Demissões, pandemia e intolerância. Qual o futuro do carnaval?

Acontecimentos dos últimos anos escancaram a necessidade de repensar como a festa é realizada

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Parece que a situação não está nada fácil para as escolas de samba. Por conta da pandemia, a festa de carnaval em São Paulo e no Rio de Janeiro, que havia sido adiada para julho, foi cancelada este ano e, desde então, agremiações, desde as mais simples até as mais ricas, além de paralisarem as confecções, começaram a fazer demissão em massa dos empregados.

O carnaval de São Paulo, por exemplo, é um dos maiores do Brasil. No ano passado, mesmo com a covid-19 já presente, a cidade bateu recorde de público e do número de blocos: foram mais de 15 milhões de foliões nas ruas e 600 blocos. A prefeitura gastou R$ 36,6 milhões, e houve um retorno financeiro de R$ 2,3 bilhões para a cidade.

Na véspera do início da folia, o país tinha um caso suspeito da doença e havia descartado outros 51. Naquele momento, o vírus já estava presente em 26 países. Até hoje não me conformo que com todo o cenário mundial o carnaval não foi cancelado.

Não foram poucos os especialistas que afirmaram que um dos motivos apontados para a explosão no número de casos foi a realização dessa festa, que todos os anos atrai milhões de pessoas vindas do mundo todo.

Preconceito religioso

Um ano antes, em 2019, uma escola de samba de São Paulo, a Gaviões da Fiel, protagonizou um tremendo ato de preconceito e desrespeito contra os cristãos na avenida.

Era madrugada de domingo e a comissão de frente encenou uma apresentação onde mostrava Jesus e Satanás em um embate e o diabo parecia vencer ao espancar e humilhar Jesus. Na época, o coreógrafo responsável pela coordenação da comissão de frente da Gaviões, Edgar Júnior, afirmou que a ideia era justamente chocar as pessoas.

Não apenas chocou como ofendeu todos que seguem à Cristo. De lá para cá, a escola foi alvo de dois processos e um inquérito policial, além de ofícios de repúdio e pedidos de esclarecimentos de órgãos públicos, uma vez que segundo o artigo 208 do Código Penal: “Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso.”

O mais curioso disso tudo é que muitos defenderam o ato, ao afirmar que somos um “país laico”. Mas, o que será que a sociedade, de forma geral, diria se, naquela ocasião, em vez de Jesus fosse outra liderança ou até mesmo entidade respeita pelas religiões?

Dessa forma, sou totalmente contrária à linha de enredos políticos e religiosos que as escolas de samba abordam, seguindo uma agenda muito bem posicionada ideologicamente e, muitas vezes, mal-intencionada.

Festa da hipocrisia

Eu e o carnaval nunca fomos melhores amigos, com exceção de parte da minha infância onde ficava encantada com as marchinhas carnavalescas que aconteciam nos salões dos clubes porque os confetes coloridos chamavam minha atenção e adorava jogá-los para cima. Mas, depois que cresci e vivi a experiência de ver pessoas queridas fazerem muitas besteiras nessa época do ano, passei a não gostar nem um pouco desse feriado que mais se destaca no calendário brasileiro.

Em 2009, quando tive a oportunidade de estudar um tempo em Sidney, na Austrália, me recordo que, um dia, indo à escola de inglês, um rapaz me abordou no meio da rua, perguntou se eu era brasileira e afirmou, em inglês: “Eu amo o Brasil, carnaval, orgias, bundas”.

Que raiva senti… Mas, infelizmente, essa é a nossa marca no exterior, e as pesquisas só confirmam isso.

Porque é o que acontece mesmo. Com os dias de folga, muitos aproveitam para ficar “fora de si”. O resultado desse quadro são vários, todos os anos: orgias, traições, acidentes de carro, brigas, assassinatos, mulheres espancadas ou crianças vitimizadas.

Só no ano passado, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) registrou um aumento de 8% nas mortes em comparação com o mesmo período de 2019. A PRF ainda informou que 87% das mortes poderiam ter sido evitadas, pois eram relacionadas a comportamentos de risco por parte de condutores e pedestres (como embriaguez ao volante).

Muitos comércios também saem no prejuízo nos dias de folia. Alguns estabelecimentos, localizados nas vias por onde os blocos de rua passam, são obrigados a fechar. Outros são obrigados a aumentar os gastos com segurança e limpeza. Isso sem falar nos moradores que não participam da festa e são obrigados a conviver com barulho intenso e baderna generalizada.

E daqui para frente?

Diversas pessoas que se ofenderam, em 2019, com a imagem da representação de Satanás humilhando Jesus compartilharam, nos últimos dias, fotos nas redes sociais mostrando o antes (a cena horrenda) e o depois (o sambódromo vazio). “Dá pra entender quem manda? Ou tem que DESENHAR?”, questionou o ministro do Turismo, Gilmar Machado Neto em sua conta do Twitter.

Houveram outras que afirmaram que o cancelamento do carnaval se deu por consequência da irresponsabilidade de permitir que a festa acontecesse ano passado, mesmo com a pandemia se alastrando pelo mundo.

Assim, o que acontecerá com o carnaval nos próximos anos é uma incógnita. Muitos que gostam defendem a festa e afirmam que é um patrimônio histórico e cultural, uma vez que que teve sua origem na Antiguidade, por meio dos cultos aos deuses; além de exercer um peso na economia do país. Ora, me pergunto então: se a festa gera tanto dinheiro assim, ela não deveria depender 1% do dinheiro público, certo?

Independentemente do que pensam e afirmam, o fato é que é preciso rever como o carnaval é realizado hoje em dia. Por que quem não concorda com o carnaval é obrigado a custeá-lo e fingir que não liga para isso? Com tantas mazelas sociais que assolam o Brasil, temos que financiá-lo com nossos impostos?

Não deveria ser função do Estado patrocinar um espetáculo que, cada ano que passa, cobra ingressos altíssimo e mantém camarotes caríssimos… Não faz senti algum continuar usando verba pública nele.

Para ler mais reflexões, como as do blog ‘Refletindo sobre a notícia’ por Ana Carolina Cury, clique aqui.

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Colaborador

ANA CAROLINA CURY | Do R7 / Fotos: Getty Images, Reprodução e Jose R. Baldini (CC)/Public Domain