de reorientar um sentimento difícil em momento de provação. Não há glamourização de uma vida, mas sim registro de uma história contada por quem ainda está vivo para avalizá-la.

Dos sonhos juvenis até as conquistas da vocação entendida, passando pelas buscas amorosas, o caminho de Edir se encontra unido àquela que viria a ser sua esposa, Ester, encarnada pela atriz Day Mesquita, que transparece, equilibradamente, delicadeza e firmeza, dando consistência e credibilidade aos muitos fatos que envolvem o casal. Do jovem idealista ao poderoso orador. Do funcionário em meio aos números na Loteria Estadual do RJ, ao homem público nos púlpitos, a produção de Avancini conduz a história de Edir Macedo mostrando os passos revelados desde as primeiras participações em cultos de outros pastores, até a criação da Igreja Universal do Reino de Deus, que em seus pontos altos dos anos 1990 já lotava o Maracanã com membros de sua congregação, incomodando outros poderes já estabelecidos. Nestes momentos surgem forças até então ocultas, representadas pelas figuras de Dalton Vigh como o juiz Ramos, e Eduardo Galvão, como monsenhor José Maria. E também aparece na tela a temática da compra da TV Record e a comentada prisão de Edir Macedo em 1992.

Em algumas passagens mais “pedagógicas”, Avancini decidiu apresentar contextos com a ajuda dos jornais e das manchetes daquelas épocas. E produz conexões rápidas, como é de se esperar de sua formação no universo audiovisual. Proveniente da cultura televisiva, Avancini produziu uma primeira parte da história de vida de Edir Macedo (o filme termina já com o gancho para a segunda parte) que bem pode ser apreciada, tanto na tela grande do cinema quanto nas telas menores, televisivas ou de dispositivos móveis, como será possível quando o filme entrar na plataforma de exibição da Netflix, como já está anunciado. “Nada a Perder…” reúne um universo de acontecimentos e, cada um por si só, renderia uma trama ainda mais complexa. Mas aí não seria um filme com pouco mais de uma hora e meia de duração, e sim uma série. Com vários episódios. Como é a nossa vida.

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Colaborador

Por Marcos Santuário do Correio do Povo / Foto: Paris Filmes / Divulgação / CP