A geração que terceiriza a educação dos filhos

À Folha Universal, especialistas revelam por que é tão prejudicial delegar aos outros a tarefa de cuidar das crianças e dos adolescentes

Crianças cuidadas por babás, adolescentes que ficam na escola em período integral e jovens viciados em games. Situações como estas são muito comuns nos dias de hoje quando se fala em educação. Só que esse cenário moderno não é tão positivo como parece. Muitos pais acabam deixando de cumprir seus papéis e terceirizam a criação dos filhos, trocando o que importa pela facilidade de entreter os pequenos com tecnologia.

Alguns estudos comprovam que os pais não estão cumprindo seus papéis e delegando tarefas. Segundo uma pesquisa do TIC Kids Online Brasil, a maioria dos pais de crianças e adolescentes entre 9 e 16 anos espera que as escolas se encarreguem de ensiná-las sobre o uso seguro da internet. E a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2015 também mostra dados preocupantes. Um deles é que grande parte dos pais ou responsáveis não acompanha nem supervisiona adequadamente o desenvolvimento educacional dos filhos com idade entre 13 e 17 anos.

A psicóloga Claudia Melo comenta que essa atitude de deixar a educação dos filhos a cargo de terceiros tem sido muito frequente. “Hoje, o cenário da família brasileira do século 21 é de pais que trabalham fora. Esse não é o problema. As consequências negativas na vida da criança ocorrem quando, por causa disso, a educação é terceirizada. Quando esses pais não se responsabilizam por esse processo, as crianças ficam realmente muito perdidas.”

A psicóloga Aline Saramago detalha que, quando não são disciplinadas pelos pais, as crianças tendem a desenvolver dificuldade de aprendizado, baixa autoestima e problemas emocionais, como depressão, entre outros. Aline reforça que por isso é fundamental que quem ainda não é pai ou mãe reflita se está disposto a se dedicar à criação de filhos. “É muito importante que as pessoas pensem melhor antes de ter filhos e se questionem se terão tempo no futuro, já que não têm agora. “É preciso fazer um planejamento de vida. E aí, muitas vezes, ter um filho acaba sendo apenas mais uma conquista ou mais uma pressão social do que um desejo.”

“Não temos tempo”
A monitora infantil Ana Paula Cordeiro Serra, (foto abaixo) de 36 anos, e o marido, Francisco Carlos Cordeiro Serra, de 42 anos, oficial de off-set, contaram à Folha Universal que para evitar uma possível terceirização da educação decidiram não ter filhos. “Nos casamos em 2014, mas ainda no noivado conversamos sobre o tema e nós compartilhamos da opinião que não temos tempo para dar a atenção que uma criança merece e que seria injusto colocar um filho no mundo e deixar que outros o educassem”, revela Ana Paula.

Para eles, ter um filho nos dias atuais exige mais responsabilidade do que antigamente. “O mundo está muito violento e o amor está se esfriando. Quem pensa em ter filhos tem que ter consciência disso”, opina Francisco.

Ambos trabalham muito e no pouco tempo livre que lhes resta buscam curtir o casamento. “Nosso dia é preenchido com o trabalho e as tarefas de casa. Ainda planejo me formar na faculdade e nós dois desejamos investir em nosso crescimento financeiro. Depois de Deus e do nosso casamento, essas têm sido nossas prioridades atuais. Seria injusto ter um filho e não priorizá-lo”, finaliza Ana Paula.

Mas há quem não pense como Ana Paula e Francisco. A missionária Jane Garcia, (foto abaixo) coordenadora da Escola Bíblica Infantil (EBI Brasil), afirma que muitos pais acham que uma boa escola é suficiente para que os filhos tenham a formação ideal. “Contudo se esquecem que outros fatores como atenção, participação e envolvimento são necessários para o desenvolvimento das crianças e jovens. Assim, podemos ver um grande desequilíbrio emocional e afetivo dos pais que tendem a dar aos seus filhos apenas bens materiais, sem compreendê-los como seres complexos (corpo, alma e espírito). Diante desse cenário, vemos o reflexo de uma sociedade em situação de emergência quando o assunto é família.”

Consequências da ausência
Em seu trabalho, Jane conta que escuta muitas crianças se queixarem da ausência dos pais. “Ouço a reclamação das crianças quanto ao fato de os pais serem ausentes. Curioso é que, mesmo que estejam em casa, há pais que deixam seus filhos sozinhos e os trocam pela internet. Isso também faz com que o relacionamento entre pais e filhos seja frio.”

Jane relata que observa o quanto esses jovens sofrem com a terceirização de sua educação. “As crianças ficam emocionalmente abaladas, com conflitos e dores que ninguém percebe. Boa parte delas se enxerga como seres invisíveis porque não se sente amada pela família. E é importante frisar aqui que tudo que acontece na infância traz consequências para a vida adulta. Isso justifica o aumento de pessoas infelizes, com depressão, desejo de suicídio, inseguras e frias.”

A técnica em enfermagem Rayane Araujo Machado Santos, (foto abaixo) de 27 anos, diz que foi vítima da ausência dos pais e sofreu diversas sequelas emocionais por causa disso. “Fui fruto de uma gravidez não programada. Aos três anos, após uma discussão com minha mãe, meu pai nos deixou e ela teve que trabalhar para nos sustentar e me confiou aos cuidados de terceiros. Então, cresci sozinha e fui criada por outras pessoas.”

