Brasileiros usam jeitinho para desrespeitar as leis de cotas
Casos de pessoas que fraudam processos seletivos em universidades e concursos públicos mostram que muitos ainda não sabem o que é democracia de verdade
Desde que as leis de cotas para concursos públicos e para o ensino superior entraram em vigor, casos de tentativas de fraude na legislação ganharam o noticiário brasileiro.
Este mês, 56 estudantes da Unesp (Universidade Estadual Paulista) abandonaram seus cursos de graduação após saber que precisariam passar por uma entrevista como parte do processo de comprovação de que são pretos ou pardos, segundo informações da instituição. O número representa 11,8% dos alunos convocados.
Neste ano, todos os ingressantes por meio da reserva de vagas a egressos de escolas públicas pardos ou pretos tiveram a autodeclaração analisada. A Unesp faz a fiscalização de acordo com princípios estabelecidos em acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2018, 27 alunos foram desligados da instituição por fraudes na seleção.
No ano passado, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) analisou 61 denúncias de supostas fraudes de estudantes que entraram na instituição pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) em 2017. Destas, 34 resultaram em processos e 10 se referiam a estudantes que já haviam se desligado da instituição. A autodeclaração de pretos, pardos e indígenas foi validada em 17 casos.
Em 10 de junho, o Diário Oficial da União publicou a exoneração de um servidor do cargo de Técnico do Seguro Social do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) em Juiz de Fora (MG) após ele ter forjado características físicas para se passar por negro.
O homem, que tem pele e olhos claros, apresentou fotos em que aparecia com pele e olhos escuros, mas acabou descoberto após investigações internas e da Polícia Federal (PF).
Leis de Cotas
A Lei nº 12.711, sancionada em 2012, garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. Dessas vagas, 35% é destinada a pessoas que se autodeclaram pretas, pardas ou indígenas. Os demais 50% das vagas permanecem para ampla concorrência.
Desde 2014, a Lei 12.990 prevê a candidatos autodeclarados pretos ou pardos a reserva de 20% das vagas oferecidas em concursos públicos da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Para evitar fraudes, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão lançou uma portaria em 2018 que determina que todos os candidatos que optam por concorrer dentro da cota para negros em concursos públicos federais devem passar por análise visual de uma comissão constituída para esse fim para evitar fraudes.
Justiça para quem?
Nos últimos anos, milhões de brasileiros clamaram pelo fim da corrupção e por um país mais justo. Essa luta é muito importante. Mas a construção de um país sério depende também da atitude diária de cada cidadão. Afinal, como alguém que não respeita as leis poderia exigir o fim da corrupção? As leis das cotas foram aprovadas após procedimentos democráticos. Resta aos brasileiros respeitá-las. E aqueles que não estão satisfeitos devem buscar meios democráticos de fazer sua opinião valer. Burlar a lei é uma atitude hipócrita e egoísta para obter vantagem. O Brasil só vai conseguir superar o rótulo de país do “jeitinho” quando cada brasileiro, independentemente da posição que ocupe, for capaz de respeitar a democracia e seguir os princípios de civilidade. Estamos preparados para isso?
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