Reforma Protestante: rompendo as amarras da religiosidade

Neste ano, o movimento que dividiu o cristianismo em um antes e um depois completa 506 anos

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Seja em casa, seja no trabalho ou até em vias públicas, todos já viram uma reforma. Normalmente, ela gera muita poeira, deixa coisas fora do lugar e causa transtornos, mas tem sempre o objetivo de promover alguma melhoria. Por isso, ao seu término, ela vale a pena. Esse cenário tão comum no dia a dia nos ajuda a entender o que foi a Reforma Protestante, movimento que mudou a visão completa do mundo sobre a fé e a Palavra de Deus.

Contexto Histórico
Tudo começou na Europa no século XVI. Nesse período, o catolicismo romano tinha muita força, principalmente porque era a única vertente que reunia os cristãos. Sob o comando do papa Leão X (1475-1521), que reinou de 1513 até sua morte e ficou famoso por uma atuação política que influenciou inclusive guerras na Europa, a Igreja Católica era uma das instituições mais poderosas da História.

Naquela época, além de conflitos armados, a população em geral sofria com fome, pestes e doenças. Em busca de melhores condições de vida, muitas pessoas foram aos centros urbanos, mas a estrutura precária não foi capaz de absorver tanta gente, o que aumentou o número de mortes. Tudo isso possibilitou que a Igreja Católica manipulasse a Palavra de Deus. Jean Regina, advogado e especialista em teologia, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, explica como foi esta fase: “a Igreja Católica tinha acumulado por séculos uma série de atropelos à fidelidade das Escrituras, o que fez com que outros valores pudessem ser equiparados à autoridade das Escrituras para o estabelecimento da vida da Igreja, para as questões de fé, questões de prática e, obviamente, as suas intercorrências, inclusive com a vida civil”.

Dois efeitos desses atropelos à Bíblia foram a popularização do autoflagelo como penitência e a criação das indulgências – cartas vendidas a quem dizia que estava arrependido de seus pecados. Bastava que o cristão pagasse para que fosse perdoado. Com o dinheiro arrecadado, a Igreja, entre outras coisas, financiava conflitos militares nos quais estava envolvida e foi nessa ocasião que a Basílica de São Pedro, no Vaticano, foi construída – até hoje a maior e mais luxuosa igreja do mundo.

Vale destacar que, até então, a Igreja proibia que a população tivesse acesso à Bíblia. Dessa forma, era necessário um intermediário, como o padre, para conectar o homem à Palavra de Deus. Com tamanha importância que tinha, era fácil para a Igreja convencer as pessoas de que ela falava por Deus.

O despertar da Fé
A distância cada vez maior entre a Igreja e os princípios ensinados pelo Senhor Jesus despertaram várias críticas, inclusive em pessoas de dentro da Igreja. Um dos descontentes com o rumo que as coisas tomavam foi o monge católico Martinho Lutero (1483-1546), já então respeitado teólogo e filósofo na Igreja e em sua comunidade. Segundo historiadores, meditando em uma passagem do livro bíblico de Romanos, Lutero entendeu que aquela realidade precisava mudar. Assim, buscando melhorar a Igreja Católica, no dia 31 de outubro de 1517, ele fez uma pregação com suas reflexões na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, na Alemanha, que ficaram conhecidas como 95 Teses. “Foi um movimento de busca das raízes cristãs que colocavam a autoridade das Escrituras acima da autoridade das pessoas e acabou gerando também uma ruptura social, política e econômica porque toda a cristandade cristalizada havia mil anos estava estabelecida a partir do pressuposto da Igreja.”

Claro que houve muita perseguição e Lutero foi expulso da Igreja Católica, porém, como muitos estavam insatisfeitos com a Igreja, adeptos daquele movimento se multiplicaram, o que deu força para uma grande reforma. “A Reforma Protestante levou a uma divisão significativa no cristianismo. As divergências teológicas entre os reformadores e a igreja romana acabaram resultando na formação de várias denominações protestantes, como luteranos, calvinistas, anglicanos e, posteriormente, metodistas, batistas e presbiterianos, entre várias outras.”

Uma das maiores “afrontas” do movimento foi a tradução da Bíblia. A Igreja proibia que ela fosse escrita em outro idioma que não fosse o latim (que poucas pessoas compreendiam), mas Lutero foi responsável por traduzi-La para o alemão, com o intuito de cumprir a ordem do Senhor Jesus, descrita em Marcos 16.15: “ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda criatura”. Com isso, ele não apenas divulgou a Palavra como A tornou mais acessível. E, a partir daí, o Livro Sagrado passou a ser traduzido para outros idiomas.

Impactos da Reforma
O movimento ganhou tanta força que dividiu o cristianismo em um antes e um depois. As pessoas passaram a ter liberdade de exercer a fé sem tradições intransigentes e dogmas incompreensíveis.Com a Palavra de Deus nas mãos do povo, surgiram outros desafios, como a alfabetização, até então precária. “Houve um impacto cultural gigantesco, porque as pessoas tinham um grande estímulo para aprender a ler e a escrever”, diz Regina.

Outro aspecto positivo foi que no período também ocorreu o desenvolvimento da prensa gráfica, criada por Joahnnes Gutenberg, na Alemanha. O equipamento permitiu que os reformistas imprimissem a Bíblia, o que facilitou sua propagação, pois, até então, existiam somente cópias escritas à mão.

Regina explica que, sem a reforma, possivelmente, o cristianismo teria encolhido. O movimento, porém, propôs uma renovação e o relacionamento do homem com Deus com base na Bíblia, que protegem a fé. “Só o fato de a Bíblia chegar ao povo e as pessoas serem impactadas pela ação do Espírito Santo já fez com que houvesse um exponencial crescimento. Tanto que hoje um terço das pessoas de todo o mundo professa a fé cristã.”

E, seguindo os passos de Lutero, ainda hoje muitos desses cristãos financiam essa missão de levar o Evangelho a todos, seja por meio de ofertas em suas igrejas, seja pela própria palavra.

O valor da Palavra
“A Bíblia Sagrada é a única fonte para guiar nossa fé, nossos costumes e nossas práticas. E, assim como a Reforma Protestante trouxe o foco para a Palavra de Deus, nós, como cristãos, devemos basear nossa vida no que está registrado nas Escrituras”, diz o Bispo Eduardo Bravo, presidente da União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos (Unigrejas).

A história nos mostra que a Bíblia já passou por inúmeras perseguições, uns tentaram destruí-la e outros sobrepor os Seus ensinamentos, mas Ela prevaleceu. O motivo é simples: é a Palavra de Deus que é a Única que pode falar com todos os Seus leitores ao mesmo tempo, atendendo às necessidades de cada um de forma individual. Por isso, lembrar da Reforma Protestante é também valorizar o que temos em mãos e usá-la para fortalecer a nossa fé.

Os pilares da Reforma Protestante:

Sola Scriptura: a Bíblia como a única autoridade de fé e prática;

Sola Fide: a Salvação é alcançada apenas por meio da fé;

Sola Gratia: a Salvação não acontece por mérito humano, mas é concedida como favor imerecido pelo sacrifício de Cristo;

Solus Christus: o único mediador entre Deus e o ser humano é o Senhor Jesus e não há a necessidade de outro mediador;

Soli Deo Gloria: toda a Glória é de Deus, que é o propósito da Criação.

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Colaborador

Cinthia Cardoso / Fotos: cinoby/getty images / CALBAR PAUL PHOTOGRAPHY/getty images