Apesar de entender que era necessário que a mãe trabalhasse, Rayane lembra que era uma criança triste e sonhava em ver sua família unida. “O que mais me entristecia era que quem cuidava de mim enquanto minha mãe trabalhava era um casal que morava ao lado da nossa casa. Eles me levavam à escola, davam alimentação, mas me machucavam, eram agressivos e impacientes, embora alegassem que gostavam de crianças. A hora das atividades escolares era uma tortura para mim, pois sempre que eu errava algo era castigada.”

O ápice do sofrimento gerado pela ausência dos pais ocorreu quando Rayane foi vítima de abuso sexual por parte do vizinho que “cuidava” dela. “Eu tinha 5 anos e não entendia o que estava acontecendo no início, mas depois compreendi que aquilo era um abuso e me desesperei. Contei à minha mãe, ele negou e disse que era coisa da minha cabeça. Minha mãe não me deixou mais aos cuidados do casal, mas o trauma ficou em mim. Cheguei a tentar tirar minha vida aos dez anos, mas não consegui ir até o fim.”

Por conta do abuso, Rayane passou a ter nojo dos homens e só conseguiu apagar todas as marcas que essa violência deixou quando conheceu o Senhor Jesus. “Lembro que uma amiga me convidou para ir à Universal com ela e minha mãe, que estava afastada, concordou que eu fosse. Eu tinha dez anos e ficava na EBI. Foi lá que conheci a Deus e consegui vencer todos os traumas. Ele me deu forças e me libertei do desejo de morte, da tristeza que havia em mim e perdoei aqueles que me fizeram mal”, menciona Rayane. Ela hoje é casada e se dedica ao trabalho na EBI para ajudar as crianças e seus responsáveis que passam ou passaram por situações parecidas com as suas.

Como ser mais presente
A coordenadora nacional do projeto Escola de Mães, Edineia Dutra, esclarece que as pessoas já se acostumaram a reclamar da falta de tempo, mas, para ela, o que falta, na maioria dos casos, é prioridade. “Investimos mais tempo àquilo que damos mais valor. Se todos os pais entendessem a importância de assumir o controle da educação de seus filhos desde pequenos, teriam menos dores de cabeça no futuro. A presença dos pais na vida dos filhos não os imunizará dos males do mundo, mas certamente trará mais proteção, segurança e confiança para que se desenvolvam de maneira saudável.”

A dentista Daniele Monteiro, (foto abaixo) de 42 anos, e o marido, o comerciante Gilberto Monteiro, de 50 anos, afirmam que faziam parte dos casais que trabalhavam muito e terceirizavam a educação dos filhos. “Temos três filhos e, depois deles, nossa rotina se transformou. Mudamos de casa para ficar próximos à casa da minha mãe. Depois os coloquei na creche e contratei uma baba”, diz Daniele.

Quando chegavam em casa se sentiam muito cansados para dar atenção aos filhos, tarefa que ficava a cargo da babá. “Eu não tinha energia para brincar ou para ajudar na lição de casa e, por isso, pedia para que a babá fizesse isso”, declara Daniele.

Gilberto revela que com o decorrer do tempo passou a perceber um grande problema na formação das crianças. “A babá, para garantir o emprego e nos agradar, fazia tudo que as crianças queriam, inclusive coisas que não concordávamos, o que atrapalhava a disciplina deles”, relata.

O casal só se deu conta do quanto estava prejudicando os filhos quando um deles, já com 9 anos, disse que queria ir embora de casa. “A babá gritou com ele e ele nos falou que queria ir morar com a avó. Foi quando eu e o Gilberto caímos na realidade. Vimos o que estávamos fazendo e conversamos sobre isso. Decidi parar de trabalhar e hoje me dedico à criação deles”, completa Daniele.

Para ela, essa foi a melhor decisão. “No começo foi difícil me adaptar, mas hoje vejo o quanto a participação, a atenção e a disciplina passada pelos pais são essenciais na formação dos filhos. Conversamos mais, me preocupo com o que eles assistem na TV e acessam na internet. Buscamos passear sempre juntos e nos esforçamos para sermos amigos dos nossos filhos.”

Ser presente é obrigação
Edineia, (foto abaixo) do Projeto Escola de Mães, alerta que a presença dos pais na educação dos filhos nunca foi tão importante como é hoje. “Os valores familiares estão sendo criticados e desconstruídos. Se os pais não acompanharem o que os filhos estão aprendendo na escola, com os colegas ou familiares, poderão ser surpreendidos de maneira negativa e poderá ser tarde demais. Portanto se responsabilize por uma tarefa que é sua e colherá os frutos de sua boa escolha.”

Jane Garcia explica que é possível conciliar a vida profissional e a paternidade, mas isso exige muita sabedoria. “Quando há um equilíbrio tudo pode ser ajustado. Nós estamos aqui para ajudá-los. Temos sempre que nos lembrar que os filhos não serão pequenos para sempre.

Se os têm, cuide deles e cuide muito bem.”

As equipes da EBI e do Escola de Mães estão à disposição para dar suporte aos pais que desejam cuidar melhor de seus filhos. Para mais informações, acesse sites.universal.org/ebi/e www.godllywood.com/escolademaes/

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Colaborador

Ana Carolina Cury / Fotos: Damilly Moura, Demetrio Koch, Divulgação e Gettyimages